Inácio deve relatar “megaabacaxi” da CPI das ONGs
O senador Inácio Arruda (PCdoB-CE) deve ser escolhido na tarde da terça-feira que vem (9) como relator da novíssima CPI das ONGs (Organizações Não-Governamentais). A comissão foi instalada nesta quarta-feira (3) tendo a relatoria como fator de discórdia.
Publicado 03/10/2007 20:31
A CPI do Fim do Mundo original, também chamada CPI dos Bingos, funcionou em 2005-2006, no auge da crise política gerada pelas denúncias do “Mensalão”. Em um momento de fragilidade das posições governistas no Congresso, esqueceu os bingos para investigar desde o assassinato do prefeito de Santo André e a corrupção na prefeitura de Ribeirão Preto até o pagamento de uma dívida do presidente Luiz Inácio Lula da Silva junto ao PT. Terminou denunciada como irresponsável, inconstitucional e ilegal, aprovando um relatório inconclusivo e em baixa na opinião pública.
“As ONGs são a bola da vez”
O pedido da CPI das ONGs foi protocolado em março passado pelo senador Heráclito Fortes (PFL-PI) na Mesa Diretora do Senado Federal. Heráclito, ex-deputado pela Arena no período da ditadura e líder do governo Fernando Henrique Cardoso no Congresso Nacional, desde o início não escondeu o objetivo de criminalizar as ONGs, entidades e movimentos sociais. O pedido original propunha a investigação apenas a partir de janeiro de 2003, data da posse de Lula.
“As ONGs são a bola da vez”, queixou-se, no Terra Magazine, Tatiana Dahmer, da diretoria da Abong (Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais). Ele vê na iniciativa “uma tentativa de criminalização de ONGs e movimentos sociais por parte dos setores mais conservadores da sociedade, que questionam a legitimidade de ter acesso a recursos públicos”. E, como objetivo, “afetar o campo das esquerdas”, “não só o PT, mas tentar detonar organizações que têm uma história de questionar o modelo de desenvolvimento, questionar as desigualdades”.
Ocorre que o acordo entre oposição e governo que levou à instalação da CPI abriu o leque das investigações. Estas remontarão a 1999, cobrindo também o segundo governo Hernando Henrique Cardoso. O mesmo acordo que ampliou as investigações da CPI estabeleceu que o seu presidente seria da oposição e o relator da base do governo.
Valter Pereira, o líder dos “franciscanos”
O presidente foi escolhido nesta quarta-feira, por unanimidade: é o senador Raimundo Colombo (DEM), catarinense como o ex-presidente de sua sigla, Jorge Bornhausen, tido como um voto certo contra o governo, mas cordato e razoável, com um estilo bem distinto do seu conterrâneo e correligionário.
Na hora da escolha do relator, porém, a oposição roeu a corda. Tratou de fazer passar um nome que fosse formalmente da base do governo mas conveniente para o propósito de criminalização de ONGs e movimentos sociais. Emergiu então o nome do senador Valter Pereira (PMDB-MS), que na semana passada capitaneou a derrota do governo na votação que criava a Secretaria de Ações de Longo Prazo.
O episódio fraturou ao menos momentaneamente a base do governo no Senado, ao gerar a “rebelião” de grande parte da bancada peemedebista, o grupo que a mídia apresentou de “franciscanos”. Valter Pereira, ao se sentir preterido para a relatoria, reagiu reafirmando seu voto na semana passada e anunciando que também votará contra o governo quando a prorrogação da CPMF chegar ao Senado.
Inácio e sua coluna vertebral.
O perfil de Inácio Arruda é distinto. Cearense de Fortaleza, o primeiro senador eleito pelo Partido Comunista depois de Prestes projetou-se na política justamente a partir dos movimentos sociais, como presidente da Associação dos Moradores do Bairro Dias Macedo e a seguir da Federação de Bairros e Favelas de Fortaleza. Em primeiro mandato, após 12 anos na Câmara, é visto como um governista com espírito crítico, independência e também com uma coluna vertebral que não se presta a contorcionismos.
O tema da CPI é imenso. Estima-se que chamado terceiro setor (não empresarial e nem governamental) tem no Brasil perto de 500 mil organizações, entre ONGs, entidades, movimentos e Oscips (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, figura criada pelo governo FHC em 1999 para facilitar o repasse de verbas públicas para ONGs). As bases sociais, as inclinações ideológicas e as conexões políticas são as mais variadas.
O senador do PCdoB tem respondido monossilabicamente à imprensa, que insinua uma relação entre a proposta de seu nome e os supostos interesses da líder do PT, no Senado, Ideli Salvatti (SC). Ideli tem sofrido acusações de envolvimento com a liberação de recursos por meio de ONGs.
Sem criminalização no atacado
Inácio se queixa também da sobrecarga que a indicação representará, já que é o único representante do PCdoB no Senado. Isso implica, por exemplo, em passar a segunda-feira que vem em Montevidéu, onde ele é um dos 18 representantes do Brasil no Parlamento do Mercosul, e voar em seguida para Brasília, para acompanhar a escolha do relator da CPI, além de ter sido indicado para o Conselho de Ética do Senado, que anda sobrecarregado com o Caso Renan.
Mas para o universo das ONGs e congêneres, o ex-presidente da Federação de Bairros e Favelas é a esperança de que não sejam criminalizadas a priori e por atacado, como tencionam Heráclito Fortes & companhia. Esta intenção se vincula com uma rejeição que é forte, na oposição e em especial no Senado, contra o papel político que os movimentos sociais e seus representantes passaram a ter no governo do ex-líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva. Há quem sinta urticárias com ele.