O Ceará perde Stélio Vale
Stélio foi um dos principais nomes do “Pessoal do Ceará” e um dos idealizados do Massafeira, onde atuou como compositor, cantor e produtor. Suas músicas foram gravadas por nomes como Nara Leão, Núbia Lafayette, Zizi Possi e Fagner.
Publicado 11/01/2008 12:34 | Editado 04/03/2020 16:36
O corpo do compositor Stélio Vale foi velado pelo artista plástico Sérgio Pinheiro e pelo memorialista Cartaxo Arruda em uma mesa de bar ao lado da antiga casa do músico falecido. Alguns de seus amigos relembravam a personalidade do músico cearense entre goles de cerveja. Stélio, de 57 anos, um dos mais jovens da geração que ganhou a alcunha de ''Pessoal do Ceará'', havia cerca de seis meses vendido para uma funerária a casa em que nasceu e morou até ano passado. Declarou um dia antes da morte em uma das mesas do mesmo bar: ''Quando morrer, quero ser velado nesta casa''.
Por trás dos óculos escuros, Sérgio pouco falou. Amigo há 40 anos de Stélio, ele abria todas as quintas-feiras seu ateliê para o violão do amigo. No fim de tarde de ontem, calou-se quando o corpo chegou ao velório. Sentado de costas, apenas ouviu Arruda dizer, quando viu a cena do corpo entrando no velório: ''Eita! Aí, aí… A ficha cai de banda, cai e não cai.''
Vítima de um Acidente Vascular Cerebral (AVC), Stélio Vale teve a morte anunciada às 5h da manhã de ontem. Compositor e letrista, foi um dos mais importantes músicos da geração que projetou a música cearense em âmbito nacional no fim da década de 1970 e que teve em Belchior, Fagner e Ednardo suas maiores referências. O corpo foi velado, como pedido, em sua antiga casa, atual funerária, no Centro da cidade. O enterro está marcado para hoje, às 11h30, no cemitério São João Batista.
Seu primeiro LP, Brilho, foi gravado em 1979. Stélio foi um dos principais nomes do ''Pessoal do Ceará'' e um dos idealizados do Massafeira, onde atuou como compositor, cantor e produtor. Suas músicas foram gravadas por nomes como Nara Leão, Núbia Lafayette, Zizi Possi e Fagner.
A carreira, começada na adolescência com a banda Os Diferentes que tocava The Beatles e Jovem Guarda, seguiu por mais de 40 anos. Seu último show foi ano passado na comemoração do aniversário de Fortaleza, cidade em que nasceu e morou a maior parte da vida. Dela ficou distante principalmente na década de 1980, quando seguiu para o Rio de Janeiro atrás de maior visibilidade junto com outros nomes da geração. Voltou no final da década para nunca mais sair, sempre andando pelo Centro, lugar preferido na cidade.
''Viva Stélio Vale'', gritou Carlos Henrique, seu último produtor, que foi seguido por uma salva de palmas. Entre suas composições, músicas como Citroen, Sorvete e Graças a Deus. Muitas em parceria com artistas como Alano Freitas, Sérgio Pinheiro, Petrúcio Maia, Augusto Pontes e Roberto Aurélio. Seu segundo e último trabalho foi o CD Ser Feliz, de 2001.
''Ele nunca deixou de compor porque eu acho que a vida dele era essa'', disse Simone Valle, sua então esposa, grávida do quarto filho do músico, o segundo com Simone. Karine, de 16 anos, filha de um casamento anterior, lamentou-se por não ter conseguido realizar o sonho do pai de tocar junto com ele em um show, mas fez questão de lembrar de um trecho da música Olhos de Lince, de 1963: ''Nada do que eu tenho nas mãos, vale mais que a paixão que flutua no ar''.
Depoimentos
Eu conheci o Stélio, provavelmente, em um daqueles barzinhos da Beira Mar. A cidade era menor, por isso dava para todo mundo se conhecer. Ainda mais que havia uma convergência cultural muito forte ali. O pessoal se juntava para tocar violão. Ele apareceu com o Alano Freitas, Chico Pio, e o pessoal apelidou o grupo dos Novos Cearenses. Ele era um cara muito generoso, morou no Rio por um tempo e todo cearense que chegava lá ele hospedava. O Stélio foi parceiro de muita gente. Eu fiz umas quatro ou cinco músicas com ele. Ele sempre foi uma liderança dentro do grupo.''
Fausto Nilo, arquiteto e compositor
''Eu e o Stélio nos conhecemos da vida de composição, de boemia. Nós tínhamos muitos amigos em comum. Lembro dele pela amizade, camaradagem. Compus algumas músicas com ele. A mais conhecida foi Reisado. Inclusive a gente tocou muito agora em janeiro nesses pré-carnavais. Ele era uma pessoa muito boêmia, estava sempre disposto. A gente sempre se encontrava ali no ateliê do Sérgio Pinheiro.''
Augusto Pontes, compositor e publicitário
''Passei a conviver com o Stélio em 1969. A gente sempre se reunia por aqui, em algum bar ou mercearia, para beber e tocar. Em 1970, começamos a fazer música juntos: Sonhos, Frevo da Rua, Sorvete e várias outras. Ele era um cara que tinha muito bom-humor e um espírito pacifista. Ele também era um cara que não expunha os seus problemas. Como músico, tinha um enorme talento. O Stélio era um dos poucos, no Ceará, que conseguia tocar Bossa Nova. Andava sempre o pessoal junto para fazer música: o Stélio, Titico, Olímpio Rocha, Roberto Rios.''
Alano Freitas, artista plástico, compositor e poeta
''Eu sempre morei por aqui. O Stélio era uma figura. Muita gente não sabe, mas, antes de se bandear para a Bossa Nova, ele tocava mesmo era aquele rock'n roll da Jovem Guarda. Eu acompanhei o início dele aqui. Ele era um cara de muito talento e, depois do Massafeira, ele se firmou de vez. Eu admirava muito o seu trabalho. As lembranças que tenho dele é sempre com música. Quando encontrava com ele era sempre com um CD na mão e a gente começava a comentar.''
Firmino Holanda, professor de cinema da UFC
''Fui amiga pessoal do Stélio. O ano passado, ele cantou no aniversário da cidade junto com vários outros músicos. Quando encontrei com ele, ele até falou que estava fazendo novas músicas para o próximo aniversário da cidade. Ele era muito receptivo aos novos artistas e queria muito cantar mais Fortaleza, esse era um grande desejo dele. A família da música cearense está perdendo uma grande lacuna que, com certeza, ninguém vai conseguir preencher facilmente.''
Wladísia Mesquita, Coordenadora de Produção da Funcet
Fonte: O POVO