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Dirigente do PCCh debate crise com intelectuais brasileiros

A pedido da delegação do Partido Comunista da China, que veio ao Brasil por conta da realização do 10º Encontro Internacional de Partidos Comunistas e Operários, o PCdoB e a Fundação Maurício Grabois realizaram na tarde deste sábado (22) um encontro entre Hu Yanxin, membro do Departamento Internacional do CC do PCCh, e os intelectuais brasileiros especialistas em economia, Marcos Cintra e Maryse Farhi, ambos doutores  da Unicamp e especialistas em sistema financeiro norte-americano  e inovações financeiras.

DirigentesPela Fundação Maurício Grabois participaram Adalberto Monteiro, presidente, Sérgio Barroso, coordenador do encontro, e Dilermando Toni. Descontraída, o motivo principal da conversa foi apresentar um panorama da situação do Brasil e da China, diante da crise.

Aberta a reunião por Adalberto, e instado por Barroso, o professor Cintra destacou inicialmente a falência do Lehman Brothers, em setembro, como um marco para a reagudização da crise econômico-financeira global. “Naquele momento, a taxa de câmbio no Brasil sofreu uma desvalorização de 37%, índice que um país emergente levaria cerca de um ano para recompor”, afirmou. Isso se deveu, segundo Cintra, à fuga de capitais.

Outra constatação apontada pelo professor ao explicar a situação do país aos chineses foi a de que “o Brasil tem conta de capital aberto, com derivativos muito altos, e diversas empresas que apostaram, especulando, tiveram grandes perdas”. Além disso, ressaltou, “a fonte de créditos conseguidos no mercado internacional secou”. Como conseqüência desses movimentos, os bancos brasileiros sofreram uma crise de confiança. O temor levou as instituições a diminuírem o volume de empréstimos.

Marcos Cintra vê dois caminhos para o período em que a crise perdurar. Um deles atingirá diretamente a balança comercial uma vez que, com diminuição da demanda externa, o Brasil deverá exportar menos. A outra possibilidade atingiria a conta de capitais, na medida em que, também devido à situação instável no mundo, o Brasil passará a atrair menos capital. “O câmbio e o crédito possivelmente serão nossos maiores problemas”, diagnostica Cintra.

Unidade para recuperação
Para Dilermando Toni, “a crise, no Brasil, é um momento de perdas, mas também de oportunidades”. Ele avalia que embora possam acumular perdas num primeiro momento, “agindo de forma unida os países em desenvolvimento podem ter ganhos estratégicos”. No caso específico do Brasil, ressaltou, “é preciso que se faça uma análise cuidadosa levando em conta os dois governos de Luiz Inácio Lula da Silva, marcados por uma política que, ao mesmo tempo em que aposta no desenvolvimento, aplica uma política econômica ortodoxa”. Temos, enfatizou, “uma política híbrida”. Neste contexto estão o pagamento da dívida com o FMI, o aumento das reservas do país – que acumulavam, antes do pico da crise pouco mais de US$ 200 bilhões – e a implantação do PAC. Porém, o desenvolvimento tem mantido índices “medianos” – assinalou Toni.

Dilermando Toni elogiou o trabalho da política externa brasileira em prol da integração entre os países latino-americanos, mas, criticou, “o país segue fazendo uma política macroeconômica conservadora que tem como principais marcas a maior taxa de juros reais do mundo, a conta de capital aberta e um câmbio que não se consegue administrar”. Ele destacou ainda a boa iniciativa do Fundo Soberano, bem como o fato de o governo estar procurando fortalecer o sistema público financeiro especialmente Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES.

Na opinião de Marcos Cintra, da Unicamp, “aparentemente, do ponto de vista financeiro, os desdobramentos mais graves da crise ficaram para trás”, mas ainda há muito pânico em setores da economia real, como as montadoras, onde GM e Ford são casos exemplares. Ele adverte que, agora, o grande risco é que a crise atinja as grandes corporações da economia real. “A profundidade desta crise certamente chegará a todos os países”, ressaltou.

Segundo a professora Maryze Farhi, a América Latina “tende a sofrer como um todo já que é um continente exportador de commodities”. E o Brasil, explicou, além desse fator, enfrenta a desvalorização abrupta da taxa de câmbio, a fragilidade das contas externas a despeito das reservas internacionais robustas. “Os impactos virão, sobretudo, no câmbio, mas também no crédito para o financiamento do setor doméstico e externo”. Cintra concorda: “Hoje, está tudo paralisado. Ninguém quer empresar dinheiro para ninguém”.

O professor da Unicamp disse ainda que mesmo que o ministério da Fazenda e o Banco Central tomem medidas mais severas, “dificilmente vamos manter o PIB (Produto Interno Bruto) de 2008 na casa dos 5%; e para 2009 o índice deverá ficar em torno de 2,5% a 3%”.

Cenário latino-americano
O dirigente chinês Hu Yanxin perguntou ainda sobre as conseqüências da crise, do ponto de vista dos países latino-americanos e o processo de integração entre os países. Segundo Dilermando, no caso da Venezuela, “O país tem um parque industrial pouco desenvolvido e sua economia está muito assentada no petróleo, com exportações para os Estados Unidos e, conforme baixa o preço do barril – que hoje está em torno de US$ 47 – isso repercute fortemente no país”. Brasil e Venezuela, juntamente com outros países da região, vêm tentando aumentar o intercâmbio entre suas economias. A integração latino-americana pode funcionar como contratendência, mas isso, segundo Toni, “precisaria acontecer o mais rápido possível”.

O dirigente chinês também quis saber a visão do PCdoB sobre a eleição de Barack Obama, nos EUA, resposta que ficou a cargo de Sérgio Barroso. “Por um lado, a eleição expressa um forte sentimento de mudanças no seio da sociedade norte-americana e de repúdio generalizado a Bush. Para a região e o Brasil, os democratas sempre foram muito protecionistas, o que se radicaliza nas grandes crises, como agora. Isso poderia agravar as dificuldades já advindas para as exportações da América Latina. Somos exportadores de commodities, é preciso que nos lembremos sempre disso. E, como se sabe muito bem, sendo ele presidente de um país imperialista, não é possível hoje ter grandes expectativas com seu governo”.

Sobre a situação brasileira e concordando com os professores e Toni, Barroso acentuou ainda que “a situação é preocupante”. “Taxa de juros nas alturas, conta de capitais com liberdade irrestrita e câmbio flutuante nunca deu certo em canto nenhum, quanto mais em país subdesenvolvido”, enfatizou.

Impactos na China
Expondo a visão da liderança chinesa sobre os impactos em seu país, Hu Yanxin disse que na China a crise atingiu especialmente as pequenas empresas exportadoras. “Há muito desemprego e o crescimento do PIB diminuiu”, explicou. Ele acha que não será possível manter a impressionante taxa de crescimento de em média 10% dos últimos 10 anos. “Acreditamos que no próximo trimestre ficaremos com em trono de 9%”, disse. Porém, ressaltou, o governo está otimista na recuperação do país. “principalmente porque o povo confia nos governantes e não há a crise de confiança que se vê agora em vários lugares do mundo”.

Ele explicou que o governo chinês tem elaborado “políticas eficientes de combate à crise” e que pretende “ampliar o mercado interno e dirigir mais de US$ 600 bilhões de dólares em novos investimentos, principalmente nas áreas de construção e infra-estrutura, que ajudam o mercado interno e beneficia a população mais pobre”.

Um ponto que ajuda a China é que, conta Hu Yanxin, “após 30 anos de desenvolvimento, nossas reservas são muito altas,  hoje estão em torno de US$ 1,9 trilhão e o PIB de 2007 ficou em US$ 2,6 trilhões”. Segundo o dirigente do PCCh, as ações do governo vão ao encontro da visão científica do desenvolvimento “que tem como norte beneficiar a vida do povo”.

Yanxin disse ainda que um dos grandes desafios da China é resolver as disparidades entre a vida no campo e na cidade, e as diferenças regionais. “Há nas cidades uma renda três vezes maior do que no interior, e essa crise pode abrir caminhos para que diminuamos as diferenças regionais”. Ele reconhece que há muito que fazer: “crescemos muito, mas ainda temos 23 milhões de pessoas na pobreza, de acordo com nossos critérios. A ONU imagina que são 200 milhões. Pregamos a igualdade, a justiça e a ordem para enfrentarmos a crise e melhorar a vida de nosso povo”. “Estamos muito confiantes”, finalizou Yanxin o encontro, encerrado com entusiasmo por Adalberto Monteiro.

De São Paulo,
Priscila Lobregatte