História: os 24 anos do MST na luta pela reforma agrária
No dia 14 de janeiro de 1984, nascia uma entidade que se tornaria das mais ativas, respeitadas e progressistas no Brasil. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra foi construído para romper um histórico de dominação da terra – nasceu para promover a
Publicado 25/01/2008 20:39
Em 24 anos, completados na quinta-feira (24), traçou uma história que merece ser contada. É o que fez, em síntese e verso, o sem-terra Pedro Francisco Bagatin, que atua em Cascavel, no Paraná – mesma cidade onde foi fundado o movimento. “O MST trouxe esperança / Auto-estima para as famílias”, registra Bagatin em MST 24 Anos (leia ao lado o poema na íntegra).
Para falar sobre a trajetória do MST é preciso falar da história da concentração fundiária que marca o Brasil desde 1500. Por conta disso, aconteceram diversas formas de resistência como os quilombos, Canudos, as Ligas Camponesas, as lutas de Trombas e Formoso, a Guerrilha do Araguaia, entre muitas outras.
Em 1961, após a renúncia do presidente Jânio Quadros, quem assumiu o cargo foi João Goulart, o Jango, com a proposta de mobilizar as massas trabalhadoras em torno das reformas de base – que alterariam as relações econômicas e sociais no país. Viveu-se, então, um clima de efervescência, principalmente sobre a reforma agrária.
Com o golpe militar de 1964, as lutas populares sofrem violenta repressão. Nesse mesmo ano, o presidente-marechal Castelo Branco decretou a primeira Lei de Reforma Agrária no Brasil: o Estatuto da Terra. Elaborado com uma visão progressista com a proposta de mexer na estrutura fundiária do país, ele jamais foi implantado e se configurou como um instrumento estratégico para controlar as lutas sociais e desarticular os conflitos por terra.
As poucas desapropriações serviram apenas para diminuir os conflitos ou realizar projetos de colonização, principalmente na região amazônica. De 1965 a 1981, foram realizadas oito desapropriações, em média, por ano, apesar de terem ocorrido pelo menos 70 conflitos por terra anualmente.
Nos anos da ditadura, apesar de as organizações que representavam os trabalhadores rurais serem perseguidas, a luta pela terra continuou crescendo. Foi quando começaram a ser organizadas as primeiras ocupações de terra – não como um movimento organizado, mas sob influência principal da ala progressista da Igreja Católica, que resistia à ditadura. Foi esse o contexto que levou ao surgimento da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 1975.
No período, o Brasil vivia uma conjuntura de extremas lutas pela abertura política, pelo fim da ditadura e de mobilizações operárias nas cidades. A propagação das lutas populares, numa conjuntura marcada pelo desemprego no campo e nas cidades, estimulou a retomada das organizações de luta pela terra. Esse processo veio na esteira do legado deixado pelas Ligas Camponesas.
Surge o MST
Foi nesse contexto que, entre os dias 20 e 24 de janeiro de 1984, nas dependências do Seminário Diocesano, em Cascavel, Paraná, ocorreu o 1º Encontro Nacional dos Sem-Terra. Doze estados marcaram presença – Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo, Bahia, Pará, Goiás, Rondônia, Acre e Roraima.
O encontro também registrava a participação de representantes da Abra (Associação Brasileira de Reforma Agrária), da CUT (Central Única dos Trabalhadores), do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) e da Pastoral Operária de São Paulo. A participação dessas entidades representou a união de intelectuais, operários, indígenas e trabalhadores rurais em torno de um movimento em defesa dos camponeses sem terra.
As deliberações tomadas no encontro foram um marco. Além de apresentar as principais lutas desenvolvidas pelos sem-terra e as políticas dos governos locais e federal acerca da questão agrária, os trabalhadores reafirmaram a necessidade da ocupação como uma ferramenta legítima dostrabalhadores rurais.
Ao final, foi lida a mensagem de dom José Gomes, bispo de Chapecó e presidente da CPT (Comissão Pastoral da Terra). O texto manifestava efusivo apoio à fundação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Uma vez fundada a entidade, começou-se então a pensar um movimento com preocupação orgânica, com objetivos e linha política definidos.
Em 1985, em meio ao clima da campanha “Diretas Já”, o MST realizou seu primeiro Congresso Nacional, em Curitiba, no Paraná, cuja palavra de ordem era: “Ocupação é a única solução”. Neste mesmo ano, o governo de José Sarney aprova o Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), que tinha por objetivo dar aplicação rápida ao Estatuto da Terra e viabilizar a reforma agrária até o fim do mandato do presidente, assentando 1,4 milhão de famílias.
Mais uma vez a proposta de reforma agrária ficou apenas no papel. O governo Sarney, modificado com os interesses do latifúndio, ao final de um mandato de 5 anos, assentou menos de 90 mil famílias sem-terra. Ou seja, apenas 6% das metas estabelecidas no PNRA foi cumprida por aquele governo.
Enfrentando UDR, Collor e FHC
Com a articulação para a Assembléia Constituinte, os ruralistas se organizam na criação da União Democrática Ruralista (UDR) e atuam em três frentes: o braço armado – incentivando a violência no campo -, a bancada ruralista no parlamento e a mídia como aliada. Os ruralistas conseguiram impor emendas na Constituição de 1988 ainda mais conservadoras que o Estatuto da Terra.
Porém, nessa Constituição os movimentos sociais tiveram uma importante conquista no que se refere ao direito à terra: os artigos 184 e 186. Eles fazem referência à função social da terra e determinam que, quando ela for violada, a terra seja desapropriada para fins de reforma agrária. Esse foi também um período em que o MST reafirmou sua autonomia, definiu seus símbolos, bandeira, hino. Assim foram se estruturaram os diversos setores dentro do movimento.
A eleição de Fernando Collor de Melo para a presidência da República em 1989 representou um retrocesso na luta pela terra, já que ele era declaradamente contra a reforma agrária e tinha ruralistas como seus aliados de governo. Foram tempos de repressão contra os sem-terra, despejos violentos, assassinatos e prisões arbitrárias.
Em 1990, ocorreu em Brasília o 2º Congresso do MST, que continuou debatendo a organização interna, as ocupações e, principalmente, a expansão do movimento em nível nacional. A palavra de ordem era: “Ocupar, resistir, produzir”. Já no ano de 1994, o tucano Fernando Henrique Cardoso venceu as eleições com um projeto de governo neoliberal, principalmente para o campo.
É o momento em que se prioriza novamente a agroexportação. Ou seja, em vez de incentivar a produção de alimentos, a política agrícola está voltada para atender os interesses do mercado internacional e para gerar os dólares necessários para pagar os juros da dívida externa.
No ano seguinte, o MST realizou seu 3º Congresso Nacional, em Brasília. Cresceu a consciência de que a reforma agrária é uma luta fundamental no campo – mas que, se não for disputada na cidade, nunca terá uma vitória efetiva. Por isso, a palavra de ordem foi “Reforma Agrária, uma luta de todos”.
Em 1997, o movimento organizou a histórica “Marcha Nacional Por Emprego, Justiça e Reforma Agrária” com destino a Brasília, com data de chegada em 17 abril. A data coincidiu com o aniversário de um ano do massacre de Eldorado do Carajás, em que 21 sem-terra foram brutamente assassinados pela polícia no Pará.
Lula e o povo no poder
Em agosto de 2000, o MST realiza seu 4º Congresso Nacional, em Brasília, cuja palavra de ordem foi “Por um Brasil sem latifúndio” e que orienta as ações do movimento até hoje. O país sofreu 8 anos com o modelo econômico neoliberal implementado pelo governo FHC, que provocou graves danos para quem vive no meio rural. Cresceu a pobreza, a desigualdade, o êxodo, a falta de trabalho e de terra.
A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, representou a vitória do povo brasileiro e a derrota das elites e de seu projeto. Mas, na opinião do MST, mesmo essa vitória eleitoral não foi suficiente para gerar mudanças significativas na estrutura fundiária e no modelo agrícola. De acordo com o movimento, é necessário promover, cada vez mais, as lutas sociais para garantir a construção de um modelo de agricultura que priorize a produção de alimentos e a distribuição de renda.
Hoje, ao completar 24 anos, o MST entende que seu papel como movimento social é continuar organizando os pobres do campo, conscientizando-os de seus direitos e mobilizando-os para que lutem por mudanças. Nos 24 estados em que o mvimento atua, a luta não é só pela reforma agrária -as pela construção de um projeto popular para o Brasil, baseado na justiça social, na soberania popular e na dignidade humana.
Da Redação, com informações do MST (www.mst.org.br)