Publicado 03/06/2008 10:35 | Editado 04/03/2020 16:36
A compreensão do momento que o País vive exige a demolição de alguns mitos relativos à sua política macroeconômica. Devemos entender o papel e a serventia da elevação da taxa básica de juros (Selic) e como o aumento da carga tributária corresponde perfeitamente às necessidades do Estado para arcar com o custo financeiro da dívida pública.
Em primeiro lugar, é preciso ter claro que a posição da diretoria do BC (Banco Central do Brasil), a exemplo do que ocorre na grande maioria dos seus congêneres no mundo, não é uma posição neutra, pura e estritamente científica que paira, de forma olímpica e divina, sobre o conjunto dos pecadores e mortais da sociedade humana.
Na realidade, ela corresponde às posições, opiniões e interesses econômicos, políticos e ideológicos, dos que detêm o poder de fato na sociedade. E, nos dias atuais é inegável que o chamado “mercado financeiro” (grandes bancos e grandes investidores/especuladores, incluindo-se aqui os fundos de pensão) exerce claramente este poder.
Este poder de fato (o “mercado financeiro”) encontrou até uma fórmula de qualificar e manter o seu poder real, mesmo diante de eventuais governos adversos, eleitos democraticamente, mediante a blindagem dos bancos centrais. É a chamada “independência” ou, numa forma mais palatável, menos agressiva e mais conveniente, a “autonomia” do Banco Central.
Ou seja: mudar-se-ia o governo, mas o controle de boa (e essencial) parte da política econômica continuaria nas mesmas mãos, servindo aos mesmos interesses, independente do programa eleito pelo povo.
Copom, de dentro, comanda inflação de fora?
Não foi à toa, portanto, que, em meados de abril — totalmente na contramão da história, cada vez mais isolado da sociedade e do governo, e cada vez mais subordinado ao “mercado financeiro” — o Copom (Comitê de Política Monetária) do BC elevou novamente os juros, favorecendo aos que investem em títulos remunerados pela taxa Selic, e, de uma só tacada, aumentando a dívida pública em cerca de R$3 bi anuais. Foi uma ação inócua para combater uma inflação que é impulsionada de fora — derivada de uma situação internacional que foge ao nosso controle.
Efetivamente, não serão influenciados pelo aumento da Selic, entre outros itens, o preço do trigo importado; os produtos que sazonalmente tem seu preço elevado por conta da entressafra (frutas, hortaliças e verduras); ou, ainda, as tarifas dos bens e serviços atrelados a contratos. Por outro lado, as taxas de juros praticadas no mercado, em especial para as pessoas físicas, com seus perfis quantitativos já bastante elevados, serão pouco influenciadas pela medida.
O consumo tem crescido, é verdade. Os miseráveis, por conta de políticas sociais “compensatórias”, passaram a comer um pouco mais. Os trabalhadores de uma maneira geral e a classe média, influenciados pela elevação de seu nível de renda e da ampliação do crédito facilitado, a exemplo do empréstimo consignado em folha, passam a suprir um déficit de consumo antes reprimido.
No mesmo rumo, os investimentos crescem mais na indústria — que, ainda com capacidade ociosa, bate recordes de produção. É, entretanto, exatamente este crescimento que precisa ser garantido e ampliado, principalmente pela elevação dos investimentos públicos e privados, buscando viabilizar a geração de empregos e uma melhor distribuição da renda no País. (E isso não se faz com o chamado capital volátil).
Custo da dívida é social
O aumento da Selic é uma ducha de água fria neste processo, pois desestimula os investimentos produtivos privados e eleva a dívida pública, reduzindo ainda mais a possibilidade dos investimentos públicos, o que sufoca a nação e seu projeto de desenvolvimento. E quem ganha com isso são os tais “investidores” que aplicam em títulos do Tesouro Nacional.
Observe como funciona a engrenagem e como se relacionam a política monetária e a política fiscal. De 1994 para cá, a nossa carga tributária aumentou de 25% para 35% do PIB. A nossa dívida pública interna também foi multiplicada: hoje bate na casa de R$1,4 trilhão. E para onde têm ido esses dez pontos percentuais de aumento em nossa carga tributária? Foram utilizados na construção de usinas de energia (olha o apagão de 2001)? Foram usados para a educação, saúde, emprego, estradas, etc.?
É óbvio que não. Este aumento da carga tributária corresponde perfeitamente às necessidades do Estado para arcar com o custo financeiro da dívida pública. E, para dar uma maior garantia aos “desinteressados e caridosos investidores”, ainda na era FHC, foi aprovada a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal). Ou seja: para evitar que algum “maluco irresponsável” pensasse em mudar essa política de crescimento reprimido com uma distribuição de renda às avessas.
Brasil persiste campeão de juros
Voltando ao tema da inflação galopante, verificamos que, apesar da profunda crise internacional (que tem levado os bancos centrais a “queimar” algumas centenas de bilhões de dólares para evitar uma quebradeira geral) o “livre” mercado tem sua lógica: alguns ganharam muito dinheiro com a especulação e a conivência dos governos e autoridades monetárias, mas agora é hora de socializar os prejuízos (bonito, não?).
Mesmo considerando as repercussões internas dessa crise externa, a inflação projetada para este ano ainda é inferior a 5%, abaixo da média mundial e bem abaixo da média dos chamados emergentes. É bom lembrar ainda que a meta de inflação perseguida tem um centro de 4,5% e uma banda de 2 p.p.; ou seja, pode variar de 2,5 a 6,5%. E, dentro deste intervalo, o BC terá cumprido com a sua missão. Nos dois últimos anos a inflação foi inferior ao centro da meta, o que significa que a política monetária poderia ter sido menos rígida, o País teria crescido ainda mais e sua dívida seria menor.
Sob o comando de Henrique Meirelles (e Cia.), o País persiste campeão das taxas básicas de juros, descontada a inflação (ou seja: se não somos um paraíso fiscal sejamos ao menos o paraíso para o capital rentista em termos de ganhos financeiros). E estamos falando de taxa básica e não das taxas que remuneram os saques a descoberto com cheque especial ou os pagamentos de cartão de crédito com atraso! Estas últimas são mais que estratosféricas.
“É mole, mas sobe”
Enquanto isso, na matriz norte-americana, preocupado com a crise, a recessão e o desemprego, o Banco Central dos EUA, o FED, reduz bruscamente a sua taxa básica, tornando-a negativa quando se calcula a inflação. Este diferencial de taxas certamente irá aumentar o contingente de “bons samaritanos” qualificados como “investidores”, que aportarão com seus fugazes dólares por aqui, ávidos pelo dinheiro fácil e seguro. Na saída, ganharão também com a valorização cambial. Como resultado, a nossa balança comercial e as nossas contas externas voltarão a sofrer e a nossa vulnerabilidade externa poderá retornar a galope.
“É mole, mas sobe”, como diria o José Simão. E não se preocupem: o BC e o “mercado” prometem novos aumentos da Selic já a partir desta semana (vide ata da última reunião do COPOM divulgada em 24/4/2008).
Nova missão e diretoria para o BC
Ressalte-se que, apesar de seus compromissos, Meirelles e os demais diretores do BC não são os únicos responsáveis por esta situação. Em primeiro lugar, todos foram indicados pelo presidente Lula e tiveram seus nomes aprovados pelo Senado da República para executar as políticas necessárias para o cumprimento das metas de inflação fixadas pelo Conselho Monetário Nacional, mediante proposta do Ministério da Fazenda, de acordo com o Decreto 3.088, de 21/06/1999 (outra herança de FHC).
Assim, uma política econômica voltada para o crescimento com distribuição de renda e valorização do trabalho, exigiria, para ser conseqüente, uma nova e mais ousada atitude do governo Lula, visando superar a lógica hegemônica do mercado financeiro. Caberia, entre outras ações, a revogação do Decreto 3.088 e a indicação para o BC de uma nova diretoria, comprometida com o desenvolvimento e o emprego — o que implicaria necessariamente em ampliarmos sua atual missão, restrita a assegurar a estabilidade do poder de compra da moeda e um sistema financeiro sólido e eficiente.
Vamos nessa, Presidente Lula!
Luis Carlos Paes de Castro é Presidente do Comitê Municipal do PC do B em Fortaleza