Novo diretor, ''FMI não pode se contentar em ser um gendarme''
O francês Dominique Strauss-Kahn, recé-eleito como diretor-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), acha que o Fundo ''não pode mais se contentar em ser um gendarme''. E que o Brasil ''tem razão'' de querer ter maior peso. Foi o que ele disse nes
Publicado 01/10/2007 07:00
Le Monde: Sua eleição para diretor-geral do FMI em 28 de setembro. Por que essa reorientação que vai mantê-lo longe das coisas da política francesa (ex-ministro e deputado, Strauss-Kahn é um dos cardeais do Partido Socialista)?
Strauss-Kahn : O que é a política para mim? É defender as convicções em que acreditamos e aplicá-las quando podemos. Faz anos que eu digo que é possível regularizar a mundialização (os franceses rejeitam o termo globalização) para reduzir seus aspectos negativos. Lá (no Fundo) eu tenho a ocasião de não só dizer, mas de poder fazer, ou, numa palavra, por a mão na massa.
Le Monde: O procedimento de sua eleição foi contestado pelos russos e os latino-americanos. Eles têm razão?
Strauss-Kahn: Minha eleição não foi tão contestada assim, se nós olhamos os resultados! Mas é verdade, o modo de eleger foi contestado e, vou surpreendê-lo, eu considero isto normal.
O acordo tácito entre os americanos, que se reservam a direção do Banco Mundial, e os europeus, que colocam um homem seu à frente do FMI, não tem mais razão de ser. Alguém saído de qualquer um dos 185 países-membros deve poder dirigir o Fundo, desde que tenha competência.
Eu poderia ter passado o verão de férias, e esperar ser designado simplesmente por ser europeu. Mas quis reunir e convencer as pessoas em torno de um projeto de reforma.
Le Monde: Por que o FMI está em crise?
Strauss-Kahn: O FMI foi criado, depois da 2ª Guerra Mundial, para favorecer o cescimento e o desenvolvimento do comércio graças à estabilidade financeira. As lembranças da crise dos anos 1930 ainda estavam vivas.
Essa missão nada perdeu de sua razão de ser, mas ela só poderá ser cumprida se o FMI se adapta à realidade do mundo. Ele não pode mais se contentar em ser um gendarme, que empresta dinheiro em troca de regras duríssimas para os países em dificuldades.
O Fundo está diante de um mundo mais complexo, como o prova a crise dos créditos imobiliários de risco nos Estados Unidos. Como se assenhorear, de fato, de um sistema que interconecta os mercados e difunde as crises com tanta velocidade?
Segundo exemplo: as correlações de força geopolíticas mudaram. Os países emergentes – a China, a Índia, o Brasil, a África do Sul ou o México – querem ter maior peso. Eles têm razão!
Terceiro exemplo: estes países, e outros, não querem mais que a estabilidade financeira seja adquirida em detrimento do equilíbrio social. Eles também têm razão!
Último exemplo: os recursos do FMI. Faz cinco anos que não há uma única crise de câmbio – e o FMI tem a ver com isso. Assim, o Fundo vê seus recursos secarem, já que ele vive dos juros dos empréstimos que concede aos países em crise.
Le Monde: Será preciso vender uma parte das 3.217 toneladas de ouro do FMI e aplicar o produto da venda para obter receitas?
Strauss-Kahn: A maios parte dos diretores de bancos centrais que eu consultei não são contra. Mas essa reforma pressupõe um amplo consenso.
Le Monde: Quais serão as suas prioridades?
Strauss-Kahn: O FMI deve ter uma visão mais vasta da sua missão, mas também precisa reforçar sua legitimidade, A representação de cada país no seio do FMI deve refletir as evoluções recentes da economia mundial. É o que chamamos a questão das cotas-partes, que meu antecessor Rodrigo rato já tratou bem.
Avançar para uma solução aceitável por todos é uma das minhas prioridades. Uma reforma assim é difícil, evidentemente necessária mas evidentemente insuficiente. Eis porque lancei a idéia de exigir uma dupla maioria para as questões cruciais: poderíamos levar em conta aio mesmo tempo o número dos membros do Conselho de Administração e o peso de cada membro.
Entre os presentes que Keynes esperava colocar no berço do Fundo, figurava uma ''manta multicolorida para recordar que o Fundo pertence ao mundo inteiro''.
Sim, todo mundo deve se sentir em casa e isso deve se refletir na composição do pessoal, onde a África, a Ásia e a América Latina não estão representadas o suficiente. Para encontrara os remédios adequados é preciso conhecer a história e a cultura de um lugar. A correlação de homens e mulheres vindos de todos os horizontes geográficos é portanto essencial.
Le Monde: Concora quando se diz: ''Ao Fundo os empréstimos a parentes emergentes e ao banco Mundial a ajuda aos países pobres''?
Strauss-Kahn: Não á a minha visão das coisas. Os desequilíbrios macroeconômicos geram problemas sociais, e vice-versa, tanto em países de renda intermediária como nas economias mais desfavorecidas.
Não se pode desenvolver um país sem levar em conta o curto prazo e o longo, sua demografia e sua agricultura assim como seu quadro orçamentário e seu balanco de pagamentos.
É preciso acabar com a imagem de um Banco Mundial ''bonzinho'' e um FMI ''que usa o porrete''. Decidimos trabalhar em entendimento com Robert Zoellick, o novo presidente do Banco Mundial.
Poderíamos trabalhar também com outras instituições, como o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e a Organização Mundial de Comércio (OMC). cada um deve cumprir sua própria missão, mas quando os problemas são globais as soluções devem ser globais.
Fonte: Le Monde