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O PCdoB e a breve história de uma sede

Um edifício será, a partir desse 22 de maio de 2008, a Sede Nacional do  Partido Comunista do Brasil. Depois de 86 anos de lutas valorosas, arrostando ameaças de extermínio físico, de destruição ideológica e de desorientação política, essa será a

Começa pelo registro de que só chega a 86 anos algo que tem razão de existir. Se não interpreta anseios reais e sentidos, nada consegue ficar tanto tempo de pé. Se não está sintonizado com o futuro, não cresce em meio a tantas intempéries. Por isso, a sede nacional própria ora inaugurada do PC do Brasil retrata o fascínio pela existência, a mística do papel a cumprir e a vocação por crescer desse partido. 


 


Sua história é a mesma da vida desse partido, longa, penosa mas fulgurante, através da qual vem conduzindo, pelas décadas afora, a rubra bandeira de um Brasil socialista, passada de geração a geração, tal qual uma tocha olímpica em arrancada triunfal, e que agora chega para reluzir ao alto do edifício que lhe dará guarida.    


 


No começo, tudo foi rigorosamente pequeno, sob o aspecto das quantificações materiais. Naquele 25 de março de 1922, foram apenas nove delegados, representando 73 militantes espalhados pelo Brasil, que se reuniram em Congresso, em Niterói, e fundaram o Partido Comunista do Brasil. Salvo Astrojildo Pereira, que era jornalista do Rio de Janeiro, e Cristiano Cordeiro, que era funcionário público do Recife, todos os demais sete congressistas  eram operários, de categorias que tinham expressão na época: dois alfaiates, um eletricista e ferroviário, um gráfico, um sapateiro, um barbeiro e um vassoureiro.


 


A reunião demorou três dias e realizou-se na casa de uma irmã de Astrojildo, vizinha ao Canto do Rio Futebol Clube. Elegeu uma Comissão Central Executiva (CCE) e indicou para secretário-geral um operário, Abílio de Nequete, de Porto Alegre, que fora dos principais líderes da grande greve geral de 1917. Astrojildo, que ficou como secretário de Imprensa e Propaganda, assumiria a secretaria-geral ainda naquele ano de 1922, em julho, após prisão de Nequete e seu retorno ao Rio Grande do Sul. 


 


Espantosa é a contradição que certos fatos encerra. Aquele evento, de tão alto significado, que fundava no Brasil o Partido Comunista, “talhado para as grandezas, para crescer, criar, subir”, foi tão simples, tão diminuto, e o ambiente político, ideológico e cultural lhe era tão adverso que, segundo Astrojildo Pereira, “passou completamente despercebido da opinião pública. A grande imprensa ignorou o fato e, se acaso houvesse tomado conhecimento dele, certamente não o teria levado a sério”. Mas, os membros daquele ínfimo Congresso, que entretanto estavam com a história na mão, nem ligaram para o silêncio da ignorância, e logo registraram, como sociedade civil, o Partido Comunista do Brasil, cujos Estatutos foram publicados no Diário Oficial da União, de 7 de abril de 1922. O fato histórico estava criado.


 


De lá para cá, o partido foi crescendo no enfrentamento dos embates variados que a luta nacional e a luta de classes impunham. Alguns desses confrontos foram decisivos, e a disjuntiva que apresentavam era vencer ou desaparecer, podendo o partido desaparecer sob a forma de deixar de existir, ou pela forma mais sagaz de ser absorvido como mais uma peça do sistema contra o qual lutava.


 


Fecundado pelas idéias do futuro socialista e pelos ideais do comunismo, o partido ia deixando em sua passagem um testemunho de dedicação e lealdade à causa, ao Brasil, aos companheiros. Aprendia com erros, por isso acertava mais.


 


Em 1930, deixou escapar excepcional oportunidade de impulsionar mais ainda uma revolução anti-oligárquica no Brasil, por não perceber a importância de um processo social modernizador, ainda que sem a hegemonia proletária. Mais adiante, desbaratado, reorganizou-se na Mantiqueira, sob a ditadura de Vargas, quando mesmo internamente campeavam idéias liquidacionistas.


 


Em 1962, quando muitos marcharam para alterar o caráter revolucionário da agremiação, rejeitar princípios e adequar-se às regras dominantes, um núcleo revolucionário se rebelou, resistiu e reorganizou o partido, salvando-o e revigorando-o.


 


No longo período da ditadura implantada em 1964, mesmo na mais profunda clandestinidade foi à luta, decidiu-se pelo Araguaia e pelo movimento em prol da anistia, da liberdade política e da Constituinte. Seu exemplo, ao resistir no Araguaia, realçou seu prestígio e suas posições a tal ponto que muito contribuiu para atrair para suas fileiras a parte fundamental do maior grupo revolucionário de origem pequeno-burguesa da época, a Ação Popular.


 


Tendo participado decisivamente no desfecho final da ditadura de 64, o partido logo percebeu que, com o fim do regime de exceção, o caminho da atividade política – que lhe levara ao Araguaia – agora lhe conduzia ao movimento social amplo e à legalidade institucional, através da qual foi ao Parlamento. E aí ganhou experiência, ajudou a elaborar uma Constituição democrática para o país e, mais à frente, até presidiu a Câmara dos Deputados do Brasil. 


 


Nas disputas por ocupar espaços de governo, foi dos primeiros a vislumbrar a oportunidade de aglutinar setores diversos em torno de um líder operário carismático e disputar a Presidência da República, o que, após algumas tentativas, deu certo.


 


E o que parecia impossível aconteceu: o partido dos comunistas, furiosamente perseguido por décadas, estigmatizado como a essência do perigo, começou a participar, com êxito, de espaços do Executivo federal, dos Executivos de alguns estados e até a chefiar executivos em alguns municípios. Sua influência cresceu e 2008 o encontra com planos audazes. O que se contava por dezenas passou a ser centenas, o que chegava a milhares alcançou dezenas de milhares e o contingente global, que começou com 73 em 1922, já vai a mais de duas centenas de milhares.
Essa é a história que fez surgir na Rua Rego Freitas, 192, um bonito e grande prédio ostentando a referência de Sede Nacional do Partido Comunista do Brasil.       


 


       



*Haroldo Lima é membro do Comitê Central do PCdoB e presidente da Agência Nacional de Petróleo