Geddel Vieira Lima, de inimigo a comandante da transposição
O ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), lamenta as paralisações das obras de transposição, mas afirma que o primeiro trecho do projeto ficará pronto até 2010. O segundo, que trará água até o Ceará, dependerá do próximo presidente.
Publicado 21/01/2008 16:21 | Editado 04/03/2020 16:36
Geddel Vieira Lima, ex-opositor da transposição, diz que foi o projeto que mudou, e não ele. Em março do ano passado, o presidente Lula surpreendeu o Brasil e, em particular, o Nordeste, ao anunciar o baiano Geddel Vieira Lima para o Ministério da Integração Nacional. Saía o cearense Pedro Brito, que havia sido deixado no cargo pelo antecessor Ciro Gomes, um convicto declarado sobre a importância do projeto de transposição das águas do rio São Francisco, principal ação da pasta e tido como redenção sócio-econômica da região. Entrava um representante da Bahia – Estado com grande força na queda-de-braço contra a obra.
A aposta de Lula – segundo a qual seria necessário atrair o apoio dos opositores para a causa da transposição, ao invés de combatê-los -, acabou se revelando certeira. Dez meses depois de assumir o Ministério, o deputado federal licenciado pelo PMDB declara-se entusiasmado com o projeto, tanto do ponto de vista técnico, quanto da determinação política do Governo Federal em tocá-lo.
Como teria sido essa mudança? ''Não teve metamorfose ambulante não. Quem teve metamorfose foi o projeto'', esclarece o ministro, ao ser lembrado de uma recente declaração do próprio Lula, que se apropriara de uma máxima do cantor Raúl Seixas, a propósito, também baiano. ''Eu não mudei. Quem mudou foi o projeto'', afirma Geddel, para quem a transposição atrai pessoas que pensam diferente, à medida em que o projeto ''vai se aprimorando''.
Geddel não dá prazo fechado para a chegada das águas do ''Velho Chico'' ao Ceará, porque o Eixo Norte, explica ele, não será concluído até o fim do mandato do atual governo, em 2010. Mas diz que esse canal ficará num estágio irreversível. ''Daí é fazer com que a sociedade exija, seja qual for o governo'', prega.
O ministro diz enfrentar, ''sem preconceito'', o debate sobre o uso das águas que chegarão a Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte, e afirma que, apesar de a prioridade ser o consumo humano e animal, a água será empregada no agronegócio. ''Além de ser um projeto de segurança hídrica, a transposição é também um projeto integrado de desenvolvimento'', justifica. Católico, Geddel criticou duramente o bispo Luiz Cappio, de Barra (BA) pelas duas greves de fome que fez contra as obras, e diz que a transposição ''não é assunto de igreja''.
Com a retomada das obras de transposição das águas do rio São Francisco, o que é possível anunciar em termos de andamento do projeto?
As obras retomaram o seu ritmo normal (paralisados desde o fim do ano passado, os trabalhos foram retomados há duas semanas). Vamos agora assinar os primeiros contratos do Eixo Norte, e abrir as licitações do primeiro lote do Eixo Leste. Por hora, não tem mais o que anunciar. Apenas convidar vocês para verem as obras andando.
Qual o impacto dessas paralisações no cronograma do projeto?
Prejuízo houve, mas nós vamos trabalhar para tirar o atraso. Claro que seria melhor se não tivesse parado, porque estaria mais adiantado. Vamos discutir alguns pontos com a maior brevidade, para que possamos, dentro do cronograma, levar essa obra adiante, que é uma determinação do presidente Lula.
O Orçamento da União de 2008 prevê recursos para a continuidade das obras. Mas o Governo Federal está revendo alguns números, por causa do fim da CPMF. Esses cortes atingirão a transposição?
O presidente Lula já deixou claro que a prioridade é preservar os recursos do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), onde se insere a transposição. Essa obra é importante para o País, e para o Nordeste tem um peso especial. Eu não creio que em nenhuma circunstância possa haver redução dos recursos previstos para a obra de interligação das bacias.
Com tantas interrupções, ainda é possível se falar em inauguração de parte da obra até o fim do mandado do presidente Lula, em 2010?
Claro. Sem dúvida. O Eixo Leste nós entregaremos ainda em 2010, no Governo do presidente Lula. E vamos deixar o Eixo Norte de tal forma avançado, que a sua possibilidade de conclusão por quem venha a suceder o presidente Lula seja uma exigência da própria sociedade.
Em que estágio ficariam essas obras do Eixo Norte, para tornar a obra irreversível, independentemente do próximo governo?
Irreversibilidade é avançar na obra o máximo possível, e fazer com que a obra funcione. Daí é fazer com que a sociedade exija, seja qual for o governo, que leve adiante e conclua a parte final, depois do mandato do presidente Lula.
No caso do Ceará, que será atendido pelo Eixo Norte, significa que até 2010 não teremos água da transposição?
Estamos trabalhando para que a água chegue a todos os Estados o mais rápido possível. O Eixo Norte não vai ser concluído na sua inteireza, mas será feito parcialmente. Até lá, vai entrar água no Ceará, para ajudá-lo no seu desenvolvimento.
É possível se falar em data?
Não tenho a data ainda. Infelizmente, eu não teria uma data para lhe dá, com segurança, essa resposta.
A entrada do Exército, nessa parte inicial das obras, foi uma estratégia para tentar minimizar a anunciada polêmica jurídica sobre a transposição?
Já estava previsto. O Batalhão de Engenharia do Exército tem uma larga tradição e experiência em obras públicas. Agora mesmo, eles estão executando a recuperação da BR-101. Além disso, optamos pelo Exército porque nós temos a noção de que aquela área é de perigo extremo. Afinal de contas, é sempre bom lembrar que ali se encontra um trecho do polígono da maconha, muito violento.
A greve do bispo dom Luiz Cappio nacionalizou a discussão sobre o projeto. Como o Ministério da Integração, e o senhor, em particular, encararam as críticas e como o senhor lida com as contradições apontadas?
Reagimos com muita naturalidade. O bispo tem a posição dele, de não querer que a obra seja levada adiante. E nós temos a posição do presidente da República, que é de priorizar o projeto. Eu sou um homem do parlamento, do contraditório, não tenho nenhuma dificuldade com o debate e a troca de idéias. Qualquer idéia contra, para discutir, será muito bem vinda, se for para aprimorar o projeto. Não podemos é aceitar a postura de ''ou faz do jeito que eu quero ou eu vou fazer isso ou aquilo outro''. Isso está superado na democracia brasileira.
O senhor, como católico, chegou a se abalar, pessoalmente, já que a greve de fome estava sendo feita por um bispo?
De forma nenhuma. Sou católico? Sou. Mas eu não vi nenhuma unidade na posição da minha igreja em relação a esse assunto e nem eu acho que seja assunto da Igreja. O bispo tem suas posições ideológicas definidas. Num país democrático, ele tem todo o direito de manifestar suas posições. Como foi um debate honesto, houve coisas que incorporamos, e outras que não. Mas eu não senti nenhum tipo de incômodo.
Como o senhor avalia a iniciativa do bispo?
Não tenho que avaliar uma postura pessoal dele. Eu discordo dentro de um contexto político, onde houve posições discordantes. Não tivemos nenhum momento de denúncia grave. Não há nada que justifique e não é válido para a democracia alguém chegar, mesmo que seja um bispo, e dizer que se não for do jeito dele, vai morrer e o culpado seremos nós. Mas isso foi superado. Eu acho que isso não está mais na pauta. Vamos agora discutir a obra e levá-la adiante. Mas quem for contra a obra, para melhorá-la, nós estamos abertos para debater, em qualquer hora, em qualquer momento.
Uma das críticas mais recorrentes ao projeto de transposição é a de que a maior parte da água irá para o agronegócio, em detrimento do consumo humano. O que será, de fato, prioridade?
A transposição tem como finalidade precípua o consumo humano e animal, mas nós temos de acabar com esse tipo de preconceito de que a obra não pode servir também para estimular a produção da agroindústria e a agricultura familiar. Afinal de contas, meu caro, as pessoas convivem sem beber água, mas não vivem só de beber água. Também vivem de produção, de esperança e da expectativa de que seus filhos e netos vão ter emprego e renda. Além de ser um projeto de segurança hídrica, a transposição é também um projeto integrado de desenvolvimento. O projeto tem a sensibilidade para levar água para quem precisa de água e dar condições para que as pessoas façam seus investimentos. Eu não tenho nenhum tipo de preconceito em relação ao investimento para o agronegócio, desde que ele gere emprego, que beneficie quem está precisando e que dê melhores condições de vida para suas famílias.
Como o senhor viu a carta da atriz Letícia Sabatella ao ex-ministro da Integração Ciro Gomes, chamando o projeto de ''modelo de desenvolvimento neocolonial''?
Não vi polêmica nenhuma. O ministro Ciro Gomes escreveu uma carta aberta com muita competência, respaldado em dados técnicos, e expôs uma posição que fortalece o projeto e com a qual eu concordo em muitos aspectos. Ela respondeu, a meu ver, numa linguagem, usando o princípio de quem é contra a obra, muito mais panfletária do que respaldada em dados reais. Estamos num país em que quem tem legitimidade para governar, governa. É o que estamos fazendo, respaldados na legitimidade que foi dada pela maioria dos eleitores.
No Ceará, a poucos quilômetros da principal obra hídrica do Estado, o Castanhão, famílias vivem em insegurança hídrica. Como a transposição pretende mudar essa realidade?
Isso é um problema do Governo do Estado, que terá de distribuir melhor a água armazenada. O que o Ministério vai fazer, através da obra de transposição, é com que o Castanhão tenha água independentemente dos fenômenos do ponto de vista hídrico que possam ocorrer. O Castanhão já vai ter água garantida. Aliás, você sabe que é através dos recursos do Ministério da Integração Nacional que as obras do Castanhão estão sendo viabilizadas. A distribuição, e eu sei que o governador Cid Gomes tem essa preocupação, será feita em parceria com o Governo Federal, através de rede de adutoras, que dê o mais amplo acesso possível aqueles que precisam da água de beber e produzir.
O senhor já foi publicamente contra o projeto e hoje é um dos que mais o defende. Parafraseando o presidente Lula, como se deu essa metamorfose ambulante?
Não teve metamorfose ambulante não. Quem teve metamorfose foi o projeto. Eu não mudei. Quem mudou foi o projeto. Vou lhe dar dois exemplos. O projeto não falava em revitalização do rio São Francisco e citava a captação de 300 metros cúbicos por segundo de água. Esse projeto passou por uma ampla adaptação, incorporando o programa de revitalização e redimensionou a quantidade de água a ser captada. Rui Barbosa (jurista e político baiano, 1849-1923) meu conterrâneo mais ilustre, já dizia: 'até as pedras mudam'.
Foi um projeto concebido com imperfeições, então.
Um projeto dessa magnitude está evoluindo. Ele é fruto do debate, dos choques de opiniões e do contraditório, das pessoas que têm visões diferentes. O projeto está se aprimorando, e à medida em que o projeto está se aprimorando, ele vai trazendo para ele pessoas que pensavam diferentes. Foi isso o que aconteceu e está acontecendo.
Nessa mudança de visão sobre o projeto, o senhor se sentiu pressionado pela opinião pública baiana, onde está sua base eleitoral?
Como homem público, eu estou sujeito a isso. O homem público tem de ter a coragem de não estar apenas onde o conforto lhe coloca, mas onde a responsabilidade lhe obriga estar. Não sou um homem para estar apenas nos locais que me convierem.
Se a obra foi retomada, significa que o Governo está ganhando o debate interno no Nordeste, sobre a obra?
É um debate que estamos levando com muita tranqüilidade, com muita serenidade. Não somos pessoas panfletárias nem com posições sectárias. Estamos trabalhando para construir, cada dia mais, uma maioria em torno dessa idéia. Às vezes ao Governo são feitos questionamentos, como se o objetivo do Governo fosse ser unânime. Em governo não existe isso de ser unânime. O objetivo dos governos é construir maioria em torno de idéias, como acontece no Governo Lula.
O Governo perdeu a batalha da CPMF no Senado, com o fogo amigo do PMDB, partido do senhor, que deu três votos contra. O senhor sentiu-se pressionado com o resultado?
Eu não me sinto pressionado por absolutamente nada. Eu trabalhei, fiz o que pude, conversei com todos os nossos senadores, e mostrei para eles a responsabilidade que todos tinham em relação à CPMF. Mas é para isso que existe o Congresso Nacional. Para analisar as matérias e decidir, de acordo com a maioria. Agora, cabe ao Governo, com serenidade e tranqüilidade, como está fazendo, buscar alternativas que não permitam, respeitando a soberania do Congresso Nacional, penalizar a sociedade brasileira em termos de investimentos. E é isso que nós vamos fazer.
O PMDB, partido do senhor, sente-se contemplado com o tamanho da participação que tem no governo Lula?
Eu não discuto essa questão sob a ótica se o PMDB está contemplado ou não. Nós discutimos sob a ótica de que o PMDB quer contribuir para o Governo do presidente Lula, para, eventualmente, ajudar o Brasil a encontrar o rumo do desenvolvimento, com investimentos claros, dos avanços que o Brasil precisa no campo social, da produção e do emprego. Eu não sou do tipo que fica discutindo espaço A ou o espaço B nem tamanho de espaço. O PMDB tem seus quadros e quer contribuir, tanto no Congresso, quanto na administração. Mas a definição de espaços dentro do Governo é prerrogativa do presidente da República.
NÚMEROS
2,7 mil km
É a extensão do rio São Francisco
622 km
É o tamanho dos canais Norte e Leste
12 milhões
De nordestinos serão beneficiados com a obra
4,4 milhões
De cearenses serão alcançados
4,5 bilhões
De reais é o preço estimado da obra
1,274 bilhão
É o que deve ser gasto com a revitalização do rio, até 2010.
2010
É a previsão de conclusão do Eixo Leste
26,4 metros
Cúbicos por segundo serão retirados do rio
Fonte: O Povo