Bolívia: movimentos comemoram convocatória do referendo

“A marcha foi fundamental. Porque os parlamentares sabiam que se não aprovassem a lei convocando o referendo constitucional, iríamos fechar o Congresso”. As palavras de Patrícia Tellería, panificadora de Santa Cruz, no oriente boliviano, dão bem o tom

A concentração no centro da capital da Bolívia foi a culminação de uma marcha promovida pelos movimentos sociais que apóiam o governo do presidente Evo Morales, iniciada no dia 13, em Caracollo, no departamento de Oruro. Uma semana e cerca de 200 km depois, La Paz foi “tomada” pelos manifestantes.



“A marcha foi de muito sacrifício, mas as organizações do oriente já têm experiência, já sabem como é. Nos trataram muito bem, ficávamos alegres que a marcha se massificava cada vez mais. E a consciência do povo mudou. Já saem a nos saudar, a nos felicitar”, comemora Patricia, que lembra que os povos originários do oriente do país vinham pedindo uma nova Constituição desde a década de 1990.



Segundo ela, os movimentos sociais de Santa Cruz, departamento cujas autoridades e comitês cívicos fazem dura oposição a Evo, se comprometem a garantir que a nova Constituição seja aprovada por 70% da população local. “O povo boliviano está cansado das manobras da direita. As minorias devem aprender a viver não como oposição, mas desfrutando o país que as maiorias vão construir”, diz.



Festa



Mesmo “cansados das manobras da direita”, e exaustos com os sete dias de marcha e com as 24 horas de vigília na frente do Congresso, os movimentos não deixaram de comemorar, efusivamente, a lei que convocou o referendo constitucional.



Após sua promulgação, por Evo Morales – no mesmo palco, montado na Praza Murillo, onde ele, juntamente com ministros e dirigentes de organizações sociais, esperou por quase um dia completo o debate no Parlamento – as dezenas de milhares de pessoas que se encontravam no local iniciaram um desfile em volta da praça, com muita música e dança. As diversas cores dos trajes típicos e os sons dos instrumentos locais completavam o ambiente de alegria incontida.



“Até agora, temos 12 dias de viagem, mas vou voltar feliz com o que foi aprovado aqui”, conta o indígena Antonio Soto Guatara, do departamento do Beni, na Amazônia boliviana, que participou dos 200 km da marcha. “Como disse o Evo, os que vão marchar já sabem que não vão comer nem dormir muito. Por isso, estamos contentes com a aprovação da lei”.



Desde que saiu de Caracollo, no dia 13, a marcha dos movimentos foi ganhando, ao longo dos dias, cada vez mais adeptos. No caminho, os marchantes contaram com a solidariedade dos moradores locais, que contribuíam com alimentos, água e, eventualmente, estadia durante as madrugadas.



Na passagem pela cidade de El Alto (onde Evo Morales aderiu à caminhada) e, posteriormente, na entrada em La Paz, no dia 20, a marcha foi recebida por milhares de pessoas posicionadas ao longo do trajeto em direção ao Congresso, que aplaudiam e gritavam palavras de apoio.



Inimigos



Já na Plaza Murillo, os manifestantes começaram a exigir a aprovação da lei do referendo constitucional e, inclusive, a ameaçar fechar o Parlamento à força caso sua demanda não fosse atendida. Os ânimos iam sendo acalmados periodicamente pelo presidente, que pedia paciência aos movimentos.



Logo após ter promulgado a lei de convocatória do referendo constitucional, Evo Morales agradeceu aos manifestantes por o terem ouvido. Além disso, justificou a decisão de abrir mão de sua reeleição. “Em nome da unidade do país, pelo processo de mudanças, renunciei à reeleição. Agora, posso ir contente para o cemitério, porque cumpri minha missão com o povo. Aí estão novos líderes que estão surgindo, crescendo. O Evo Morales já não é importante. Antes, governavam os doutores. Isso nunca mais vai acontecer. Esse processo é irreversível. Façam o que façam, digam o que digam, o neoliberalismo não vai voltar”, celebrou.



No discurso, o presidente boliviano criticou duramente a oposição regional, que anunciou não reconhecer os acordos fechados no Congresso para se aprovar a lei do referendo sobre a nova Carta Magna.



“Ao rechaçarem tudo que foi modificado, entendo que eles são inimigos da autonomia departamental. São inimigos da pátria, porque estão rechaçando a nacionalização dos recursos naturais, o fato de que os serviços básicos sejam públicos. É hora de identificar os inimigos. Querem bases estrangeiras na Bolívia. Agora podemos ver quem são os entreguistas”, analisou.