Mestres do Mundo, roda de saberes
Um dos principais momentos do Encontro Mestres do Mundo são as Rodas de Mestres, onde representantes da cultura popular, vindos da maioria dos estados brasileiros, trocam idéias e saberes.
Por: Dawlton Moura.
Publicado 05/12/2008 16:29 | Editado 04/03/2020 16:35
Eita Brasil grande, né, gente… As palavras de Orlângelo Leal, um dos mediadores das Rodas de Mestres, realizadas no Crato Tênis Clube como parte da programação do IV Encontro Mestres do Mundo, vieram após a simples apresentação dos convidados para a roda levar mais de hora e meia. Pudera. A fartura de manifestações era traduzida no entusiasmo com que quem veio de longe festejava, de sorriso no rosto, a oportunidade de estar no Cariri, sendo visto e ouvido, recebendo atenção, se sentindo homenageado pela chance de falar de seus saberes e fazeres.
Somente na Roda do Corpo, a mais concorrida ontem e terça-feira, o primeiro dia de reuniões entre os mestres, no Crato Tênis Clube, contabilizou representantes de 18 estados. Nada menos que 28 manifestações, do reisado à lapinha, do boi-bumbá à congada, da ciranda ao pastoril. Uma amostra de toda a diversidade dos mestres, reunindo ainda em outras quatro rodas, dedicadas ao sagrado, aos sons, às mãos e à oralidade.
Entre os participantes, gente que já viu ´muita coisa na vida´, para usar as palavras de uns dos mestres a tomar assento na Roda do Corpo. Depoimentos marcados por simplicidade e pela satisfação em estar no Cariri, sendo visto e ouvido, se sentindo respeitado, convidado a mostrar sua arte e falar de sua trajetória. Sentimentos ressaltados por quase todos na roda, que, de tanta gente, demandou mais de hora e meia apenas para a apresentação de cada um dos participantes.
´O pai tem uma banda, mandou a gente aqui, que aqui nunca viram a gente. A gente fica muito feliz em ter vindo´, celebrou mestre Juvenal Domingos, 71 anos, do Guerreiro São Pedro Alagoano, presente no Crato ao lado da rainha do grupo, dona Maria José da Conceição. ´A gente fica muito satisfeito de estar aqui hoje, assistindo à apresentação de mestres de todos os estados do Brasil´, concordou Mestre Apolônio, do Bumba-meu-boi da Floresta, de São Luís-MA. Aos 90 anos, aplaudido em profusão.
Entre os participantes, Apolônio era um dos muitos contemplados com o Prêmio Mestre Duda, do Ministério da Cultura, homenagem a personalidades e iniciativas ligadas à cultura popular tradicional. Premiados com R$10 mil cada, vários mestres estiveram presentes, reforçando as rodas em relação à edição anterior do Mestres do Mundo. Graças à realização, integrada ao evento, do III Encontro Nacional de Culturas Populares.
Enquanto na Roda do Corpo o também mediador Oswald Barroso debate com os participantes como promover da melhor forma o diálogo entre as variadas manifestações, ali próximo, na Roda dos Sons, mediada por Gladson Carvalho e Mariana Vieira, as vozes de duas cearenses capturam a atenção. Primeiro, dona Maria do Horto, cantadora de benditos de Juazeiro do Norte, ganha aplausos dos visitantes. Pouco depois, dona Dina, vaqueira de Canindé, emociona os presentes com seus aboios e com uma interpretação única para ´Boiadeiro´, a propósito de seu encontro com Luiz Gonzaga na década de 70, uma das histórias que ela escolheu para compartilhar na roda. Seu Antonio Trajano, de Varjota, rabeca em punho, pega o tom e ladeia em melodia a voz da vaqueira. Mais um dos tantos encontros de saberes no Cariri.
Encontro fraterno no terreiro de mestre Aldenir
Ao cair da noite de quarta-feira no Crato, mestre Aldenir, do Reisado, enfeitou a casa e arregimentou brincantes de várias gerações, para receber a visita dos participantes do Encontro Mestres do Mundo. Foi a primeira das terreiradas promovidas pelo evento, com a proposta de oferecer a oportunidade de contato com os mestres em seus espaços cotidianos. A julgar pelo movimento que tomou conta da vila, lotando o pequeno terreiro, a idéia foi bem aceita.
Que o diga mestre Aldenir, que não parou de cantar, ao comandar os passos das crianças rodopiando nas cores e adereços do reisado, ao som de diferentes ritmos aplicados à tradição e puxados com a ajuda de sanfona, zabumba e triângulo. Em meio às cantigas, saudações do mestre a quem chegava. ´Eu guardei essa surpresa pra vocês. Essas crianças tão aprendendo agora. É o reisado mirim, pra vocês verem o que é as crianças do nosso Cariri, da nossa vila, do nosso Cratim de açúcar´, convidou, reforçando fazer muito gosto na visita. ´No dia que eu me for, eu quero tudo assim. Quero reisado, banda cabaçal, reisado, tocando a noite inteira´.
No roteiro das demais terreiradas do encontro, a noite de ontem apontava para o Sítio Cabeceiras, dos Penitentes de Barbalha. . Hoje, a festa acontece no terreiro de Dona Tatai, mestra da lapinha em Juazeiro do Norte.