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30 anos: greve da Scania começou nos banheiros da empresa

O país, sob a ditadura militar, era governado por Ernesto Geisel. Os metalúrgicos da empresa do ABC eram liderados pelo ferramenteiro Gilson Menezes. De um lado a luta por aumento salarial e melhores condições de trabalho, do outro, o medo da repressão, j

Nesse clima, a greve “Braços cruzados , máquinas paradas” iniciaria um movimento que acabaria por inflamar os ânimos em outras empresas, que também pararam dias depois, e serviria de exemplo para outros movimentos, mais organizados e alastrados, em 1979 e 1980.


 


Há exatos 30 anos, metalúrgicos desafiaram os patrões, mas também a ditadura militar e o risco das celas do Dops (Departamento de Ordem Política e Social). Eles queriam compartilhar os ganhos das empresas, mas também ajudaram a transformar a relação capital/trabalho, iniciaram uma nova organização sindical e ajudaram no processo de redemocratização do país.


 


Organização


 


“A greve foi organizada com lideranças das seções nos banheiros da Scania. Nada podia vazar, era muito arriscado. Se alguém soubesse, eu seria preso e levaria um pau no Dops”, lembra Gilson Menezes.


 


Os encontros secretos começaram na segunda-feira daquela ano, dia 7 de maio, e a greve foi marcada para a sexta-feira.


 


“Eu cheguei no sindicato [dos metalúrgicos] na quinta e disse que na sexta nós iríamos parar na Scania. Teve companheiro que não acreditou e alguns nem me deram muita atenção. Mas eu sabia que tinha de fazer aquilo”, lembra Gilson.


 


Para o ex-ferramenteiro, a descrença era justificada. Greve, naquele momento, era algo muito arriscado. “Alguns colegas da Scania chegaram a propor mais tempo para organização. Mas se havia o risco da greve, pior seria se alguém descobrisse”, conta.


 


O então presidente do sindicato e hoje presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, soube da greve apenas na manhã daquela sexta-feira.
 


Em 2007, durante evento na Scania, quando a montadora completara 50 anos, Lula lembrou o episódio.


 


“Foi aqui, na Scania, neste pátio, que nós começamos a conquistar a redemocratização do nosso país. Aqui, no dia 12 de maio de 1978, um grupo de trabalhadores resolveu exercitar –depois de muitos anos, porque o regime militar não permitia o direito de greve– uma conquista universal, que é o exercício da greve. Eu estava no sindicato, às 8h da manhã, quando recebi o telefonema de que a Scania tinha parado.” 


 


“Era um clima de muita efervescência política no país. Havia briga por democracia, por organização partidária, e os trabalhadores começaram, então, a levantar a cabeça”, descreveu Lula.


Tensão


 


Gilson, então com 28 anos, casado e com duas filhas pequenas, conta a tensão daquele momento. Antes das 9h representantes da Secretaria do Trabalho e do Dops estavam dentro da empresa, negociando o fim da greve, mas sem muita diplomacia, já que as ameaças, veladas ou não, davam o tom da conversa.


 


“Eu sempre me despedia das minhas filhas antes de sair para o trabalho. Naquele, não consegui”, conta Gilson, lembrando do medo de que aquela fosse uma despedida definitiva. “A gente ia para luta, mas não sabia se iria voltar”.


 


A greve duraria até a noite de segunda-feira, dia 15. Lula foi chamado para negociar o reajuste. Na terça, os metalúrgicos voltaram a trabalhar, sob a promessa de um aumento de 20% e vigilância de seguranças.


 


“Outras greves aconteceram nas fábricas da nossa base, até que em 1979 houve uma greve geral dos metalúrgicos, outras categorias também pararam. No início, havia gente dentro do sindicato que não acreditava. Mostramos que era possível”, afirma Menezes.


 


Emoção


 


Foi uma choradeira o encontro de dirigentes e militantes da greve de 78, que aconteceu na última quinta-feira em São Bernardo. Um dos participantes explicou a emotividade. Segundo ele, a greve de 78 exige muito da memória afetiva porque aqueles acontecimentos não podem ser resgatados a partir de fotos, hinos ou palavras de ordem.


 


Como o movimento grevista aconteceu dentro das fábricas, dele há poucos registros fotográficos e nada do charme “nouvelle vague” do maio de 68 francês, por exemplo. Também não houve hinos nem palavras de ordem. Aliás, uma marca original dessa greve foi o silêncio, conforme relata João de Oliveira da Silva, o “João Chapéu”, 74, taxista agora, operário da Mercedes Benz há 30 anos:


 


“No dia 15 de maio, eu estava trabalhando normalmente, quando veio a notícia sussurrada: “Os tornos automáticos pararam”. Saí da máquina para cumprimentar os companheiros. Quando voltei para a minha seção, que era a 21, bem no meio da fábrica, eu só ouvia o prrrrr-prrrrr-prrrrr –era uma máquina sendo desligada, depois outra e outra. Dali a pouco, silenciou a fábrica inteira. O encarregado-geral veio e falou: “Ninguém é contra greve nenhuma. Cada um fica sentado na sua máquina. E sem formar rodinha”. Naquele silêncio, eu me sentia numa festa.”


 


Greve pipoca


 


Segundo o ex-diretor do sindicato dos metalúrgicos, Manuel Anisio Gomes, 63, a partir daí começou a pipocar greve em todos os lugares. A Volkswagen parou de produzir o Passat, sucesso da época. Durante nove dias, o Corcel parou de sair da fábrica da Ford. A reivindicação era 20% de aumento real, mas parou-se também por falta de papel higiênico, para conseguir os 15 minutos de café que as empresas não tinham, contra o cartão de ponto para registrar idas ao banheiro.


 


Em Santo André, vizinha a São Bernardo, as notícias da greve chegaram já na sexta-feira. Isaias Urbano da Cunha, 68, ex-diretor do sindicato dos metalúrgicos de Santo André, se lembra de ter reagido mal à greve da Scania.


 


“A gente achou aquilo uma loucura. Como? Vai fazer greve numa sexta-feira? Como é que segura no final de semana?” Mas eles conseguiram. Na segunda-feira, continuaram com a paralisação. “A gente não acreditava.”


 


“Aí, umas meninas corajosas começaram a parar a seção de anéis da Cofap. Foi a nossa deixa. A gente chamava os homens de covardes. Graças às meninas dos anéis, todo mundo foi parando. Era dia 15 de maio.”


 


Meninas


 


As “meninas” eram poucas na categoria (em São Bernardo, não superavam os 8% do total. Na diretoria do sindicato, era zero representante). Maria Teixeira Vilella, a Mana, 60, trabalhava no Comando de Diadema e era do sindicato quando ajudou o pessoal a parar fábricas pequenas e médias.


 


Perdeu o emprego em 1980, após uma greve. Nunca mais foi aceita em nenhuma empresa. Tornou-se costureira. “Fico triste, porque a gente dá o sangue e depois as pessoas fingem que não conhecem. Sinto-me descartável. As mulheres que brigaram naquela época, como eram poucas, ficaram marcadas. Sou metalúrgica ferrada.”


 


Os homens parecem mais aconchegados. “Se a gente sabia que um colega tinha ficado doente, ou estava numa pior, em meia hora corria uma lista dentro da fábrica para ajudar. Sempre tinha alguém que comprava o remédio e fazia a visita. Amigo de fábrica era melhor do que parente”, diz Isaias.


 


Duas semanas depois das greves em 30 empresas, das quais participaram 50 mil operários de um total de 120 mil só em São Bernardo, a Lei de Greve tornara-se um trapo. Apesar da decretação da ilegalidade do movimento, o sindicato havia conseguido de várias empresas o aumento real de salários e o não-desconto dos dias parados.


 


E agora? “Novas tecnologias, informática, telecomunicações, robotização e terceirização da mão-de-obra são a forma atual de exploração da classe trabalhadora. O sindicato que o Lula de então dizia que tinha de funcionar na porta de fábrica é mais necessário do que nunca”, diz o ex-diretor do Sindicato dos Metalúrgicos Djalma Bom, 69. “Ainda posso lutar”, diz Rubão.