Livro destaca submissão da imprensa mineira diante do governo Aécio Neves

“Anatomia da Reportagem”, livro recém lançado por Frederico Vasconcelos, traça roteiro da boa reportagem. Com 4 décadas de experiência, o jornalista expõe engrenagens da profissão e aponta métodos de apuração. Como contra-exemplo, o destaque

Dois enganos sobrevivem em alguns redutos das Redações jornalísticas e das faculdades de jornalismo.


 


Nas Redações, ainda se encontra quem imagine que boa parte dos pesquisadores acadêmicos seja inepta para noticiar até o aparecimento de um buraco de rua. Nas universidades, persiste, embora decadente, a ilusão de que parcela expressiva das Redações é intelectualmente desqualificada para produzir conhecimento sobre a sua atividade -saber informar, mas não analisar como a informação é elaborada.


 


Assim como tantos professores dominam as técnicas jornalísticas, e não por acaso sua origem são as Redações, os “jornalistas da ativa” estão habilitados a transmitir seus métodos de trabalho e a refletir a respeito deles. É o que se reafirma em novo livro, “Anatomia da Reportagem – Como Investigar Empresas, Governos e Tribunais”, do repórter especial da Folha Frederico Vasconcelos.


 


O subtítulo não trai -trata-se mesmo, ou também, de um roteiro com lições a jornalistas, novatos ou não, e candidatos ao exercício do jornalismo.


Décadas de profissão
O repórter inventaria alguns dos seus mais relevantes “furos” em quatro décadas de profissão e instrui sobre a boa reportagem. Na seleção de 28 recomendações, ele ensina: “Se ficar comprovado o erro [de informação], o jornalista deve admitir o fato com naturalidade e honestidade e assumir sua responsabilidade”.


 


O mais comum, contudo, é o jornalismo recusar o reconhecimento dos tropeços que lhe apetece identificar nos outros.
Conselho: “Antes de iniciar uma investigação, esteja certo de que a publicação para a qual trabalha tem interesse no tema e disposição para enfrentar resistências e coibir pressões. Esse cuidado aparentemente óbvio evita frustrações, desentendimentos posteriores com chefias e constrangimentos que poderão ser evitados”.
Dois notáveis exemplos (ou contra-exemplos) constam do volume: as reconstituições dos bastidores de reportagens que esquadrinharam a administração Aécio Neves e descortinaram as suspeitas de enriquecimento ilícito de magistrados.
As coberturas, ambas de Vasconcelos, foram veiculadas na Folha.


O autor observa o comportamento submisso da imprensa de Minas Gerais diante do governo do Estado -lá portas se fechariam, ou páginas seriam vetadas, a um relato como o da lavra dele.


No segundo caso, as revelações sobre juízes mal-aprumados contrastam com a recusa histórica do jornalismo nacional em exercer o escrutínio do Poder Judiciário.
Não são apenas empresas de comunicação que resistem a monitorar a Justiça; os jornalistas também. Um motivo é o temor de retaliação nos tribunais, com processos dos magistrados contra os repórteres. A disposição para adentrar nessa “área minada”, como a define Janio de Freitas na orelha do livro, é característica dos repórteres corajosos.


Coragem é qualidade que distingue a trajetória de Frederico Vasconcelos, como se constata nos casos investigados por ele -de bancos como os falecidos Nacional e Econômico à empresa de um presidente da Fiesp; da importação superfaturada de equipamentos na administração Orestes Quércia, em São Paulo, à publicidade dirigida da Nossa Caixa no governo Geraldo Alckmin.


Em “Anatomia da Reportagem”, o autor compartilha sua metodologia de apuração e edição e expõe as engrenagens do jornalismo. Assina uma reportagem sobre suas reportagens. Com elas, Vasconcelos tornou públicas informações que o poder queria manter em sigilo. No livro, os leitores ganham novamente, ao conhecer os “segredos” do trabalho de um grande repórter.


 


MÁRIO MAGALHÃES
Publicado na Folha de São Paulo, do dia 19-04-2008