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Orlando Senna deixa TV Brasil e critica Tereza Cruvinel

Exonerado do cargo de diretor-geral da Empresa Brasil de Comunicação (EBC, controladora da TV Brasil) , Orlando Senna divulgou carta pública com críticas à gestão da iniciativa. Para ele, há concentração de poderes na presidência, exercida por Tereza Cruv

O diretor-geral, assim como o cargo de diretor-presidente, é indicado diretamente pelo presidente da República. A saída de Senna acontece dez meses depois de sua posse. Antes de ocupar o cargo, ele foi secretário de Audiovisual do Ministério da Cultura.


 


Na carta de despedida, Senna relembra o processo de construção da política do audiovisual nos dois mandatos do governo Lula. Ele aponta o protagonismo do Ministério da Cultura (MinC) no primeiro mandato, quando se reverteu a política voltada a canais pagos — “que ninguém via” — e se voltou para a TV aberta.


 


“Deixo a EBC por discordar da forma de gestão adotada pela empresa que, entre outros equívocos, concentra poderes excessivos na Presidência, engessando as instâncias operacionais, que necessitam de autonomia executiva para produzir em série, como em qualquer TV. Melhor: como em qualquer empresa que opera emissoras de TV e rádio, agência de notícia, web e outros serviços audiovisuais, que é o caso da EBC”, disparou Senna.


 


Senna critica, conforme seu texto, a “forma de gestão que induziu a exoneração de Mário Borgneth, o excepcional articulador e executivo que organizou e coordenou o seminal Fórum de TVs Públicas e que, como diretor de Relacionamento da EBC, nesses oito meses, montou a estrutura de uma rede com cobertura em todo o País, baseada em novos modelos de negócio e em uma arquitetura horizontal, sem o verticalismo das redes comerciais. Uma decisão com a qual não posso concordar.”


 


Ele menciona ainda uma carta enviada em 30 de maio com sugestões de ajustes que ele considerava urgentes para a TV Brasil. Segundo Senna, a emissora precisava de correções e mais apoio para “liderar uma comunicação pública plural, isenta, inteligente, interativa e formadora de cidadania”.  A carta se encerra com um clamor pela intervenção de representantes da sociedade civil para tornar a emissora “blindada contra os poderes e interesses governamentais e econômicos”.


 


MinC x Franklin


 


Tereza Cruvinel acumulará, temporariamente, as funções de Senna. Já o posto de Borgneth — diretor de Relacionamento e Rede — será ocupado, interinamente, por José Roberto Garcez, diretor de Serviços e Negócios da EBC e ex-presidente da Radiobrás.


 


Anselmo Massad, em texto publicado no site da revista Fórum, afirma que a “saída de diretores da EBC evidencia tensão entre MinC e Franklin Martins”. Segundo Massad, como os exonerados trabalharam no Ministério da Cultura (MinC) antes de assumirem diretorias da empresa, a decisão evidencia o ápice de uma tensão que se arrasta desde o fim do ano.


 


Desde a definição dos grupos Interministerial e Executivo para discutir o Sistema Público de Comunicação do Brasil, dois grupos tiveram destaque dentro da EBC — um ligado a Franklin Martins e outro ao MinC, responsável pela política audiovisual do primeiro mandato do governo Lula.


 


Tanto Borgneth quanto Senna eram diretores ligados ao MinC. Leopoldo Nunes, ex-diretor da Agência Nacional de Cinema (Ancine) e atual responsável pela Programação e Conteúdo, é o único que permanece. No grupo de Franklin Martins, estão Tereza Cruvinel, Helena Chagas, diretora de Jornalismo, e Delcimar Pires, do Administrativo-Financeiro.


 


A tensão entre os membros advindos da Cultura e os demais se arrastava desde o início do ano, tendo Deucimar como pivô. A queixa era de que ele priorizava, na destinação das verbas, o jornalismo em detrimento de outras diretorias, mesmo depois da crise envolvendo Luiz Lobo, editor-chefe demitido pela TV Brasil que acusou a direção de censura de termos e conteúdos na programação.


 


O ápice da crise aconteceu na semana passada, quando Borgneth abandonou uma reunião de diretoria em decorrência de impasses de recursos. Senna, então, redigiu uma carta de apoio ao diretor de Relacionamento e Redes que circulou entre funcionários do MinC. Assinou, assim, seu pedido de exoneração, junto de Borgneth. A saída de ambos mostra que a situação não foi contornada.


 


Leia abaixo a carta de Orlando Senna.


 



Companheiros da atividade audiovisual
(trabalhadores da luz, como diria Fernando Birri):


 


Estou me afastando da direção geral da EBC-Empresa Brasil de Comunicação, operadora da TV Brasil, após oito meses de intenso trabalho e muitas dificuldades em sua difícil fase de implantação. Considerei essa missão, a mim confiada pelo presidente Lula, como uma extensão da minha gestão enquanto Secretário do Audiovisual do MinC (2003/2007), sob a regência do ministro Gilberto Gil. Uma extensão das políticas públicas voltadas para a televisão e para as convergências tecnológicas, midiáticas e empresariais da comunicação eletrônica de massa que foram implementadas pela Secretaria do Audiovisual.


 


Essas políticas, priorizadas pelo governo, estiveram focadas desde 2003 meu primeiro ato como secretário foi extinguir o Canal Cultura e Arte, um programa do MinC para canais fechados, que ninguém via, e anunciar as ações voltadas para a televisão aberta e para a televisão pública, em seguida implementadas e hoje em execução. Ações norteadas pela criação e aplicação de novos modelos de negócios, adequados ao cenário audiovisual que estamos vivenciando em escalas nacional e planetária, concretizadas em programas como DOCTV, DOCTV Ibero-americano, o futuro DOCTV Língua Portuguesa, Revelando os Brasis, Documenta Brasil, Banco de Documentários da América Latina, Jogos BR (videogames), Programadora Brasil, Programa Setorial de Exportação TV e outros.


 


A ação principal desse foco New Media foi, naturalmente, projetar um sistema de comunicação pública de âmbito nacional, trabalho realizado no período de quatro anos, com participação direta das emissoras e organizações dos campos público e privado, produtores independentes e regionais, academia, especialistas em comunicação e as diversas áreas do governo envolvidas no assunto –movimento que culminou com o Fórum Nacional de TVs Públicas, em maio de 2007, palco da decisão e do anúncio do presidente Lula de criar a TV Brasil (na verdade, a EBC, operadora de emissoras de TV e rádio e de uma plataforma web). A missão de instalar a EBC foi entregue pelo presidente Lula à Secom-Secretaria de Comunicação Social e ao recém empossado ministro Franklin Martins.


 


Essa meta foi alcançada graças à tenacidade e à firmeza do ministro Gil, do secretário executivo do MinC Juca Ferreira e de uma equipe de jovens gestores públicos de alto quilate, dos quais devo mencionar Manoel Rangel, Mário Diamante, Alfredo Manevy, Sérgio Sá Leitão, Paulo Alcoforado, José Araripe e, deixados por último para serem destacados, Leopoldo Nunes e Mário Borgneth. A minha atuação como Secretário do Audiovisual, comandando essa equipe que gestou a TV Brasil, motivou o convite dos ministros Gil e Franklin Martins para que participasse, também, na implantação do projeto, convite igualmente dirigido a Leopoldo Nunes e Mário Borgneth.


 


Apesar das grandes dificuldades dessa fase de implantação da EBC, conseguimos nesses oito meses montar as bases de uma rede pública de TV envolvendo todos os Estados, conformar um projeto de programação de alto nível, estabelecer as linhas mestras do projeto tecnológico e do planejamento de investimentos e execução orçamentária. Também teve início a renovação dos conteúdos que herdamos da TVE, com novos programas jornalísticos, nova linha de documentários (África, América Latina e Ásia) e ampla faixa para filmes nacionais de todos os gêneros. Após vários atrasos burocráticos (um dos males que assolam a empresa), está previsto para setembro o início de uma seqüência de lançamentos de novos programas, sob a coordenação de Leopoldo Nunes, diretor de Programação e Conteúdos.


 


Deixo a EBC por discordar da forma de gestão adotada pela empresa que, entre outros equívocos, concentra poderes excessivos na Presidência, engessando as instâncias operacionais, que necessitam de autonomia executiva para produzir em série, como em qualquer TV. Melhor: como em qualquer empresa que opera emissoras de TV e rádio, agência de notícia, web e outros serviços audiovisuais, que é o caso da EBC. Uma forma de gestão que induziu a exoneração de Mário Borgneth, o excepcional articulador e executivo que organizou e coordenou o seminal Fórum de TVs Públicas e que, como diretor de Relacionamento da EBC, nesses oito meses, montou a estrutura de uma rede com cobertura em todo o País, baseada em novos modelos de negócio e em uma arquitetura horizontal, sem o verticalismo das redes comerciais. Uma decisão com a qual não posso concordar.


 


Minha saída está motivada pela consciência de que, na forma de gestão adotada, a Direção Geral, cargo que ocupei, não está provida da autonomia e mobilidade necessárias para cuidar dos aspectos operacionais da empresa, tornando-se, no atual desenho de gestão, praticamente desnecessária. Minha atitude não significa descrença no projeto, do qual continuo ardente defensor. A EBC terá de solucionar várias questões para alcançar o seu objetivo de empresa pública de comunicação moderna, democrática e financeiramente saudável. São questões no âmbito estrutural, na forma de gestão e na definição de encaminhamentos, sobre os quais enviei documento às instâncias superiores da empresa, no dia 30-05-2008, sugerindo ajustes e chamando a atenção para o caráter urgente das providências. Realizados os ajustes necessários, a EBC/TV Brasil poderá cumprir o objetivo de liderar uma comunicação pública plural, isenta, inteligente, interativa e formadora de cidadania.


 


Esses ajustes, esse processo de concretização do sonho de uma TV pública, de uma comunicação plenamente pública, blindada contra os poderes e interesses governamentais e econômicos, só chegará a bom termo (como todos sabemos) com a participação direta da sociedade. Nesta fase crucial de instalação da EBC a ação das entidades e das personalidades que se fizeram ouvir no Fórum de TVs Públicas, na Carta de Brasília, na aprovação no Congresso se torna ainda mais importante e decisiva. E que outras entidades e personalidades se somem a esse labor de vigilância constante e atuação propositiva, garantindo a presença majoritária da produção independente e regional na programação televisiva, radiofônica e web, a horizontalidade da rede, a independência editorial, o jornalismo isento, a vinculação da empresa a algum ministério (lutemos, por exemplo, por uma fundação pública de direito privado).


 


Tenho a agradável sensação de dever cumprido e agradeço do fundo do coração a confiança em mim depositada, nesses cinco anos e meio, por Gilberto Gil, por Lula e pelos trabalhadores audiovisuais, elevando-me ao honroso posto de Secretário do Audiovisual e, como extensão, à equipe de implantação da EBC. Agradeço emocionadamente aos meus companheiros trabalhadores audiovisuais, a quem me dirijo nesta mensagem, pelo ininterrupto respaldo que me proporcionaram com seus apoios, oposições, idéias, inspirações, sugestões, estímulos, cobranças, toda essa gama viva e pulsante de uma relação que entendi, que senti, como uma sintonia de respeito e carinho.


 


Abraços e beijos de um velho roteirista e cineasta em disponibilidade na praça.


 


Orlando Senna


 


Da Redação, com informações da Fórum