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Medviedev: Um tecnocrata pragmático à sombra de Pútin

A eleição de Medviedev nas últimas eleições russas assemelhou-se à execução milimétrica de um roteiro elaborado por Vladimir Pútin. Não sendo previsíveis grandes alterações às últimas linhas mestras da política interna e externa russa, há alguma curios

Cumpriu-se o roteiro milimetricamente. Dimitri Medviedev recebe das mãos do seu mentor, Vladimir Pútin, as chaves do Kremlin e torna-se presidente do país mais extenso do mundo depois de vencer folgadamente as eleições de 2 de março.



Conseguiu-o com 70% dos votos, com um ponto menos do recorde conseguido por Pútin nas presidenciais de 2004, o que garante a este último o seu estatuto de arquiteto da nova Rússia adorado como ninguém até hoje pelo eleitorado.



Agradecido, as primeiras palavras de Medviedev após a vitória foram para confirmar que seguirá o seu caminho.



O novo presidente eleito forjou a sua carreira política à sombra de Pútin. Com uma diferença de idade de 13 anos, os dois estudaram na Faculdade de Direito da Universidade da cidade natal dos dois, São Petersburgo . E ambos tiveram como professor um ativista pro-ocidental que iria converter-se nos anos noventa no presidente da Câmara da cidade situada à beira do Neva, Anatoly Sobtchak.



Os dois foram por ele chamados para trabalhar na Câmara e fizeram-no com as suas respetivas bagagens (FSB) no caso de Pútin e o Direito — chegou a dar aulas na Universidade — no caso de Medviedev.



Este último, doutor em leis, fez parte de uma equipe de advogados que tinha como missão proteger a corrupta gestão municipal da época.



Medviedev salvou Pútin da fogueira quando foi acusado de má gestão de fundos e de tráfico de influências no seu cargo de presidente da comissão de Relações Exteriores na Câmara de São Petersburgo. E Pútin, não esquece, nem as afrontas nem os favores.



Consciente de que o poder se exerce em Moscou, Pútin deixa São Petersburgo já em meados dos anos noventa e penetra na capital russa sob a proteção do responsável da administração do Kremlin, Pavel Borodin.



Depois de fortalecer a sua posição em plena crise da “família” de Boris Iéltsin e ser nomeado primeiro-ministro em meados de 1999, Pútin chamou Medviedev e colocou-o no aparelho administrativo do Gabinete.



Quando a 31 de dezembro desse ano Pútin foi nomeado por um Iéltsin já em retirada na função de presidente, um dos primeiros decretos que o novo homem forte assinou foi a nomeação de Medviedev como chefe adjunto do Gabinete da Presidência. E Medviedev foi o diretor de campanha para as presidenciais extraordinárias que ratificaram Pútin.



Desde aí, o novo presidente eleito preside ao consórcio Gazprom, a maior empresa de gás do mundo e aríete do Kremlin nas suas relações tensas com os seus vizinhos. A candidatura de Medviedev conheceu um verdadeiro impulso quando foi nomeado em 2005 vice primeiro-ministro, por Pútin, que colocou sob sua responsabilidade aquilo a que chamou projetos nacionais: educação, saúde, demografia, agricultura e habitação.



A partir daí já figurava como delfim de Pútin juntamente com o outro vice primeiro-ministro, Sergei Ivanov, até que o último inquilino do Kremlin deu o remate final em dezembro do ano passado optando por ele para o suceder.



Todos os que conhecem Medviedev destacam o seu pragmatismo e não duvidam em apresentá-lo como um tecnocrata para quem os assuntos ideológicos são colocados em segundo plano.



Apresentado como pertencente à ala “liberal” em torno de Pútin diante dos silovitsi (oriundos, como este, dos serviços secretos) e perante um Ivanov apresentado como protetor dos setores mais ligados ao âmbito militar, tanto a sua eleição como o seu triunfo nas presidenciais de domingo último foi saudado com indissimulada esperança por parte dos governos ocidentais.



Muitos destacam que na sua juventude participou em movimentos “democráticos” e que apoiou, como seguidor do seu professor Sobtchak, a Perestroika de Gorbatchëv.



Juntam a isso a sua defesa do modelo econômico liberal e acham que Medviedev seria uma espécie de antítese de Pútin. Como se este último se tivesse destacado pela defesa de modelos de economia coletiva.



A verdade é que a sua imagem difere muito da de Pútin que cultivou sempre uma pose de fortaleza.



No entanto, quem conhece bem Medviedev assegura que, por detrás dessa aparência se esconde um político duro. “Apesar da sua personalidade conciliadora e tranqüila há aço dentro dele”, declara o representante permanente da Rússia na OTAN, Dimitri Rogozin.



Aguardando como se articula a bicefalia do poder na Rússia com Pútin como primeiro-ministro, não se esperam, para além da forma, grandes mudanças em assuntos internacionais.



O próprio Medviedev declarou há um mês no seu discurso de apresentação que a Rússia já não voltará a ser o “aluno aplicado” das potências ocidentais. “Não podemos obrigar ninguém a gostar da Rússia, mas não permitiremos que ninguém lhe faça mal”, advertiu.