Pronunciamento de Lula Morais aborda a crise mundial de alimentos

Não mais que de repente, o mundo se dá conta de que falta comida para os 6 bilhões de habitantes, os preços internacionais dos alimentos sobem e multidões de famintos se sublevam em países do Terceiro Mundo. A julgar pelo noticiário, a lúgubre profecia do

Em tempos de noticiário instantâneo e descartável, o tema é visto com olho míope do imediatismo. Poucos analistas buscam uma visão do seu movimento histórico. O mundo está assistindo a uma inflação dos preços dos alimentos de dimensões preocupantes, com repercussões na segurança alimentar mundial. Estamos convencidos de que essa crise coloca em discussão o modelo mundial de produção e abastecimento de alimentos. A situação atual exige uma reflexão séria e responsável. De outro lado, essa elevação de preços afeta de maneira dramática os 2,5 bilhões de pessoas que vivem com menos de U$ 2 por dia, ou R$ 3,2.



Agências da Organização das Nações Unidas – ONU e o Banco Mundial – prometeram criar uma força-tarefa contra a atual crise global de alimentos, que já provoca distúrbios em vários países. O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, também pediu à comunidade internacional que doe U$ 2,5 bilhões para enfrentar o problema.



Afirmando, “Se os fundos que solicitamos aos doadores não forem plenamente cobertos, corremos o risco de presenciar ainda mais o aumento da fome, da desnutrição e o surgimento de distúrbios sociais em uma escala sem precedentes”, diz o secretário-geral. O anúncio foi feito ao término de uma reunião de 27 importantes agências em Berna – na Suíça, para elaborar um plano de batalha para enfrentar a crise alimentar, que ameaça aumentar o número de desnutridos em cerca de 100 milhões de pessoas, segundo o Banco Mundial.



Para enfrentar a recente escalada do custo dos alimentos, Brasil, Argentina, Vietnã, Índia e Egito limitaram a exportação de alguns produtos para garantir o abastecimento interno.



Já o diretor do Banco Mundial, Robert Zoellick se refere: “pedimos aos países que não utilizem proibições à exportação. Estes controles estimulam o entesouramento (de alimentos), aumentam os preços e prejudicam as pessoas mais pobres do mundo”. O secretário-geral da ONU Ban Ki-moon disse que “a prioridade imediata da comunidade internacional deve ser alimentar aqueles que têm fome”, e pediu que os países financiem “de forma urgente e cabal” o Programa Mundial de Alimentos (PAM).



E continua, “Sem um financiamento total destas demandas de emergência, corremos outra vez o risco de uma fome generalizada, desnutrição e distúrbios sociais em uma escala sem precedentes”.



O PAM indicou que precisa de imediato U$ 755 milhões adicionais para alimentar os mais afetados pelo aumento dos preços da comida, porém no momento só conta com U$ 18 milhões, disse a diretora do PAM, Josette Sheeran.



Para dar uma idéia da dimensão do problema, o PAM advertiu que o preço do arroz o obrigou a deixar de fornecer o café da manhã a 450 mil crianças pobres nas escolas do Camboja, pois o arroz representa 76% dos lanches escolares.



A ministra Dilma Rousseff afirma, a crise de alimentos se deve a alta do petróleo e não ao etanol, e acrescenta que “neste momento em que se dá toda essa pressão aos alimentos, é bom que os países desenvolvidos pensem a respeito de todos os mecanismos de proteção (subsídios) que fazem sobre sua própria agricultura e impedem que a dos países em desenvolvimento, principalmente os mais pobres, cresça e se expanda de forma sustentável.



Segundo dados da FAO (Fundo das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação), no último ano o preço dos cereais – especialmente o trigo – aumentou 130%: o do arroz 74%: o da soja 87%: e o do milho 53%. Além disso, a elevação crescente do custo do transporte dos alimentos colabora para agravar a crise. Uma família européia destina de 10% a 12 % de seu orçamento à alimentação. No mundo em desenvolvimento, onde 2,2 bilhões de pessoas vivem na extrema pobreza, essa proporção é de 85% a 90%, segundo o Banco Mundial.



 O Programa Mundial de Alimento, mantém em 78 países, cerca de  75 milhões de pessoas, e perdeu 40% do seu poder aquisitivo em três meses devido aos preços. O Presidente Lula afirma que a crise de alimentos é passageira e rebate os ataques ao biocombustível brasileiro “quando o Brasil começa a disputar com países desenvolvidos, alguns vêem dizer que a cana é produzida na  Amazônia. Isso é uma mentira deslavada. Em comparação com 1975, o Brasil elevou sua produtividade em 4,5 vezes mais na mesma área. É importante refletir o reflexo do preço do petróleo no transporte e insumos agrícolas”.



O alimento está se tornado cada vez mais escasso e caro, e seu preço o torna inacessível para muitas pessoas. Porém as 200 pessoas mais ricas do mundo possuem tanto dinheiro quanto cerca de 40% da população global, mas 850 milhões se deitam toda noite com fome. Esta calamidade é uma das piores violações da dignidade humana, afirma o ex-secretário geral da ONU, Kofi Aman.



“Atualmente você ouve muito sobre a crise financeira mundial. Mas há outra crise mundial em andamento – e está prejudicando muito mais pessoas”, escreveu o economista americano Paul Krugman no New York Times.
 


Deveríamos nos surpreender com o fato do desespero frequentemente se transformar em violência?
 


No Haiti, no telhado da antiga prisão, onde Baby Doc Duvalier torturava seus opositores, mulheres empreendedoras preparam algo que parece biscoito e até mesmo é chamado assim. O ingrediente chave, o barro amarelo, vem de caminhão das montanhas próximas. O barro é combinado com sal e gordura vegetal para fazer a massa, que então é secada no sol.



Para muitos haitianos, os biscoitos de barro são seu único alimento, sugam a umidade da boca e deixam para trás um gosto de terra, eles frequentemente causam diarréia, mas eles ajudam a aplacar a dor da fome.  “Eu espero algum dia ter alimento suficiente para comer, e parar de comer essas coisas”, disse Marie Noel, que sobrevive com seus sete filhos dos biscoitos da terra.



Pasmem, senhores e senhoras, o barro para produzir 100 biscoitos custa U$ 5 e seu preço subiu U$ 1,5, ou cerca de 40% em um ano.



Na semana passada uma multidão faminta marchou por Porto Príncipe, pessoas morreram e derrubou o primeiro ministro.



Países onde vem acontecendo reação popular
 


Os Mexicanos foram os primeiros a tomar as ruas, onde protestaram contra os preços altos da farinha do milho, ingrediente básico das tortilhas. Eles importam dos Estados Unidos, onde cada vez mais e mais produtores americanos vendem seu milho para a produção de etanol subsidiado pelo governo.


No Iêmen, um país do Oriente Médio, o preço do trigo dobrou e o preço do arroz e óleo de cozinha aumentaram em 20%. E desde o final de marco pessoas morreram em tumultos causados pelo preço do pão.



Iraque e Sudão, antes os “cestos de pão” do mundo árabe, atualmente dependem do Programa Mundial de Alimentos. Juntos são mais de três milhões de pessoas que necessitam dessa ajuda alimentar.



Em Dubai, nos Emirados Árabes, os supermercados prometem não aumentar os preços de 20 produtos de alimentos básicos por mais um ano. A meta é impedir tumultos e insatisfação entre as legiões de operários de construção indianos e paquistaneses, que recebem baixos salários em moeda local, o dirhan, que está atrelado ao dólar em desvalorização. Sem eles, os enormes hotéis, museus e ilhas artificiais que estão fazendo a fama mundial de Dubai não existiriam.



No Egito, onde cerca de 46 milhões de pessoas ou metade da população, vivem com cerca de 1 euro ou R$ 2,6 por dia, só em fevereiro amargou uma inflação de 12%. Nos últimas semanas tumultos resultaram em pelo menos 11 mortos.



A Índia possui o maior número de pessoas que não se alimentam de forma suficiente, cerca de 220 milhões. Apropriadamente, duas conferências internacionais sobre a crise de alimentos foram realizadas em Nova Déli na semana passada. Jaques Diouf, o chefe senegalês da FAO, atribui a culpa ao rápido crescimento na demanda tanto na China quanto na Índia. Países que detém pouca área agrícola e ambos necessitam importar alimentos em grande escala.



O óleo comestível de origem vegetal apresentou a alta mais rápida do preço nos últimos meses, com resultados trágicos até na China. Quando uma loja do Carrefour em Chongqing anunciou uma oferta de óleo de cozinha por tempo limitado, em novembro, uma correria de compradores deixou três mortos e 31 feridos.



Quais as principais causas dessa crise?
 


Desenvolvimento global – A longa fase de prosperidade mundial, com especial forca nos países emergentes, fez crescer significativamente o consumo de alimentos no mundo. Antes de se iniciar a atual crise de crédito nos EUA, o mundo não passava por uma crise financeira com dimensões globais desde o final de 1990. Assim, os seguidos anos de calmaria deram condições para que o comércio exterior disparasse, o que gerou renda nos países mais pobres, estas nações são referências históricas tanto na produção de matérias primas como para base de empresas multinacionais. Com mais dinheiro no bolso, passou a consumir mais, sendo que os alimentos foram os primeiros produtos a terem seus consumos elevados, causando um descompasso entre oferta e consumo.
 


População – A população mundial está em franca expansão. Segundo a ONU, passará de 6,5 bilhões de pessoas em 2005, para 8,3 bilhões em 2030 e 9 bilhões em 2050. O efeito do aumento do número de pessoas que se alimentam ganha ainda mais peso  porque a maioria delas nasce na Ásia e na África, onde o consumo de alimentos cresce em ritmo mais rápido devido ao desenvolvimento econômico desses continentes.
 


Secas – Alguns dos principais produtos mundiais de alimentos, como o Brasil e Austrália, passaram recentemente por fortes secas que atingiram a produção. Na Austrália a seca já perdura por seis anos, enquanto que o Brasil e o Leste Europeu tiveram problemas entre 2005 e 2006. Com a quebra de safra nesses países, os estoques foram reduzidos e agora estão perigosamente baixos devido ao aumento no consumo.



 
Petróleo – Assim como os alimentos, os preços de outras commodities também estão em alta (matéria prima). É o caso do petróleo. O seu está em níveis recordes, o que causa impacto em toda a cadeia de produção e distribuição de alimentos. Quase todas as fazendas usam óleo diesel para movimentar as máquinas, e os fertilizantes possuem também diversos componentes vindos do petróleo. Além disso, o combustível mais caro eleva o preço do transporte dos alimentos para os centros consumidores, elevando o preço final da comida.



Especulação financeira – Quase todos os principais alimentos possuem mecanismos financeiros de compra e venda em um prazo pré-determinado, o que é chamado de mercado de futuro. Nos últimos meses, os preços de alimentos no mercado de futuro dispararam de à entrada de muitos investidores neste tipo de investimento. Eles apostam exatamente que estes preços irão crescer. Se isso ocorre, eles lucram, já que poderão vender o que têm a valores maiores do que o investido inicialmente.



Enfraquecimento do dólar – o dólar é a moeda usada para a cotação das commodities agrícolas em quase todos os principais mercados futuros. Como a moeda americana está em níveis históricos de queda ante outras moedas fortes, como euro, os investidores forçam a alta do preço dos alimentos no mercado futuro para compensar essa desvalorização.



Alta nos custos – A produção de carnes em geral recebe duplo impacto. Seus custos disparam não só pela alta do petróleo, mas pela própria alta no preço dos alimentos, já que alguns deles em especial o milho, são usados na ração dos animais.



Biocombustíveis – Diversas entidades, como a ONU e o FMI, reclamam do desvio de parte da produção agrícola para a produção de biocombustíveis. O resultado, segundo eles, é que a oferta cai ainda mais em um momento de alta na demanda, causando a elevação dos preços. O caso mais criticado é o do milho americano, desviado para a produção de etanol, devido ao subsídio do governo, que levou à disparada do preço do produto no mercado internacional já no ano passado. A produção de um galão de etanol de milho usa grande parte da energia que o galão contém. Os EUA desviaram 40 milhões de toneladas de milho ou cerca de 4% da produção global de grãos forrageiros nos últimos três anos, desviando da produção do milho como alimento.



 
Líderes latinos-americanos anunciam fundo contra crise dos alimentos
 
Os líderes da Venezuela, da Bolívia, de Cuba e da Nicarágua anunciaram a criação de um fundo de U$ 100 milhões para combater o impacto da alta mundial nos preços dos alimentos sobre a população pobre da América Latina. Decisão anunciada durante reunião da ALBA (Alternativa Bolivariana para as Américas). O fundo pretende aumentar a produção das lavouras de arroz, trigo e feijão. 



O Brasil e a crise mundial dos alimentos
 


É importante ressaltar que o Brasil está conseguindo enfrentar a crise dos preços agrícolas por causa da presença de um vigoroso setor da agricultura familiar, que produz 70% dos alimentos consumidos no Brasil. Desde 2003, desenvolvemos uma estratégia de fortalecimento de fortalecimento dessa agricultura, com políticas públicas de crédito, seguro agrícola, assistência técnica e extensão rural.



Ao mesmo tempo, desenvolvemos e estruturamos uma política nacional de segurança alimentar articulada em torno do Fome Zero. Fomos além, com a institucionalização dessa estratégia por meio da Lei da Agricultura Familiar e da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional. Enquanto o Índice dos preços agrícolas internacionais subiu 83% nos últimos 36 meses, a cesta básica brasileira subiu 25% no mesmo período.



O leite, um produto tipicamente de agricultura familiar no Brasil, teve um aumento de 120% no mercado internacional, nos últimos 24 meses, mas no país foi de 25%. Isso se deve ao aumento da produção de leite que passou de 16 bilhões de litros nos anos 90 para 27 bilhões de litros em 2008, atingido a auto-suficiência. Fruto de um conjunto de políticas públicas, para a agricultura familiar e a reforma agrária.



O Brasil é uma óbvia solução para a situação de crise em que se encontra a segurança alimentar mundial, segundo o diário britânico Financial Times. O jornal destaca que o Brasil tem sua parcela de culpa. “O país tem sido notavelmente lento em fazer campanha junto aos países desenvolvidos e em divulgar sua enorme capacidade produtiva”, diz o texto.
 


 


 


Deputado Lula Morais/PCdoB