Dia do Saci vai vencer o Halloween, diz biógrafo de Lobato
Leia entrevista com o pesquisador, jornalista e saciólogo (por favor, não confundir com sociólogo) Vladimir Sacchetta, autor de uma biografia do Monteiro Lobato e integrante da Sosaci (Sociedade dos Observadores de Saci). “As bruxas do Bush, que antes est
Publicado 31/10/2008 20:47
Sacchetta fez boa parte da campanha que resultou na aprovação do Dia do Saci na cidade de São Paulo e no Estado de São Paulo em oposição ao americano Dia das Bruxas.
Agora, por que existe essa rivalidade? Ela existe porque o Saci, depois de perder seu maior patrocinador em 1948, quando morreu Monteiro Lobato, ficou um tanto à mercê das memórias interioranas. Nunca foi esquecido, mas andava meio que abandonado numas florestas ainda não desmatadas por aí.
Até que ele arrumou um grande articulador: é sério, por trás da instituição do 31 de Outubro como o Dia do Saci não está apenas um deputado federal nacionalista. Está Vladimir Sacchetta. Sacchetta também propôs ao MST que “assaciasse” o Saci à educação infantil organizada nos acampamentos.
Ele ainda é o organizador da mostra itinerante do Saci, como sacis antigos e modernos, obra de cartunistas do naipe de Voltolino, Angeli e Paulo Caruso, entre outros, inaugurada em 2005 na Biblioteca Monteiro Lobato, em São Paulo. Atualmente, ela não está em lugar nenhum, mas como ela é itinerante e é do Saci, qualquer hora ela aparece, sem avisar, perto da sua casa, num redemoinho.
Por que o Saci é popular no Brasil?
Vladimir Sacchetta – Ele encarna o lado mais travesso dos brasileiros, é malandro e tem ginga. Apronta mil e uma brincadeiras mas não faz maldades. Você já ouviu falar de alguém que tenha morrido ou tenha se machucado com uma “saciagem”?
De onde surgiu o saci? Por que ele é identificado com o Brasil?
Sacchetta – Nasceu indígena, na parte sul do Brasil, região fronteiriça com o Paraguai. Nessa primeira fase, tinha cor de índio. Com a chegada dos escravos africanos, ele ficou pretinho e ganhou o seu inseparável pito de barro. Mais tarde vestiu o gorro vermelho que chegou na bagagem dos imigrantes europeus e que simboliza, tal qual o piléu dos romanos, sua liberdade. Ou seja, com esses elementos de índio, de negro e de europeu, nosso Saci Pererê representa como ninguém a formação do povo brasileiro.
O Saci é uma espécie de malandro, que sempre apronta e se safa?
Sacchetta – Por causa dessa ginga, da arte da capoeira, do jogo de cintura e até do “molejo dialético”. O Saci faz das suas e cai fora pra morrer de rir dos resultados das suas travessuras. É debochado, cômico e protagonista das mais variadas façanhas. Mas é sempre um mito “do bem”, protetor das florestas e do meio ambiente.
Como você definiria o Saci?
Sacchetta – O perneta é o mais conhecido entre os nossos mitos e puxa a fila das demais crituras fantásticas que ocorrem no país. Tem Saci no Brasil inteiro e em cada região ele aparece de uma forma. Por isso fica difícil defini-lo. Quando Monteiro Lobato fez a pesquisa que resultou no livro “O Saci Pererê: resultado de um inquérito”, as controvérsias sobre ele eram tantas que o próprio Saci veio a público explicar como era. E isso aconteceu em 1917 (o livro foi publicado em 1918).
Com tantos persoangens da mitologia brasileira, por que o povo não se identifica mais com o Boitatá ou a Mula-sem-Cabeça, por exemplo?
Sacchetta – Você já se imaginou identificado com mitos horripilantes como esses? O Saci é só alegria, um negrinho simpático, divertido e com cara de sapeca. Pelas razões já expostas lá em cima, ele congrega os elementos formadores da nossa identidade e isso faz com que o povo identifique-se com ele.
Você encontra-se regularmente com o Saci? Como são as conversas?
Sacchetta – Como um legítimo observador de Sacis, topei com ele em duas ocasiões, no Vale do Paraíba. Mas não deu pra conversar, foi tudo muito rápido, o Saci sumiu de vista aos pulos e se embrenhou na mata.
Qual a diferença entre um observador e um criador de Saci?
Sacchetta – Sou, como todos os companheiros da Sosaci – Sociedade e Observadores de Saci – um observador. Somos contra a captura, prisão ou confinamento de Sacis. Nem que seja em criatórios. A liberdade é o bem maior do Saci, um mito essencialmente libertário. E isso é o que distingue os saciólogos militantes da Sosaci dos “criadores” de Botucatu, membros da ANCS – Associação Nacional dos Criadores de Sacis. Quem cria confina…
E há diferenças comportamentais significativas entre o Saci de Sorocaba (oeste paulista) e o de São Luís do Paraitinga (Vale do Paraíba)?
Sacchetta – Cada Saci é um Saci… Eles são diferentes uns dos outros e assumem características próprias das regiões onde ocorrem.
Quem é (ou quem são) o(s) maior(es) inimigo do Saci? Por quê?
Sacchetta – Os maiores inimigos dos Sacis são aqueles que abrem mão da sua identidade em nome do que é “moderno” e do que vem de fora, especialmente das lojas de departamentos de Maiami (assim mesmo, Maiami… ). São os que preferem festejar o dia do Halloween em vez de celebrar o Saci em 31 de outubro. Os que assistem Pokemóns e outras criaturas esquisitas e enlatadas no lugar dos Sítio do Picapau Amarelo. Em suma, os adoradores das bruxas – e da geopolítica – do Bush!
No país do futebol, um dos seus principais símbolos é perneta! Não há uma contradição aí?
Sacchetta – Quando se fala em acabar com preconceitos de raça, cor ou qualquer outro, especialmente contra os deficientes físicos, não há nada nem ninguém melhor do que o Saci, para representar o Brasil e os brasileiros. E é por isso que defendemos o Saci como mascote da Copa do Mundo de 2014, que será realizada aqui.
Em tempos do politicamente incorreto, como ainda deixam o Saci andar com aquele cachimbo na boca?
Sacchetta – E qual o problema do Saci fumar? O tabaco faz mal à saúde dos seres humanos, disso não há dúvida. Mas não faz mal para os mitos. E tem mais, os mitos, como o Saci, não tem que ser politicamente corretos.
O Saci não deveria ser mais popular no Brasil? Tipo o Astérix na França, o Superman nos Estados Unidos ou o uísque na Escócia? O que falta para ele ficar mais conhecido?
Sacchetta – Ele é muito popular no Brasil, de norte a sul. Não há quem não o conheça, tenha ouvido falar dele e até visto um. Mas a briga com os mitos importados, como a bruxabóbora do Halloween, é uma briga difícil. Para se ter uma idéia da correlação de forças, as bruxas do Bush, que antes estavam circunscritas às escolas de língua inglesa, invadiram até a rede pública de ensino. Mas a vitória do Saci sobre elas virá, disso não tenho dúvida.
Mas não há alguma espécie de equivalentes do Saci em outros países? O Halloween não é o “Dia do Saci” dos americanos?
Sacchetta – Todos os povos e países tem seus mitos, equivalentes ao saci ou não. No caso do Halloween, trata-se de um mito de origem celta que chegou aos EUA com os imigrantes irlandeses. E tudo que chega lá é apropriado pela máquina comercial estadunidense e vira suco, vira produto de consumo. Para se ter uma idéia do que os “bárbaros imperialista” são capazes, basta lembrar que o Papai Noel – isso mesmo, o Papai Noel – teve sua vestimenta original, que era azul, tingida de vermelho para servir aos propósitos de uma campanha da Coca-Cola na virada para os anos 30 do século passado. E ficou vermelho até hoje.
Qual a grande lição que o Brasil tem a aprender com o Saci?
Sacchetta – Que o padrão civilizatório não vem de fora, não vem de Maiami, e sim das raízes multiculturais e multiétnicas riquíssimas que temos. Antes, no tempo em que Lobato pesquisou sobre o Saci, o foco era a Europa, era Paris, e o país pensava em francês e falava a língua portuguesa de Portugal. Hoje, pensa em maiamês e a moda são as “Sales 50% Off”, a comida “Delivery”, os “Parkings” e “Valet Services”, numa clara demonstração de invasão cultural e perda de identidade.
O Saci já leu Monteiro Lobato? O que ele acha dos livros do Sítio do Picapau Amarelo?
Sacchetta – Monteiro Lobato é o maior dos saciólogos que o Brasil já teve. Até o Saci, que vive na escuridão da noite e não é muito chegado a leituras, adora os livros e a turma do Sítio.
Fonte: da redação, com informações do UOL Tablóide