Fidel Castro: 'Conversaremos com Obama onde ele desejar
“Com Obama podemos conversar onde ele o desejar, já que não somos defensores da violência e da guerra”, afirma o líder revolucionário cubano, Fidel Castro, em sua mais recente Reflexão, publicada em Havana nesta quinta-feira. Mas agrega que “d
Publicado 05/12/2008 19:33
Após o discurso de Obama na tarde de 23 de maio deste ano, na Fundação Nacional Cubano-Americana, criada por Ronald Reagan, escrevi uma reflexão intitulada A cínica política do império, com data de 25 de maio. Nela, citei as suas palavras textuais perante os anexionistas de Miami: ''Juntos vamos a procurar a liberdade para Cuba; essa é a minha palavra; esse é o meu compromisso… É hora do dinheiro estadunidense tornar o povo cubano menos dependente do regime de Castro. Vou manter o embargo.''
Depois de incluir várias considerações e exemplos nada éticos sobre o comportamento geral dos presidentes anteriores àquele que resultasse eleito para o cargo nas eleições do dia 4 de novembro, escrevi textualmente:
''Vejo-me obrigado a fazer várias perguntas delicadas:
''1º- É correto que o presidente dos Estados Unidos ordene o assassinato de qualquer pessoa no mundo, seja qual for o pretexto?
''2º – É ético que o presidente dos Estados Unidos ordene a tortura de outros seres humanos?
''3º – É o terrorismo de estado um instrumento que um país tão poderoso como os Estados Unidos deve utilizar para que exista paz no planeta?
''4º – É boa e honrosa uma Lei de Ajuste aplicada para punir um único país, Cuba, para desestabilizá-lo, ainda que custe a vida a crianças e mães inocentes? Se é boa, por que não se aplica o direito automático de residência aos haitianos, dominicanos e habitantes de outros países do Caribe, nem se faz a mesma coisa aos mexicanos, centro-americanos e sul-americanos, que morrem como moscas no muro da fronteira mexicana ou nas águas do Atlântico e o Pacífico?
''5º – Podem os Estados Unidos prescindir dos imigrantes que plantam vegetais, frutas, amêndoas e outras delícias para os americanos? Quem limparia as suas ruas, prestaria serviços domésticos e faria os piores e mais mal remunerados trabalhos?
''6º – São justas as prisões em massa de pessoas sem documentos que afetam inclusive crianças nascidas nos Estados Unidos?
''7º – É moral e justificável o roubo de cérebros e a continua extração das melhores inteligências científicas e intelectuais dos países pobres?
''8º – O senhor afirma que o seu país advertiu faz muito tempo às potências européias que não admitiria intervenções no hemisfério e reiterou a demanda desse direito, reclamando ao mesma tempo o de intervir em qualquer parte do mundo, com o apoio de centenas de bases militares, forças navais, aéreas e espaciais distribuidas pelo planeta. Pergunto-lhe: é dessa maneira que os Estados Unidos expressam seu respeito pela liberdade, a democracia e os direitos humanos?
''9º – É justo atacar de surpresa e preventivamente sessenta ou mais obscuros cantos do mundo, como os chama Bush, seja qual for o pretexto?
''10º- É honroso e sensato investir trilhões de dólares no complexo militar-industrial para produzir armas que podem liqüidar várias vezes a vida na Terra?''
Poderia ter incluído várias perguntas mais.
Apesar das cáusticas interrogações, não deixei de ser amável com o candidato afro-americano, no qual via muito mais capacidade e domínio da arte da política que nos candidatos adversários, não só os do partido oponente mas também no seio do partido dele.
Na semana passada, o presidente eleito dos Estados Unidos, Barak Obama, anunciou o seu Programa de Recuperação Econômica.
Na segunda-feira, 1.º de dezembro, apresentou o encarregado da Segurança Nacional, e ao mesmo tempo o da Política Externa.
''Biden e eu estamos satisfeitos em anunciar nossa equipe de Segurança Nacional… os velhos conflitos ainda não se resolveram e as novas potências que se afirmam colocam mais pressão sobre o sistema internacional. A propagação das armas nucleares cria o perigo de que a tecnologia mais letal do mundo caia em mãos perigosas. A nossa dependência do petróleo estrangeiro fortalece governos autoritários e põe em perigo o nosso planeta.''
''…Nosso poderio econômico tem de ser capaz de manter a nossa força militar, a nossa influência diplomática e a nossa liderança global.''
''Renovaremos velhas alianças e criaremos associações novas e duradouras… os valores dos Estados Unidos são o bem maior que este país pode exportar ao mundo.''
''…A equipe que reunimos aqui hoje está especialmente preparada para fazer justamente isso.''
''…Homens e mulheres [que] representam a todos esses elementos do poderio dos Estados Unidos… eles já prestaram serviços como militares e como diplomatas… partilham o meu pragmatismo sobre o uso do poder e os meus objetivos sobre o papel dos Estados Unidos como líderes do mundo.''
''Conheço Hillary Clinton'', diz.
Não esqueço, por minha parte, que foi a rival do presidente eleito, Barack Obama, e esposa do ex-presidente Clinton, que sancionou as leis extraterritoriais Torricelli e Helms Burton contra Cuba. Durante a sua luta pela indicação democrata, ela comprometeu-se com essas leis e o bloqueio econômico. Não me queixo, simplesmente o faço constar.
''Sinto-me orgulhoso de que ela seja a nossa próxima secretária de Estado'', continuou Obama. ''…gozará de respeito em todas as capitais e, evidentemente, terá a capacidade de fazer avançar os nossos interesses em todo o mundo. A nomeação de Hillary é um sinal, para amigos e inimigos, da seriedade de meu compromisso…''
''No momento em que enfrentamos uma transição sem precedentes, em meio a duas guerras, pedi a Robert Gates que continue no cargo de Secretário de Defesa…''
''Darei ao nosso Secretário Gates e ao nosso exército uma nova missão, assim que eu assumir o cargo: a responsabilidade de por fim à guerra no Iraque, mediante uma transição de sucesso ao controle iraquiano..''
Chama-me a atenção que Gate é republicano e não democrata; a única pessoa que ocupou os cargos de secretário da Defesa e diretor da Agência Central de Inteligência, que tem estado em um ou outro cargo sob a direção do governo de um ou outro partido.. Gates, que sabe que é popular, declarou que primeiro se assegurou de que o presidente eleito o escolheria para todo o tempo que fosse necessário.
Enquanto Condoleezza Rice viajava com instruções de Bush à India e ao Paquistão para mediar as tensas relações entre ambos os países, o ministro de Defesa do Brasil autorizava, há dois dias, uma empresa brasileira a fabricar mísseis MAR-1, mas, ao invés de um, como até agora anunciado, ela faria cinco deles por mês, para vender 100 mísseis ao Paquistão, por um valor total estimado em 85 milhões de euros.
''Estes mísseis são acoplados a aviões e desenhados para localizar radares em terra. Funcionam como uma maneira de monitorar de forma muito eficaz o espaço e também a superfície'', afirma textualmente o ministro na sua declaração pública.
Obama, por sua vez, prossegue imperturbável a declaração da última segunda-feira: ''Para seguir em frente, continuaremos fazendo os investimentos necessários ao fortalecimento do nosso exército e o aumento das nossas forças terrestres, visando derrotar as ameaças do século 21.''
Sobre Janet Napolitano, assinalou: ''Contribui com a experiência e a habilidade executiva que necessitamos na Secretaria da Segurança Interior…''
''Janet assume este papel crucial tendo aprendido as lições dos últimos anos, algumas delas dolorosas, desde o 11 de Setembro até o Katrina… Ela compreende, como todos, o perigo de uma fronteira insegura, e será uma líder capaz de reformar um Departamento que cresce sem controle, sem deixar de proteger a nossa pátria.''
Esta conhecida figura tinha sido designada por Clinton como procuradora do Distrito de Arizona em 1993, promovida a procuradora-geral do Estado em 1998; foi candidata do Partido Democrata em 2002 e eleita mais tarde governadora desse estado fronteiriço, que é a rota de entrada mais usada pelos sem documentos. Foi reeleita governadora em 2006.
Sobre Susan Elizabeth Rice, disse: ''Susan sabe que os desafios globais que enfrentamos exigem instituições globais que funcionem… necessitamos de uma Organização das Nações Unidas mais eficaz'' — afirma com desdém — ''como órgão de ação coletiva contra o terrorismo e a proliferação de armas, a mudança climática e o genocídio, a pobreza e as doenças.
Sobre James Jones, assessor de Segurança Nacional, expressou: ''Estou certo de que o general James Jones está especialmente bem preparado para ser um hábil e enérgico assessor da Segurança Nacional. Gerações de Jones prestaram serviços no campo de batalha, desde as praias de Tarawa, na Segunda Guerra Mundial, até Foxtrot Ridge, no Vietnã. A Medalha de Prata de Jim faz parte do orgulho desse legado… Foi chefe de um pelotão no combate, Comandante Supremo das Forças Aliadas na época da guerra'' (refere-se à Otan e a Guerra do Golfo) ''e trabalhou pela paz no Oriente Médio.''
''Jim está concentrado nas ameaças de hoje e do futuro, pois compreende a conexão entre a energia e a segurança nacional, e tem trabalhado na primeira linha da instabilidade global desde Kosovo até o norte do Iraque e o Afeganistão.
''Ele me assessorará sobre a maneira de usar com eficiência todos os elementos do poderio americano para derrotar ameaças não convencionais e promover os nossos valores.
''Confio em que esta é a equipe de que necessitamos para um novo começo na Segurança Nacional dos Estados Unidos.''
Com Obama podemos conversar onde ele o desejar, já que não somos defensores da violência e da guerra. Deve-se recordar a ele que a teoria da cenoura e do chicote não terá vigência no nosso país.
Nenhuma das frases do seu último discurso contém elementos de resposta às perguntas que formulei em 25 de maio, há apenas seis meses.
Não direi agora que Obama é menos inteligente; pelo contrário, ele está demonstrando as faculdades que me permitiram ver e comparar sua capacidade com as do mediocre adversário John McCain, a quem por pura tradição a sociedade americana esteve a ponto de premiar suas ''façanhas''.
Sem crise econômica, sem televisão e sem internet, Obama não ganharia as eleições, vencendo o onipotente racismo. Também não sem os estudos que fez, primeiro na Universidade de Columbia, onde se formou em Ciências Políticas, e depois na Universidade de Harvard, onde lhe foi outorgado o título de Direito, o que lhe permitiu tornar-se um homem de classe modestamente rica com apenas uns tantos milhões de dólares.
Certamente Abraham Lincoln não era assim, nem esta época se parece com aquela, porque hoje se trata de uma sociedade de consumo onde o hábito de poupar já se perdeu e o de gastar já se multiplicou.
Alguém tinha de dar uma resposta serena e sossegada, que deve navegar hoje contra a poderosa maré das ilusões que Obama despertou na opinião pública internacional.
Resta-me por fim analisar os últimos despachos. Novas notícias chegam de todas as partes. Calculo que só os Estados Unidos gastarão nesta crise econômica mais de 6 trilhões em papel-moeda, que só podem ser valorizados pelos outros povos do mundo com o suor, a fome, o sofrimento e o sangue.
Os nossos princípios são os de Baraguá. O império deve saber que nossa pátria pode se tornar em pó, mas os direitos soberanos do povo cubano não são negociáveis.
Fidel Castro Ruz, Havana, 4 de dezembro de 2008, 17h28