Max Altman: O que é que a Constituição equatoriana tem?

“Se for cumprida a cabo com o mesmo entusiasmo e força política que a levou a esmagadora aprovação, apesar do peso contrário da mídia e dos setores de oposição raivosa, concentrados em Guaiaquil, abrem-se as portas para o início de um processo revolucioná

Confira abaixo o artigo de Altman, reproduzido do sítio do PT:



O que é que a Constituição equatoriana tem?



Se havia dúvida de que a América Latina está vivendo um novo ciclo histórico de reação ao imperialismo, ao neoliberalismo econômico, à exclusão social, às oligarquias dominantes, em favor da soberania nacional, da autodeterminação dos povos, da justiça social e da participação crescente das camadas pobres no poder político, basta enumerar, a título de exemplificação: o presidente Manuel Zelaya, de Honduras, inscreve seu país na Alba e posterga a apresentação de credenciais do novo embaixador estadunidense em seu país em solidariedade a Evo Morales pela expulsão do embaixador norte-americano em La Paz, Philip Goldberg; o presidente de Costa Rica, quem diria?, Oscar Arias, faz seu país participar do programa Petrocaribe, afirmando que a Venezuela contribui com recursos 5 ou 6 vezes  mais que os Estados Unidos para os países da América Central; o ex-padre da Teologia da Libertação, Fernando Lugo, é eleito presidente do Paraguai, rompendo 60 anos de ditadura e opressão; com muito maior expressão, Evo Morales recebe a aprovação de 68% do povo de toda a Bolívia, mais que o seu principal opositor, secessionista e golpista, Rubem Costas, governador de Santa Cruz, em seu próprio reduto, que recebeu 64% no mesmo referendo; e, agora, a constituição de um novo tempo do Equador, moderna e libertadora, defendida por seu presidente, Rafael Correa, é confirmada em plebiscito por mais de dois terços dos votos válidos da população em votação livre, justa e democrática.



E o que é que a nova constituição do Equador tem e de que tanto se fala? Se for cumprida a cabo com o mesmo entusiasmo e força política que a levou a esmagadora aprovação, apesar do peso contrário da mídia e dos setores de oposição raivosa, concentrados em Guaiaquil, abrem-se as portas para o início de um processo revolucionário em direção a uma sociedade socialista. Sintam o preâmbulo: “Nós, o povo soberano do Equador, reconhecendo nossas raízes milenares, forjadas por mulheres e homens de distintos povos; celebrando a natureza, a Pacha Mama, de que somos parte e que é vital para a nossa existência; invocando o nome de Deus e reconhecendo nossas diversas formas de religiosidade e espiritualidade; apelando à sabedoria de todas as culturas que nos enriquecem como sociedade; como herdeiros de lutas sociais de libertação frente a todas as formas de dominação e colonialismo, e com profundo compromisso com o presente e o futuro; decidimos construir uma nova forma de convivência cidadã, em diversidade e harmonia com a natureza, para alcançar o bem-viver, o sumak kawsay, uma sociedade que respeita em todas as suas dimensões a dignidade das pessoas e as coletividades, um país democrático, comprometido com a integração latino-americana – sonho de Bolívar e Alfaro – a paz e a solidariedade com todos os povos da terra, e aprovamos a Constituição Política do Equador”.



Institui um conceito absolutamente inédito em constituições de todo o mundo – a natureza como sujeito de direitos – num capítulo denominado Direito do Bom-viver. Eis como os apresenta: “Água e Alimentação – art. 12 – O direito humano à água é fundamental e irrenunciável. A água constitui patrimônio nacional estratégico, de uso público, inalienável, imprescritível, inembargável e essencial para a vida; Art. 13 – As pessoas e coletividades têm direito ao acesso seguro e permanente a alimentos sadios, suficientes e nutritivos; preferentemente produzidos a nível local e em correspondência com suas diversas identidades e tradições culturais”. O Estado equatoriano promoverá a soberania alimentar; “Art. 71 – A natureza ou Pacha Mama onde se reproduz e realiza a vida, tem direito a que se respeite integralmente sua existência e a manutenção e regeneração de seus ciclos vitais, estrutura, funções e processos evolutivos Toda pessoa, comunidade, povo ou nacionalidade poderá exigir da autoridade pública o cumprimento dos direitos da natureza”.



E quando no Brasil se discute a propriedade do pré-sal, vejam como a constituição equatoriana dispõe desses recursos: “Art. 317 – Os recursos naturais não renováveis pertencem ao patrimônio inalienável e imprescritível do Estado. Em sua gestão, o Estado priorizará a responsabilidade intergeneracional, a conservação da natureza, a cobrança de direitos de exploração ou outras contribuições não tributárias e de participações empresariais; minimizará os impactos negativos de caráter ambiental, cultural, social e econômico”.



E esta afirmação de soberania que acaba com a base militar dos Estados Unidos em Manta: “Art. 5 – O Equador é um território de paz. Não será permitido o estabelecimento de bases militares estrangeiras nem de instalações estrangeiras com propósitos militares. Fica proibido ceder bases militares nacionais a forças armadas ou de segurança estrangeiras”.



Mas o que queremos destacar é o tratamento que a nova constituição equatoriana dá aos meios de comunicação. Não é demais insistir que a grande imprensa – TV, rádio, cujo sinal é concessão do Estado, e jornais – em nossa região vem se constituindo em porta-voz dos interesses das oligarquias, travam um feroz combate, muitas vezes apoiado em calúnias, provocações, distorções , contra os governos populares e progressistas, repercutem os interesses estratégicos de Washington, se substituem aos partidos nos países onde eles são frágeis e ditam a agenda política. Assim ocorreu e ocorre na Venezuela, na Bolívia, no próprio Equador – só para citar os casos mais agudos. E por que não no Brasil também. “Art. 17 – O Estado fomentará a pluralidade e a diversidade na comunicação e para tanto (…) 3. Não permitirá o oligopólio ou monopólio, direto nem indireto, da propriedade dos meios de comunicação e do uso das freqüências; art. 18 – Todas as pessoas, em forma individual ou coletiva, têm direito a: 1. Buscar, receber, intercambiar, produzir e difundir informação veraz, verificada, oportuna, contextualizada, plural, sem censura prévia acerca dos fatos, acontecimentos e processos de interesse geral e com responsabilidade ulterior”.



Quem se dispuser a ler esta constituição irá descobrir como se desenha uma sociedade mais justa e fraterna, com respeito às diversidades e tolerância, o progresso econômico com distribuição da riqueza sem ofender a natureza, as riquezas naturais e os setores estratégicos em mãos do Estado, os direitos e as obrigações individuais e coletivos distribuídos de forma equânime, o direito à propriedade respeitado o interesse coletivo.



Está por ora no papel. Se um dia se tornar realidade poderemos assistir, num canto de nosso continente, a um fenômeno bem interessante: o florescimento, num pequeno Estado, de uma sociedade socialista.