Nomes poéticos e fáceis de guardar

Rua do Alto Bonito, Alameda das Borboletas, Rua do Fim, da Saudade, Boa Noite. Elas estão rareando, mas num giro pela saudade ou numa conversa com um taxista, dá para descobrir nomes diretos e poéticos que escaparam da mira dos vereadores.

Nome é  rua do Alto Bonito e não precisa dizer mais nada. Fica do outro lado da rua do Mirante, lá em cima do Morro Santa Teresinha. Dali se vê o horizonte no mar. Os cataventos gigantes da Praia Mansa ficam pertinho e na encosta do morro, a areia é prova do tempo em que tudo era duna. Os meninos aproveitam a sombra para consertar a rede de pesca. “Tem nome melhor não”, sorri Fabrício Souza, 16. Na vizinhança a sabedoria popular batizou as ruas com nomes que falam do lugar.


 


 


A avenida dos Jangadeiros é a maior do morro, que nasceu como reduto de pescadores e ainda hoje é endereço de muitos. Subindo, a poesia continua. Rua do Sol Nascente, Córrego das Flores, Areia Branca, Estrela do Mar… Nomes singelos, fáceis de guardar e carregados de sentido. “É a cidade tecida e construída pela relação dos sujeitos que nela habitam”, celebra o professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Tadeu Feitosa. Tem nome de gente também, mas é gente conhecida dos moradores.


 


 


“Aida Balaio foi uma professora daqui muito boa para a comunidade. O Chicó Bindá era pescador, um dos primeiros a chegar, desapareceu no mar”, vai explicando Manoel Wilton, 55, nascido e criado no morro. O troca-troca matou muitos nomes originais, nascidos espontaneamente, em outros pontos da cidade. “Pegam a rua do Lírio, do Sol Nascente e dão o nome de uma pessoa”, lamenta José Bispo Neto, operador de triagem e transbordo dos Correios. Mas ainda dá para descobrir ruas com nomes lúdicos na cidade como a rua do Fim, na Serrinha.


 


 


Ela é a última do bairro, faz divisa com o Dias Macedo. “É o fim da linha de ônibus, chegou aqui não tem jeito, acabou, é o fim”, diverte-se a moradora Verenice da Silva, 40. Ananias de Abreu, 74, chegou em 1941 e já encontrou a rua com esse nome. “Se mudassem ia ser como a (avenida) Paranjana, que todo mundo ainda chama de Dedé Brasil”, diz. Aos nomes que querem dizer àquilo que são, juntam-se nomes de pessoas que realmente tiveram a ver com a história do local.


 


 


O professor da Universidade de Fortaleza (Unifor), Eduardo Amaral, fez uma extensa pesquisa sobre o assunto e descobriu que na periferia muitas ruas levam o nome do primeiro morador e de figuras populares. “Tem nome de parteiras, de líderes comunitários. Não resta dúvida que nomes assim trazem um forte sentimento de identificação, mas isso fica mais entre os mais velhos. A cidade muda muito rápido e o nome se banaliza”, diz Eduardo. Chegam pessoas de outros lugares, nascem outras gerações e o nome perde significado.


 


 


A memória daqueles personagens da história da rua ou do bairro não sobrevive a três gerações. A dinâmica dos tempos pós-modernos também não ajuda a forjar novos nomes assim. “Hoje a ocupação urbana é muito rápida, não dá tempo de se criar uma história em torno daquele lugar. Temos que preservar o máximo que temos”, diz o deputado estadual Lula Morais (PCdoB). “Que botem nomes novos nos bairros de ruas que são letras ou números. Aquilo sim é um horror!”, sugere Eduardo. De preferência, com um nome que não seja da mãe do fulano de tal.


 


 


“Um caso interessante é o da avenida dos Expedicionários, que começa no cruzamento com a 13 de Maio e vai até o muro do Aeroporto, depois faz um contorno, passando pelo Montese, Itaoca até chegar na avenida Senador Carlos Jeireissati, próximo ao novo Aeroporto, e a partir daí reinicia seu trajeto até o Conjunto José Walter. Resumindo, são duas avenindas completamente distintas pois há uma significativa interrupção. Essa avenida merecia sim, ter o nome de um de seus trechos alterado, até por que o nome Expedicionários não representa algo significativo para a cidade de Fortaleza”.


 


 


O comerciante Vicente de Paula Souza comenta: “Se tenho um comércio numa rua que muda de nome, é como se tivesse realmente mudado meu ponto. Preciso de um aditivo na junta comercial, o que implica burocracia e custo, e tenho que mandar um inventário do estoque de mercadoria para a Secretaria da Fazenda do município. Depois o fiscal ainda tem que vir aprovar. Tudo isso sem sair do canto! Nisso os vereadores não pensam! Que pelo menos façam um projeto de lei acabando com essa 'burrocracia'”.


 


 


“Mas aquele antigo aldeamento da foz do rio Ceará não se extinguiu, passando a ser conhecido, através dos anos, como Vila Velha, tradição que infelizmente se perdeu. E não tem sido sempre assim? Não existe mais o Coqueirinho, porém o bairro Amadeu Furtado; não mais Marupiara, porém Demócrito Rocha; não mais Mata Galinha, porém Dias Macedo etc. Não que essas personalidades desmereçam a homenagem recebida, que deveriam ter sido prestadas em logradouros novos, sem sacrifício das antigas, apropriadas e belas denominações.” Trecho do livro “História abreviada de Fortaleza”, de Mozart Soriano Aderaldo, Imprensa Universitária da UFC, 1974


             


 


O deputado Lula Morais mora na rua Onix, no Papicu. A placa está lá, tudo certinho. Mas em 1982, um projeto de lei rebatizou a rua de Deputado Válter de Sá Cavalcante. Na vida dos moradores, nada mudou.
            


 


O Código de Obras e Posturas proíbe o uso de nomes de pessoas ainda vivas em qualquer tipo de logradouro. O vereador José do Carmo (PSL) fez uma emenda permitindo que a homenagem possa ser feita a pessoas vivas com mais de 100 anos. Assim pôde batizar de Valdemar Caracas, nome do fundador do Ferroviário Atlético Clube, um complexo esportivo de futebol no Bom Jardim. Vale abaixo-assinado, audiência pública, reunião com ata, tudo que comprove que a população foi consultada antes da mudança de nome. Exigência da nova Lei Orgânica, aprovada em junho de 2005.


 


 


Fonte: www.lulamorais.com.br