Evaldo Lima – Quem são os heróis da nossa gente?
Os livros de História estão repletos de heróis: Imperadores, generais, empresários e outros iluminados. Personagens farsescos que reproduzem a historiografia tradicional de viés positivista e exclui grupos que não têm assegurado o direito à memória
Publicado 16/02/2008 15:25 | Editado 04/03/2020 16:36
NA MORADA, FORTALEZA
Os heróis correspondem a uma visão romântica e positivista de que apenas os representantes dos setores dominantes são sujeitos da História. Esquecem propositadamente daqueles que arrancam centelha de vida num mundo adverso.
Na coluna de hoje quero testemunhar uma história em sentido inverso, imersa no cotidiano da morada Fortaleza: A paixão e morte trágica do menino Luiz Cláudio, que não terá sua vida registrada nos livros da História Oficial.
Luiz Cláudio tinha apenas 14 anos. Seu sonho era ser pedreiro que nem o pai. Estudioso,elogiado pelas professoras da escola pública, tirava boas notas e estava aprendendo a tocar flauta. Menino pobre , morador da Leste Oeste, tinha poucas opções de lazer.
Numa quarta-feira de dezembro de 2007, Luiz aproveitou a pouca distância entre sua casa e a praia e foi jogar futebol com os amigos. Depois do jogo os meninos decidiram tomar um banho de mar para aliviar o calor.
Willame Sousa, 12 anos, conta a história com lágrima nos olhos. ''A gente brincava junto. Morava perto e ainda estudava junto. Era como se a gente fosse irmão. Uma diversão grande. E ninguém nunca fazia nada de errado. Mas a correnteza acabou carregando a gente”, diz, soluçando.
Willame relata que Luiz Cláudio se desesperou quando viu ele e outro amigo se afogando. “Ele me pegou e levou para uma pedra pra que eu ficasse salvo. Aí correu pra o primo dele, que também tava sendo puxado pelo mar. Conseguiu salvar a gente, mas quando voltou, sentiu uma câimbra e não conseguiu mais nadar. Aí a gente não pôde fazer nada.”
Luiz Cláudio salvou os amigos e acabou engolido pelo mar.
Para concluir, vale a reflexão sobre o poema de Brecht que desconstrói a História dos heróis tradicionais.
PERGUNTAS DE UM TRABALHADOR QUE LÊ (Bertold Brecht)
Quem construiu a Tebas de sete portas?
Nos livros estão nomes de reis.
Arrastaram eles os blocos de pedra?
E a Babilônia varias vezes destruída
Quem a reconstruiu tanta vezes?
Em que casas da Lima dourada moravam os construtores?
Para onde foram os pedreiros, na noite em que
a Muralha da China ficou pronta?
A grande Roma esta cheia de arcos do triunfo
Quem os ergueu?
Sobre quem triunfaram os Césares?
A decantada Bizâncio
Tinha somente palácios para os seus habitantes?
Mesmo na lendária Atlântida
Os que se afogavam gritaram por seus escravos
Na noite em que o mar a tragou.
O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Sozinho?
César bateu os gauleses.
Não levava sequer um cozinheiro?
Filipe da Espanha chorou, quando sua armada naufragou.
Ninguém mais chorou?
Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos.
Quem venceu além dele?
Cada página uma vitória.
Quem cozinhava o banquete?
A cada dez anos um grande Homem.
Quem pagava a conta?
Tantas histórias.
Tantas questões