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Bento 16, o primaz que volta para trás

Desde que é papa, Ratzinger cancelou o diálogo ecumênico no seio do cristianismo, negou qualquer tipo de espiritualidade ao Islã e fez a Igreja recuar em temas como casamento e homossexualismo. São decisões que representam um passo atrás com respeito a

Há alguns dias, Joseph Ratzinger celebrou missa na Capela Sistina voltado de costas para os fiéis, em uma liturgia que o Vaticano II substituiu pela celebração face-a-face, para que não fosse um diálogo entre o sacerdote e Deus, com os fiéis às suas costas, mas uma celebração comum. Agora volta-se atrás. Desde que é papa, Ratzinger tem se aproximado dos lefebvrianos (1), cancelou o diálogo ecumênico no próprio seio do cristianismo, negou (com seu nada casual lapso de Ratisbona) qualquer tipo de espiritualidade ao Islã, cortou em seco o avanço de um sacerdócio feminino, confirmou a obrigação do celibato para os sacerdotes, negou o sacramento aos divorciados que voltam a casar, lançou nas trevas os homossexuais, condenou não só o aborto e a eutanásia, mas também qualquer forma de fecundação assistida, proibiu a pesquisa com embriões e intervém cotidianamente, diretamente ou através dos bispos, nas políticas do Estado italiano. Falta pouco para que voltemos ao Syllabus (2).


 


São decisões meditadas que representam um passo atrás com respeito ao Concílio Vaticano II, que abriu os braços à toda a comunidade cristã e, mais do que isso, ao ''povo de Deus'' em toda a sua amplitude, que estava formado pelo clero mais ilustrado e, também, por leigos. Em resumo, igual que Cristo a igreja voltava a descer para ficar entre as pessoas e não saía, obrigatoriamente, com ele na cruz.



Foi João 23 (um papa que não fazia alarde de grandes méritos teológicos) a quem coube o mérito de olhar com generosidade a crise do catolicismo moderno e voltar a estender as pontes. E, com isso, sobreveio um grande fervor, a crise pareceu, durante os anos 1960, diluir-se por um tempo. Agora a gangrena volta, basta ler as informações alarmadas de Filippo Gentiloni sobre o lugar que hoje ocupa a prática do catolicismo entre os italianos e a crise de vocações derivada disso.



E é com esse papa que a totalidade da classe política italiana (da direita e da esquerda, com a única exceção dos radicais) dialoga e fecha acordos, cedendo um pouco mais a cada dia. Começou com Luigi Berlinguer eludindo a proibição constitucional e financiando escolas confessionais, mas se bem aquilo foi uma concessão, pelo menos não era a aceitação de uma interferência perpétua, que foi se acentuando com Karol Woityla, ali onde as opções políticas deixavam abandonado o terreno da consciência, como se ela fosse um domínio reservado da religião (especificamente a católica, bem entendido) e não existisse uma consciência leiga ou ela fosse inferior.


 


E foi assim que João Paulo 2º foi convidado a fazer uma visita a essa sede eminentemente política que é o Parlamento (algo que sequer teria passado pela cabeça de Alcide Gasperi) (3) e, hoje, Walter Veltroni acha que, sendo Roma a sede do sólio pontifício, não é apropriado celebrar nessa capital uniões civis entre pessoas do mesmo sexo… e vamos esperar que ele não ache, também, que é mal-educado continuar celebrando as outras, entre sexos diferentes, porém mal- educadamente civis.


 


E a Universidade local esquece que nos ateneus nenhuma autoridade estranha tinha colocado jamais os pés, nem sequer a ocupação alemã, e convida Ratzinger (que, sabiamente, declinou) não sei se para prodigalizar palavras ou benções. Alguém chegou, inclusive, a afirmar que seria um teólogo sublime o autor das duas modestas encíclicas sobre caridade (o amor depurado de qualquer traço de eros) e esperança (na salvação) e de um livro sobre Cristo que não causou nenhum assombro.



Que a direita do Vaticano deseje a reconquista do Estado é compreensível. Que o Estado escancare para ela suas portas, não. Eu convidaria Veltroni e a constituinte do PD (Partido Democrático) a que relessem o debate de 1905 sobre separação entre Estado e igreja, no qual Jaurès argumentava que essa seria a única garantia de liberdade tanto para um quanto para a outra. Ou será que em uma democracia pós-moderna, pós-comunista e reformista é maior a tendência a buscar inspiração no Opus Dei da senhora Binetti?



Notas de tradução


 


(1) Grupo de católicos integralistas ou de extrema direita que se opuseram à diretrizes do Concílio Vaticano II e seguiram o bispo reacionário monsenhor Lefebvre, heresiarca que encabeçou a contestação e criou uma nova igreja.


(2) Encíclica publicada em 1864 por Pio IX na qual se condenam os princípios  fundamentais da modernidade: liberdade religiosa, separação entre igreja e Estado, democracia, etc.


(3) Alcide de Gasperi, 1881, 1954. Fundador da Democracia Cristã italiana e da Internacional Democrata Cristã. Proveniente do Partido Popular, fundado por Dom Sturzo, pertencia à minoria católica sinceramente comprometida com a democracia. Foi encarcerado por Mussolini durante quatro anos. No fim da Segunda Guerra Mundial, fundou, como já foi dito, a Democracia Cristã italiana, partido que dirigiu e no qual, contudo, novamente fez parte de uma minoria: a dos democratas ou pessoas não comprometidas com o regime fascista, uma vez que esse partido passou a ser a cobertura sob a qual os fascistas e membros da Máfia se reciclaram; eles que, embora enfrentados com o fascismo, não se pode dizer que fossem democratas. Como estadista desempenhou os cargos de primeiro ministro e ministro de assuntos exteriores da Itália.



* Rossana Rossanda é escritora e analista política italiana, co-fundadora do jornal comunista italiano Il Manifesto.



Tradução ao espanhol: Joaquín Miras
Tradução ao português: Naila Freitas/Verso Tradutores



Fonte: Agência Carta Maior