La Jornada: crise alimentar, paliativos e indolência
“A Cúpula da Organização de Alimentos e Agricultura da ONU (FAO, na sigla em inglês), realizada em Roma no princípio do mês, em vez de aprovar medidas que resolvessem este importante problema mundial que já atinge faixas cada vez maiores da populaçã
Publicado 22/06/2008 13:21
A Cúpula, convocada para Roma pela FAO, encerrou-se com um compromisso raquítico entre os participantes para solucionar a crise alimentar mundial, o que deixa entrever a surdez dos países ricos perante as graves questões que, ao longo de três dias, foram dirigidos ao tratamento global da agricultura nos últimos anos.
Numa resolução que gerou polêmica por carecer de substância, os membros da FAO – com resistências de uma frente composta pela Argentina, Equador, Venezuela, Bolívia e Nicarágua, que consideram que o encontrou produziu “um diagnóstico objetivo” — concordaram em reduzir “para metade o número de pessoas desnutridas no mundo, calculadas em 850 milhões — para o ano de 2015; instaram a tomar “medidas urgentes para combater os impactos negativos da subida do preço dos alimentos nos países mais vulneráveis” e exortaram a não empregar os produtos alimentares “como instrumentos de pressão política e econômica”.
No mesmo documento, algumas das nações membro solicitaram a liberalização do comércio agrícola e convidaram a elaborar “estudos em profundidade” sobre os bio-combustíveis, com o que reafirmam as suas intenções de deixar amplas faixas da população mundial à mercê dos vaivéns do mercado e das pressões dos especuladores.
Em contrapartida, não se prevêem medidas concretas para reverter o desastre causado por mais de duas décadas de políticas de “ajuste estrutural”, ditadas pelos organismos como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial aos governos dos países em desenvolvimento, como o México, que para respeitá-las desmantelaram o apoio estatal à pequena agricultura e acabaram com os incentivos à produção e ao consumo interno. Também não se previram acções para travar o efeito que tem a actuação das grandes empresas agrícolas no preço dos alimentos.
Significativamente, de acordo com as versões jornalísticas, alguns chefes de Estado que assistiram à cúpula em Roma tiveram tempo para participar de banquetes, oferecidos pelo primeiro-ministro italiano Sílvio Berlusconi, e desfrutar de iguarias da gastronomia nacional.
Além do aspecto anedótico, a opulência com que se regalaram estes governantes deixa entrever a sua profunda indolência pela presente situação mundial, a sua falta de compromisso e até interesse para compreender e atacar esta crise alimentar que se abate sobre os mais desprotegidos.
Deve recordar-se que se enormes faixas da população do planeta estão passando fome, deve-se, além dos factores conjunturais, que muitos dos governos dos países membros da FAO, incluindo o México, abraçaram sem questionar uma visão de mercado livre que hoje apresenta graves falhas estruturais.
Nessa lógica, pretende-se transferir para a empresas privadas a direção da agricultura no mundo e reduzir de forma sustentada a intervenção do Estado nesse setor, como aconteceu em tantos outros, como se a atenção às necessidades de alimentação não fosse responsabilidade dos governos e como se tratasse apenas de uma oportunidade de negócio.
Em suma, dificilmente haverá redução da fome no mundo enquanto os encarregados de resolver esta problemática não entendam que a magnitude do problema requer uma viragem na direção da agricultura, que seja acompanhada por uma maior intervenção dos estados em desenvolvimento, com políticas convenientes e viáveis para os países mais pobres, na compreensão de que não pode deixar-se nas mãos das empresas transnacionais a direção de um assunto com a importância estratégica como o da alimentação.