Bahia terá três varas de combate à violência contra a mulher
Uma dos projetos de lei mais importantes dos últimos 30 anos, em tramitação na Assembléia Legislativa da Bahia, foi aprovado nesta quarta feira (31/10), por unanimidade, o de Organização Judiciária, enviado pelo Tribunal de Justiça, que garante, entre out
Publicado 02/11/2007 21:36 | Editado 04/03/2020 16:21
As duas emendas que tratam da questão foram aperfeiçoadas pelo relator do projeto, deputado Álvaro Gomes (PCdoB), que incluiu a criação de varas especializadas no combate a violência doméstica e familiar contra a mulher. As três maiores cidades do Estado foram contempladas: Salvador, Feira de Santana e Vitória da Conquista.
“Diante da realidade da Bahia, o número ainda é insuficiente, mas, sem dúvida, simboliza um importante avanço. Vamos continuar lutando para a implantação de varas em outros municípios, que também necessitam de varas para julgar crimes domésticos”, ressaltou Patrícia Ramos, da União Brasileira de Mulheres (UBM).
O parecer do parlamentar foi resultado de seis meses de reuniões com os mais diversos segmentos da sociedade, como juízes, advogados, Ministério Público, servidores, defensores públicos, sindicatos e entidades civis. Ao todo, foram apresentadas 369 emendas, das quais 149 foram acatadas pelo relator, que apresentou outras 52.
“Fizemos um grande esforço para atender as necessidades da população, sobretudo com atenção especial às demandas da mulher, tão pouco contempladas ”, frisa Álvaro Gomes, que acolheu emendas de 29 parlamentares, tanto da base do governo quanto da oposição.
A lei estabelece ainda o aumento de cargos de juiz, passando de 663 para 1.137, e de varas em Salvador (de 171 para 304), e também no interior do Estado (de 400 para 735), em diversas especialidades (Infância e Juventude, Criminais, Relações de Consumo, Fazenda Pública, Execuções Penais e Registros Públicos, Família e Sucessões). “Adotei como princípios no relatório a acessibilidade, democracia, transparência, regionalização, celeridade e eficiência na prestação dos serviços jurisdicionais, com o objetivo de assegurar a Justiça como instrumento da cidadania”, disse Álvaro.
Outras definições previstas são aumento do número de desembargadores no Tribunal de Justiça, de 47 para 53, além da criação de Conselhos de Conciliação nos municípios que não possuem fórum. Segundo o projeto, há também aumento do número de varas do Consumidor, de duas para 17, e Criminais, de 17 para 35.
Reconhecimento
O parecer do relator foi elogiado por deputados de diversos partidos. O líder da Minoria, deputado Gildásio Penedo (DEM), reconheceu que muitas emendas, inclusive da oposição, foram acolhidas, o que demonstra a forma democrática como a relatoria foi feita.
Para o presidente da Assembléia Legislativa, deputado Marcelo Nilo (PSDB), “em 16 anos nunca vi um projeto ser debatido tão amplamente”. Foram dezenas de reuniões e audiências públicas promovidas dentro e fora da Casa. Segundo Paulo Câmera (PTB), o relatório é a expressão do que a sociedade sentiu e demonstrou nos últimos meses.
Audiência
O movimento de mulheres da Bahia participou de uma audiência pública na Assembléia Legislativa do Estado, nesta quarta-feira (31/10), pela manhã, para debater a importância de garantir que a Lei de Organização Judiciária englobasse o que está disposto na Lei Maria da Penha e para sensibilizar os deputados a incluírem no Projeto de Reorganização do Judiciário que iria ser votado, a criação de varas especializadas no combate a violência doméstica e familiar em todo o estado.
A criação das varas especializadas é uma medida que não substitui os juizados especializados previstos na Lei Maria da Penha, mas é um início da aplicação da lei em âmbito estadual. Aliás, um dos pontos cruciais na efetivação da lei é a unificação das competências cíveis e judiciais das ações contra a violência doméstica e familiar, permitindo a criação de uma rede de proteção às mulheres agredidas. Além da assistência jurídica estão previstos para serem disponibilizados o acompanhamento psicossocial da vítima e de seus filhos.
As baianas defendiam a criação de nove varas especializadas, duas em Salvador e outras sete no interior do Estado. Foram aprovadas apenas três varas, mas apesar de reduzido, o número representa um avanço diante do projeto original de reforma do Judiciário, que não previa varas especiais para a violência doméstica. A mobilização começou em junho, quando as militantes fizeram um esforço concentrado para convencer os deputados e o Judiciário sobre a importância da implementação destas varas.
A luta pela implementação da Lei Maria da Penha no estado une organizações femininas e o movimento de mulheres. Integrantes do Executivo e do Judiciário e todas as parlamentares baianas, na esfera federal, estadual e nas Câmaras de Vereadores fazem parte desta mobilização, que conta ainda com o apoio de vários deputados e vereadores.
Maria da Penha Maia
A biofarmacêutica Maria da Penha Maia lutou durante 20 anos para ver seu agressor condenado e virou símbolo contra a violência doméstica. Em 1983, o marido tentou matá-la duas vezes. Na primeira vez, deu um tiro e ela ficou paraplégica. Na segunda, tentou eletrocutá-la. A investigação começou em junho do mesmo ano, mas a denúncia só foi apresentada ao Ministério Público Estadual em setembro de 1984. Oito anos depois, o agressor foi condenado a oito anos de prisão, mas usou de recursos jurídicos para protelar o cumprimento da pena.
O caso chegou à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), que acatou, pela primeira vez, a denúncia de um crime de violência doméstica. O marido de Maria da Penha foi preso em 28 de outubro de 2002 e cumpriu dois anos de prisão. Hoje, está em liberdade.
O caso inspirou a criação da Lei de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, batizada como Lei Maria da Penha Maia, que agiliza os processos, aumenta a punição dos agressores e cria uma rede proteção às mulheres vítimas de violência e a seus filhos.
A lei altera o Código Penal e permite que agressores sejam presos em flagrante ou tenham a prisão preventiva decretada. Acaba com as penas pecuniárias, aquelas em que o réu é condenado a pagar cestas básicas ou multas, além de alterar a Lei de Execuções Penais para permitir que o juiz determine o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação.
Aumenta também os mecanismos de proteção às vítimas, como a determinação de que o marido violento saia de casa, a proteção dos filhos e o direito de a mulher reaver seus bens e cancelar procurações feitas em nome do agressor. Além de garantir que a mulher pode se afastar por seis meses do trabalho, sem perder o emprego, se for constatada a necessidade de manutenção de sua integridade física ou psicológica.
De Salvador,
Dante Matisse e
Eliane Costa