Passeio Público volta à Fortaleza

Não foi com um estalar de dedos. O fato é que o Passeio Público, de lugar inseguro e associado a um mercado de sexo, voltou a ser local confiável para boa parte da população.

As obras se estenderam por dois meses e tiveram um custo acima de R$ 800 mil, boa parte sendo recursos próprios da Prefeitura e mais ajudas pontuais, como a prestada pela Casa Cor para os serviços de jardinamento. Atualmente, o perfil do freqüentador é distinto, mas há moradores e turistas que descobriram belezas e encantos, além de se contar com policiamento, num espaço que se configura como cartão postal de Fortaleza.


 


 


Foi longa a trajetória de degradação e vandalismo da Praça dos Mártires, mais conhecida como Passeio Público. Ao todo, passaram-se mais de dois anos do último restauro. Pior, é que maior do que o hiato de intervenções foi o de manutenção. A deterioração física do Passeio foi decorrente da falta de uma política de zelo, conforme nota o professor Sebastião Ponte, do curso de História, da Universidade Federal do Ceará (UFC), autor do livro “Fortaleza Belle Époque” .


 


 


“Louvo a iniciativa da Prefeitura, mas defendo políticas duradouras de conservação, a fim de que não tenha o mesmo destino da Praça dos Leões, que sistematicamente passa por interverções, mas encontra-se quase degradada”, disse.


 


 


A última intervenção mudou o perfil dos freqüentadores do Passeio Público, cartão postal de Fortaleza, com a presença em seus recantos de crianças, namorados, famílias, artistas e demais visitantes.


 


 


O espaço foi entregue recuperado à população no último dia 6 de outubro, em solenidade aberta ao público com a presença da prefeita de Fortaleza, Luizianne Lins e uma programação especial composta de apresentações musicais e exposição fotográfica. Contudo, para a comunidade acadêmica, órgãos gestores e o público paira a dúvida se essa nova realidade será duradoura, terá sustentabilidade ou voltará perder a atração do fortalezense.


 


 


Essa é uma certeza que norteia o pesquisador Cristiano Câmara. Ele teme que o logradouro volte a experimentar o mesmo descaso, a exemplo do que aconteceu com a Ponte Metálica, localizada na Praia de Iracema. Naquela época, a administração municipal gastou R$ 1 milhão, conforme lembra Câmara, com a restauração da ponte para se revelar, hoje, como lugar evitado pela população e com a dimensão ampliada de reduto marginal.


 


 


“Meu medo é que passada a euforia, essa mudança seja efêmera. Começa por falta de lógica em se embelezar uma praça, quando não houve o mesmo zelo com as demais, que foram tomadas por grupos marginais”, observa.


 


 


Ficaram no passado ainda recente, as imagens de luminárias quebradas, banco degradados, jardins descuidados e a sujeira tomando conta das calçadas internas. Não há mais fluxo de prostituição e há uma vigilância por todo o dia e parte da noite de efetivos da Guarda Municipal, além de policiais militares.


 


 


Um quiosque contemporâneo, mas sem perder os traços tradicionais, abriga hoje um café. Mesas foram instaladas no seu entorno para lanches ligeiros, um bate-papo e ainda para servir para jogos, como os tabuleiros de xadrez.


 


 


Se os novos tempos renovam o charme do Passeio Público, quando teve sua “Belle Époque” são imprecisos. Mais incerto ainda é se o atual perfil terá vida longa. Construído no Século XIX, tombado pelo Iphan, o Passeio Público é uma das principais referências da memória da cidade. Em estilo neoclássico, tem um chafariz e árvores centenárias como o baobá, local onde foi fuzilado o Mártir Padre Mororó. Segundo Fátima Mesquita, presidente da Funcet, o uso que a Prefeitura propõe para o Passeio Público restaurado segue a direção contrária daquele noticiado nos idos de sua inauguração.


 


 


De acordo com o escritor Raimundo Neto, o Passeio Público, antigamente, era dividido em três planos: Caio Prado (o que restou e era destinado à elite), Carapinima (para a classe média) e a Mororó (para operários e prostitutas). Dividida assim, em três níveis, um para cada classe social (alta, média e baixa), a primeira praça da cidade, notadamente segregadora, também foi palco de atrocidades, quando do fuzilamento dos revolucionários da Confederação do Equador.


 


 


Outrora Campo da Pólvora, Largo de Fortaleza, Largo do Paiol, Largo do Hospital da Caridade, Praça da Misericórdia e Praça dos Mártires, o Passeio Público tem ligação afetiva com o fortalezense, a exemplo das Praças do Ferreira e a Praia de Iracema.


 



“O restauro do Passeio Público não foi uma forma de compatibilizar com a programação da Casa Cor. Caminhamos juntos, porque houve o incentivo dos organizadores do evento, mas evidente que a nossa perspectiva de manutenção e de programação projeta-se para um tempo mais extenso”.


 


 


A afirmação é da presidente da Fundação de Cultura, Esporte e Turismo (Funcet), Fátima Mesquita. Ela informou que já está agendada até o final do mandato da prefeita Luizianne Lins, uma programação, envolvendo atividades culturais permanentes e gratuitas. As obras de restauro do Passeio Público incluíram a recuperação do quiosque, dos monumentos, do gradil, dos bancos, das fontes, um novo projeto de iluminação e a recuperação do jardim.


 


 


O investimento da Prefeitura de Fortaleza é de R$ 225.000, com pagamento dos serviços de restauro prestados pela construtora Decom. Outros R$ 45.000, foram doados em tinta e jardinagem pelo Instituto Cor da Cultura. O gasto com iluminação, à cargo da AMC, é da ordem de R$ 600.000. No entanto, Fátima Mesquita lembra que a manutenção e a preservação também é responsabilidade de todos. “Não podemos fazer isso sozinhos, se a população não fizer a sua parte para o bem comum”, afirmou.


 


 


A segurança, conforme informou, será mantida pela Guarda Municipal, durante o dia e à noite, e também está sendo contatada Polícia Militar, para dar continuidade ao policiamento no entorno do logradouro.


 


Segundo Romeu Duarte, Superintendente do Instituto Nacional do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan-CE), compete à Prefeitura de Fortaleza, através de seus órgãos vinculados, a gestão do imóvel. Até o momento, merecem todo o nosso reconhecimento as intervenções procedidas, que são pertinentes a um bem tombado pela União e pelo Município, não restando dúvida que o serviço de restauro foi bem feito e que são discretas as intervenções contemporâneas.


 


 


“Faz parte de nossa percepção a mudança do perfil do freqüentador, embora seja contra a expulsão das prostitutas do logradouro, como defendem alguns setores. Defendo que se deva pensar em uma programação diversificada para o Passeio antes mesmo que terminem as atividades da CasaCor. É mais que necessário que uma programação cultural e lúdica sustente o dia-a-dia da praça, bem assim que sejam mantidos os serviços de vigilância e patruhamento para que não retorne o vandalismo. Creio que a Funcet estará sensível à manutenção de atividades que importem e garantam o fluxo diversificado de público, daí a importância de eventos musicais, que atendam diferentes gostos, como o clássico e o popular. Defendo que seja um espaço aproveitável para lançamentos de livros e com atividades específicas voltadas para pessoas de todas as idades”, diz Romeu.


 


 


Fonte: Diário do Nordeste