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Expectativas de mudanças mobilizam Paraguai

Desde as 7 horas da manhã deste domingo (20), até as 4 da tarde, 2.861.940 eleitores paraguaios elegerão o novo presidente da Republica, 45 senadores, 80 deputados, além de governadores, “consejales departamentales” (deputados estaduais), alem de 18 de

O ex-bispo do Departamento (Estado) de San Pedro, Fernando Lugo, 51 anos, liderou todas as pesquisas nas últimas semanas, na faixa de 35%, aproximadamente. Quem obtiver mais votos, leva, não há segundo turno.



Lugo se apresenta como candidato da Aliança Patriótica para as Mudanças (APC, na sigla em espanhol), uma amplíssima coalizão que vai da esquerda, como é o caso do Movimento Tekojojá – partido-base de sua candidatura – ao PLRA (Partido Liberal Radical Autentico), de centro-direita, que indicou o vice (Frederico Franco). O PLRA e o Partido Colorado são os dois partidos tradicionais do Paraguai. A heterogênea coalizão também é integrada pela Aliança Patriótica Socialista (APS), uma espécie de “frente dentro da frente” impulsionada pelo Partido Comunista Paraguaio em aliança com o forte movimento camponês paraguaio.



A candidatura de Lugo, identificada com a onda mudancista em ascenso na América Latina, é a esperança de mudanças que mobiliza amplos setores do povo paraguaio, no país e no exterior – ontem mesmo, vindo da Argentina, onde há uma enorme comunidade paraguaia, chegou o trem da esperança, com 600 eleitores de Lugo organizados pela APC.



Pelo Partido Colorado, também conhecido como ANR (Associação Nacional Republicana), lista 1, se apresenta Blanca Ovelar, 51 anos, ex-ministra de Educação do governo que finda, de Nicanor Duarte Frutos. Ex-jogadora de basquete, Blanca Ovelar representa um setor à esquerda no espectro político colorado, o chamado Movimento Progressista Colorado. Nas eleições internas no inicio do ano, Blanca derrotou a Luis Castiglioni, vice de Nicanor (que apoiava a Blanca), que é conhecido no Paraguai como representante dos interesses do imperialismo norte-americano no país. Representante da strossnista Vanguarda Colorada, ontem, Castiglioni encontrava-se num “retiro espiritual” num sitio da Opus Dei, da qual é militante ativo, nas cercanias de Assunção – ele não aderiu à candidatura de Blanca.



Por fim, apresenta-se Lino Oviedo, 65 anos, pelo Partido União Nacional de Cidadãos Éticos (Punace). Como general, participou do golpe que depôs o ditador Strossner em 1989 e abriu caminho para o retorno à democracia. Em 1996 foi acusado pelo então presidente Juan Carlos Wasmosy de articular um golpe de Estado, pelo que foi condenado a dez anos de prisão, numa manobra para impedi-lo então de candidatar-se à presidência pelos colorados. Exilado na Argentina e depois no Brasil, retornou em 2004 ao país diretamente para uma prisão militar de onde saiu no final de 2007 graças a um indulto da Corte Suprema, numa nova manobra colorada, mas dessa vez com sentido distinto, para “dividir” a oposição.



Blanca Ovelar e Lino Oviedo se alternam no segundo e terceiro posto das pesquisas, na casa dos 25% das intenções de voto.



Cenários de Assunção



Logo na nossa chegada a Assunção, na tarde de sábado, pudemos sentir o clima efervescente, típico dos momentos que precedem os grandes acontecimentos. Lá estavam, além de uma delegação do Partido Comunista Paraguaio, que gentilmente foi nos receber, diversos outros militantes da Aliança Patriótica para as Mudanças (APC, na sigla em espanhol), inclusive o próprio candidato Fernando Lugo, que lá fora para receber pessoalmente uma delegação das “Madres da Plaza de Mayo”, liderada por sua dirigente histórica Hebe de Bonafi.



Estamos em Assunção como observador internacional das eleições, credenciados pelo Tribunal Superior de Justiça Eleitoral do Paraguai. Junto com outros observadores de partidos progressistas da América Latina – o Foro de São Paulo enviou ampla representação – e da OEA, percorremos sessões eleitorais no dia de hoje.



Há um clima de mudanças no ar. Na noite de ontem, quando jantávamos, apareceu na mesa um muito conhecido jornalista francês anunciado acesso a pesquisas internas que colocavam Lugo na casa dos 40% das intenções de voto contra 20% de Blanca e Oviedo. Como essas notícias, várias outras, boatos ou não, apareceram ao longo da tarde e noite que precedeu a votação.



Neste domingo, poucas horas depois de encerrar a votação se prevê (às 11 da noite, horário de Assunção), haverá a divulgação do resultado do “conteo rápido” (contagem rápida), um mecanismo chamado TREP (Transmissão de Resultados Eleitorais Preliminares), pelo qual as diversas sessões eleitorais enviam seus resultados via fax, de todo o país, permitindo quando se chegar a 92% das atas, divulgar o resultado de quem ganhou as eleições presidenciais.



Após 12 presidentes colorados – sendo um deles, o ditador Alfredo Strossner por 35 anos (1954-1989) e cinco após o fim da ditadura – há uma grande expectativa de que essa hegemonia possa chagar ao fim.



Há um grande medo de fraude, anunciada abertamente pela imprensa e comentada nas ruas. Muitos dizem que mesmo que percam os colorados não entregarão fácil o poder. A conferir.



Manipulações do império



No dia de ontem, muitos interlocutores com os quais conversamos observavam o risco de manipulação, pelo imperialismo norte-americano e pela direita paraguaia, da questão da Usina Hidrelétrica Binacional de Itaipu.



Dentre eles o jornalão ABC Color, que na edição deste domingo traz como título principal aquilo que tem sido uma obsessão desse órgão: “El Brasil explota al Paraguay em Assuncion”, seguida de um dossiê de oito paginas sobre o assunto. O jornal é o mesmo que quando de nossa anterior visita ao Paraguai, por ocasião de reunião do Foro de São Paulo, realizada dias antes da Cúpula semestral de chefes de Estado do Mercosul, em julho do ano passado, fazia uma histérica campanha para retirar o Paraguai do Mercosul e para assinar um Tratado de Livre Comercio com os Estados Unidos. A postura do ABC Color e outros comprova, como nos disse um camarada argentino, que a grande mídia tem se tornado a vanguarda das forças de direita na região – no Brasil e na Argentina não é diferente.



Aproveitando uma insatisfação histórica, que vem da distante guerra do Paraguai e mais recente, devido à enorme pobreza e mesmo indigência no país, há uma nítida manipulação da proposta de Fernando Lugo – que pleiteia ampliar em varias vezes os atuais repasses da Eletrobrás ao Paraguai para cessão da energia não-utilizada por este pais – com o claro sentido de meter uma cunha entre Brasil e Paraguai e entre Argentina e Paraguai – nesse caso, pelo Usina binacional de Yaceretá – com o objetivo de retirar esse país do Mercosul, torná-lo “quinta coluna” do imperialismo no sul da América do Sul – onde a influência estadunidense é cada vez mais rarefeita – e consolidar instrumentos de dominação do império como um TLC e a base militar de Mariscal Estigarribia.



O movimento das forças progressistas à frente dos governos sul-americanos deve buscar “contrarrestar” esse movimento com notórias digitais do império em aliança com os setores mais reacionários e atrasados da burguesia paraguaia.



É correta a postura do presidente Lula, que tem insistido na necessidade de o Brasil ajudar o Paraguai a se desenvolver. Uma primeira e positiva iniciativa é a decisão de financiar a reforma e expansão de linhas de transmissão de Itaipu para o interior do Paraguai, que geraria excedentes de energia, facilitando a atração de investimentos e a instalação de empresas no país. Hoje, naquilo que é um completo absurdo, o Paraguai utiliza uma parte ínfima da energia que lhe corresponde, sendo uma das razoes principais o fato de simplesmente haver dificuldades de transmitir essa mesma energia – as linhas de transmissão sao antigas e desperdiçadoras ou simplesmente inexistem.



É salutar o fato de que a direita não tem chance de ocupar a presidência paraguaia nas eleições de hoje. Mas com a vitória de Fernando Lugo, o Paraguai dará um enorme passo adiante, se inserindo na onda progressista na América do Sul e somando o país ao projeto de integração regional baseada no desenvolvimento econômico e social, com soberania e democracia – marcas de vários do governos atuais em nossa região.



* Ronaldo Carmona é da Comissão de Relações Internacionais do PCdoB.