Salvador: Caco Barcellos ministra palestra sobre violência
O atraso fez aumentar ainda mais a expectativa do público que lotou o salão nobre da Reitoria da UFBA, no bairro do Canela, em Salvador, que recebeu o jornalista Caco Barcellos, após cerca de 1 hora de espera. “Acho que mereço uma vaia de vocês”, desculpo
Publicado 23/10/2008 21:25 | Editado 04/03/2020 16:21
Convidado do Programa Diálogos Universitários, Barcellos veio à capital baiana especialmente para ministrar a palestra “A Cultura da Violência”, focando na postura do poder judiciário, dos policiais e, em especial, na posição assumida pela mídia dentro deste cenário alarmante – para se dizer o mínimo.
Por ano, o Brasil mata cerca de 38 a 45 mil pessoas e, contrariando o senso comum e a versão oficial, os crimes de latrocínio – assalto seguido de morte – nunca ultrapassaram os 5%. “Afinal, quem é o grande matador brasileiro?” questionou Barcellos. “Quem mais mata e quem mais morre são os jovens trabalhadores, sobretudo dos lugares aonde a cidadania não chega”, afirmou. No Rio de Janeiro, mesmo em plena guerra do narcotráfico, o número de mortes causadas por assaltantes representou 2% segundo o último levantamento.
De acordo com a visão do jornalista, o estado brasileiro é o grande criador da violência. “Existe uma pena de morte capciosa no Brasil, com números inclusive maiores que os dos países onde a prática é legalizada”, destacou. E os dados não deixam espaço para argumentos: a polícia e suas tropas de elite foram responsáveis pela morte de 1.350 mil jovens pobres da periferia no ano de 2007; número superior aos condenados à morte na lei em vigor na China, que foi de 600 presos.
É como se o sistema de punição fosse restrito e exclusivo apenas aos desprovidos de recursos, sobrenome ou status social. “É o judiciário que recrimina o uso de algemas em um banqueiro rico, mas normaliza o tratamento sem qualquer respeito ao preso pobre. É a imprensa que ignora as tragédias diárias nas guerras urbanas, a não ser quando um bacana é atingido por acaso. É a polícia e a forma como encara a pessoa de acordo com a sua classe social, raça e origem”, ressaltou Barcellos em tom crítico.
Em sua explanação, o jornalista citou o recente caso do seqüestro em Santo André, da menina Eloá, como exemplo do quanto a violência faz parte da nossa cultura; e do quanto se cultiva o chamado preconceito de classe. “Só existe assalto com refém num país que admite uma polícia que mata”, criticou. “É a garantia de preservar a vida por meio de uma vida que tenha valor na cabeça dos coronéis da polícia e unidades especiais de combate ao crime”, explicou.
Caco Barcellos mantém-se otimista: “É preciso adotar uma postura intelectualmente inquieta e uma participação politizada. Até mesmo o silêncio é um ato político; e a omissão, muitas vezes, é sinal de apoio”, ponderou. E encerrou, após cerca de 2 horas de palestra, seguida por rodadas de perguntas abertas à participação do público, agradecendo a presença de todos e reforçando as doses de esperança no futuro: “Gostaria muito de encontrar com vocês nas redações, especialmente como repórteres de rua, contando a história de um país sem violência e livre da injustiça social”.
De Salvador,
Camila Jasmin