A escola como coadjuvante no combate à violência doméstica

Professores e escolas têm papel fundamental na identificação precoce, defesa e proteção das crianças e adolescentes da violência praticada dentro de casa.

A adolescente de 16 anos, aluna do 7º ano de uma escola pública municipal de Fortaleza, passou a correr gritando pelo pátio da instituição, invadindo as salas de aula e dos professores, quebrando móveis e objetos e agredindo as pessoas. Ela foi procurada pela professora Euzimar Neves. “Ela me confessou que era abusada sexualmente pelo padrasto desde os seis anos de idade. E também disse que tem medo que ele esteja fazendo o mesmo com o irmão de três anos (filho do padrasto), visto que faz questão de ficar muito tempo com o menino no colo”.


 


 


Euzimar, então concluinte do curso “Escola que Protege”, oferecido pela Secretaria Municipal de Educação de Fortaleza (SME), em parceria com o Ministério da Educação (MEC), agiu rápido. “Encaminhei o caso para a direção da escola, que por sua vez procurou a mãe e, juntos, eles notificaram o Conselho Tutelar. No colégio, solicitei que ela fosse incluída em um projeto de artes para dançar, pintar, atuar. Ela disse que tinha medo de ficar em casa, visto que o padrasto está desempregado, ainda não foi afastado do lar, e a mãe passa o dia trabalhando”.


 


 


Segundo Verônica Benevides, coordenadora do “Escola que Protege” na SME, o curso trabalhou temáticas como família, escola, identidade, desenvolvimento infantil, características da adolescência, formas e manifestações da violência na família e na escola, ética e realidade social, Estatuto da Criança e do Adolescente e maneiras de enfrentamento da drogadição. O projeto prevê levar esses conhecimentos para prevenir e enfrentar a violência ocorrida em casa e nas escolas e foi finalizado com fóruns entre estudantes, pais e professores.


 


 


Cerca de 300 educadores da rede municipal de ensino de Fortaleza freqüentaram as aulas. “A função da escola é a prevenção. O curso teve a função de informar esses professores para que eles criassem um olhar sensível sobre a problemática, para aprender a identificar as múltiplas formas de violência e notificar o Conselho Tutelar”, enfatiza Verônica Benevides.


 


 


De acordo com Verônica, para 2008 está previsto a implantação da ficha padrão de notificação e a criação das comissões de prevenção à violência dentro das escolas municipais de Fortaleza.


 


 


“O curso mudou minha visão. À época da denúncia, minha família dizia: 'não se mete nisso'. Mas, a criança e o adolescente agredidos devem ser mais importantes que o medo de se envolver com a justiça”, finaliza Euzimar. “O professor tem medo de represálias, mas eu defendo que a denúncia seja institucional, não personalizada. Infelizmente, a escola tem uma dimensão de despreparo e outra de temor”, avalia Andréa Filgueiras Cordeiro, psicóloga do Núcleo Cearense de Estudos e Pesquisas sobre a Criança (Nucepec) e professora da Universidade Federal do Ceará.


 


 


A UFC está responsável pela expansão do projeto, através da qual já capacitou 137 profissionais da educação da rede pública municipal – para 2008 está prevista a capacitação de 700 educadores, entre educadores sociais e conselheiros tutelares. “É preciso capacitar toda comunidade escolar: porteiros, merendeiras, administradores, pois qualquer um pode perceber os sinais e tomar as medidas cabíveis”, avalia Dolores Mota, coordenadora do “Escola que Protege” na UFC e do Nucepec.


 


 


Saiba mais


 


 


– O encontro diário entre educandos e os profissionais da educação propicia, muitas vezes, o surgimento de uma relação de afetividade e confiança entre esses indivíduos. Essa relação pode favorecer a revelação de situações de violência vividas pela criança;


 


 


– A natureza das atividades escolares, principalmente nas primeiras séries do Ensino Fundamental, suscita ou permite o relato desses casos, como acontece nas chamadas “rodinhas”, realizadas no primeiro momento das aulas; no comentário de estórias ouvidas; por meio dos desenhos, da pintura, das brincadeiras realizadas e dos textos produzidos;


 


 


– A observação diária dos educandos pelo profissional da educação possibilita notar alterações de comportamento no humor, no seu desenvolvimento cognitivo e, também, a presença de lesões físicas;


 


 


– Segundo estudos realizados pelo Laboratório de Estudos da Criança – Lacri (USP), existe uma correlação entre violência doméstica e fracasso escolar. As situações vividas pela criança levam à agressividade, baixo desempenho, indisciplina, falta de concentração e falta de motivação, que, fatalmente, levam ao desinteresse pela aprendizagem e ao fracasso.


 


 


Fonte: o Povo