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Lugo terá que negociar com diferentes alas para governar

Uma eventual vitória de Fernando Lugo nas eleições presidenciais do Paraguai, marcadas para este domingo, pode trazer mudanças nas relações com o Brasil caso a ala nacionalista da base do candidato ganhe espaço. A análise é do professor de relações intern

Candidato pela Aliança Patriótica para a Mudança, o ex-bispo da Igreja Católica conta com o apoio de movimentos sociais, partidos de esquerda, centro e do Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA), de direita, que tradicionalmente faz oposição ao governo.



Para o professor da Universidade Católica de Brasília (UCB) e autor do livro “Maldita Guerra”, sobre a Guerra do Paraguai (1864-1870), o Partido Liberal tem uma postura mais voltada à negociação, o que impediria um avanço da vertente mais radical. “A Aliança tem desde o Partido Liberal até partidos do socialismo. Se ele vencer, com certeza alguém vai ficar descontente. Mas suponho que ele dê mais atenção ao setor que dê mais governabilidade a ele, e o Partido Liberal é o segundo maior do país”, completa.



O peso das diferentes alas será importante em várias questões de interesse do Brasil. Uma delas é a usina de Itaipu. Lugo coloca com destaque em seu discurso a questão da rediscussão do preço pago pelo Brasil pela energia elétrica que o Paraguai não utiliza. Doratioto coloca em dúvida a força da reivindicação.



“É preciso ver até que ponto isso é discurso eleitoral ou verdade. Durante a campanha, é normal exagerar um pouco e lá (no Paraguai) é bom exagerar no nacionalismo, mostrando-se anti-Brasil ou anti-Argentina. E o setor xenófobo da base de Lugo seria especialista em energia”, afirma.



“Mas eu acredito que ele vai querer rever os preços porque as finanças públicas do país estão totalmente comprometidas, os cargos públicos estão ocupados por militantes (do Partido Colorado, há 60 anos no poder) e tem muita gente querendo contratação. Ele vai precisar de muito dinheiro para fazer o que está prometendo e implementar programas sociais.”



O difícil seria viabilizar a revisão do tratado, já que isso exigiria levar o caso ao Tribunal Internacional de Justiça. “O Tribunal de Haia decidir sobre preços seria uma novidade”, pondera. Sobre uma possível comparação com o problema que o governo brasileiro enfrentou com a Bolívia, na questão do gás, o professor separa os assuntos.



“O gás da Bolívia é da Bolívia. É diferente de Itaipu, que faz parte dos dois países, está na fronteira, e não pertence a nenhum dos dois países. Mas é preciso cuidado, porque o gás, se falta, há como contornar. Mas a energia, se faltar, compromete todo o parque industrial de São Paulo, por exemplo. O Brasil não pode tergiversar sobre isso.”



Doratioto também critica a forma como Itaipu é vista pelos políticos paraguaios. “Eles vêem como uma vaca leiteira, uma fonte de conseguir mais dinheiro. Não pensam em desenvolver a agroindústria, por exemplo, com essa energia barata. Se o Brasil não comprasse essa energia elétrica que o Paraguai não usa, metade das turbinas ficaria parada, porque não há linhas para levar a energia para o Paraguai e ajudar a desenvolver o país internamente.”



Reforma agrária



Outro ponto que merecerá atenção, em caso de vitória de Fernando Lugo, é a reforma agrária. O candidato fala em promover a reforma usando inclusive terras de brasileiros que vivem no país como grandes produtores de soja. “Seria um ato de soberania do governo, que não se poderia ir contra, mas representaria uma crise na exportação do Paraguai”, analisa o especialista.



Mais uma vez, os rumos de um eventual governo dependeriam da disputa de força entre as diferentes alas da base do candidato. “Existe um setor na base de Lugo que faz aquele discursão do Paraguai como vítima da exploração estrangeira e estimula a fazer política à custa das terras dos empresários. Mas há também o lado renovador, que defende a reforma sem atritos com outros países.”



Se vencer as eleições, o líder das pesquisas precisará de empenho para governar, na opinião de Doratioto. “No caso do Lugo, a máquina vai resistir, e ele vai querer jogar com outros atores para viabilizar suas propostas.”



Oviedo e Blanca



Outro candidato que aparece com chances de vitória é Lino Oviedo, ex-general acusado de tentativa de golpe, se exilou no Brasil durante quase quatro anos. Para o professor da UCB, Oviedo não teria problemas em um eventual governo, “por ter vínculos com o Partido Colorado”. “Ele diz que vai ser o embaixador verde-amarelo no Paraguai. E não tem mesmo lógica hostilizar seu maior parceiro comercial.”



A candidata da situação, Blanca Ovelar, é considerada por Doratioto “a mais previsível” entre os que têm chance de vencer as eleições à Presidência do Paraguai. E o Partido Colorado, há seis décadas no poder, não deve ser desprezado, alerta o professor.
 


“Eu não me surpreenderia com uma vitória dela, porque o Partido Colorado tem divisões internas, mas sempre se une às vésperas da eleição. O clima de 'já perdeu' é criado por quem quer mudança. Mas, em 98, tudo indicava que o Partido Liberal ia vencer e acabou perdendo. O Paraguai tem 6,8 milhões de habitantes e o Colorado tem 1,5 milhão de filiados. Se todos votarem, o partido já sai com esta base. Então, um pouco de cautela, não faz mal.”



Fonte: UOL