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Paraguai: novo acordo para Itaipu domina campanha eleitoral

Desde o fim de fevereiro, cartazes coloridos nas ruas do centro de Assunção convidam os paraguaios a participar de um referendo nacional em 20 de abril, no qual poderão votar a favor de seu país ou a favor do Brasil. O dia, na verdade, é o das eleições ge

Lugo faz da reivindicação por reajuste no preço pago pelo Brasil pela parcela pertencente ao Paraguai da energia de Itaipu seu mote de campanha. No entanto, seus dois adversários com chances reais de vitória, a governista Blanca Ovelar, do Partido Colorado, e o general da reserva Lino Oviedo, também incorporam o tema em seus discursos. Mostrar-se disposto a brigar com o Brasil por uma maior receita de Itaipu é um exercício político que rende votos e conta com elevado apoio popular no Paraguai.



A julgar pelo tom das campanhas, qualquer um dos três candidatos que seja eleito daqui a pouco mais de um mês pressionará – com mais ou menos empenho – Brasília a rever os preços pagos pela compra da parte pertencente ao vizinho da energia gerada pelo hidrelétrica binacional.



Lugo, no entanto é quem promete levar essa pressão a níveis mais altos. Avaliações ouvidas pelo Valor em Assunção dão conta que há uma expectativa de que, uma vez eleito, o ex-bispo católico ligado à Teologia da Libertação (e apoiado por movimentos populares de camponeses, indígenas, sindicatos e partidos de esquerda), deverá adotar uma retórica de confronto, encorajar manifestações de rua e recorrer a outros meios para pôr o Brasil “contra a parede”, ainda que para fazer jus à ansiedade do público interno.



O governo brasileiro rejeita rever os termos do contrato. “O tratado é um ato juridicamente perfeito. O Brasil é sensível a demandas específicas, mas não a mudanças de preços, o que implicaria mudanças no tratado”, disse o Itamaraty, por meio de sua assessoria de imprensa.



Diferenças em relação à Bolívia


 


Cada país tem direito a 50% da energia gerada, mas o Brasil usa 95% do total. E pelo fato de a usina ser um empreendimento binacional, o Paraguai não poderia, como fez a Bolívia em 2006 com suas reservas de gás, nacionalizar Itaipu. Restaria a pressão dos argumentos. Ainda assim, o discurso inflamado pré-eleitoral promete manter aceso um foco de polêmica e desgaste na relação com o Brasil.



O próprio Lugo disse que considera a possibilidade de levar a uma instância internacional seu pleito contra o Brasil por preços mais elevados e “justos” (termo usado na Ata Final que antecedeu o Tratado de Itaipu de 1973), caso as tentativas diplomáticas não prosperem. Lugo costuma lembrar o caso da Bolívia quando usa a expressão “soberania energética”. E recorda que, nos dois casos (Paraguai e Bolívia), a disputa foi e é com o Brasil.



No início do mês, o candidato deu uma amostra de sua retórica num seminário intitulado “Protagonismo Popular, Soberania e Integração” promovido por sua campanha no Crowne Plaza Hotel, no centro da capital paraguaia – onde um grande cartaz sobre o “referendo” decorava o corredor acarpetado do primeiro andar diante do salão sede do encontro.



“Acordo sem a vontade popular [como o de Itaipu, assinado por governos militares] carece de sentido para nós”, disse ele na abertura do evento, ao lado, significativamente, de dois brasileiros: o secretário de relações internacionais do PT, Walter Pomar, à sua direita, e o secretário-executivo do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (Clascso), Emir Sader, à sua esquerda. “Hoje se fala em recuperação da soberania energética. Não vamos descansar enquanto essa grande dívida com o povo paraguaio não se realize.”



Cifras bilionárias


 


Lugo diz que há estudos que falam que a venda da energia poderia render US$ 1 bilhão ou até US$ 1,8 bilhão ao Paraguai. E que o país recebe algo em torno de US$ 230 milhões em royalties e por cessão de energia.


 


Ovelar, que nas últimas pesquisas disputa o segundo lugar, aparentemente não quer deixar Lugo se apresentar como o único porta-voz de um tema que tanto mobiliza o eleitorado, como é o caso das reivindicações sobre Itaipu. Assim, ela também diz que procurará o governo e parlamentares brasileiros para conseguir preços mais elevados. Mas (e é isso que reduz as expectativas em relação a suas ameaças) só depois de constituir uma comissão de especialistas que aponte se há ou não base legal para cobrar mais pela energia vendida ao Brasil.



A idéia da comissão parece ter grandes chances de fazer água, pois fatalmente tocaria numa questão incômoda aos colorados: para aonde foram os recursos obtidos com a venda de energia durante os últimos governos, quando nem sequer mais e melhores de linhas de transmissão foram construídas? O Paraguai atravessa a sui generis situação de ser o país com uma das maiores relações de watts produzidos por habitante ao mesmo tempo que está ameaçado por uma crise energética no curto prazo. Muitas vezes falta luz em Assunção. O mesmo ocorre em Ciudad del Este, que está praticamente às margens de Itaipu. O país tem grande dependência de gás de cozinha, diesel e outros combustíveis mais caros que a energia hidrelétrica – caso esta chegasse a mais lares e empresas. A menos que Ovelar esteja querendo fazer uma auto-crítica pública do Partido Colorado questionando os governos por não terem conseguido melhorar a situação energética paraguaia com a verba de Itaipu, parece improvável que a comissão vá mesmo para frente.


 


Dentre os três candidatos com chances de vitória, Oviedo (que oscila entre segundo e terceiro lugares) é o menos incisivo em relação à usina. Apoiado – moralmente, como diz – por empresários e políticos brasileiros, o general aposentado diz que pretende discutir uma revisão do Tratado de Itaipu, mas que sua prioridade no tema energético é atrair construtoras do Brasil e recursos do BNDES para tirar do papel a usina hidrelétrica de Corpus (um projeto binacional paraguaio-argentino que não avançou). Oviedo tem planos grandiosos, fala em integração hidrelétrica das usinas de Itaipu, Yacyretá e Corpus e põe num horizonte longínquo o tema de Itaipu.



A pouco mais de um mês da eleição e apesar da liderança de Lugo, a disputa paraguaia ainda está embolada, dizem analistas. Mas, aparentemente, quem quer que for eleito terá de dar vazão às queixas de setores da opinião pública sobre Itaipu. Um dos principais jornais do país, o “ABC Color”, defensor de uma revisão do tratado, publicou em 1º de março um editorial em toda a primeira página com o título “Paraguai não é 'sócio' do Brasil, mas sim seu escravo”. Em uma passeata em Assunção há alguns dias, integrantes Partido Liberal – segunda maior legenda do país, que tem o vice de Lugo – cobrou na rua a revisão do tratado.



Fonte: Valor Econômico



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