Debate expõe rejeição enfática da América do Sul à 4ª Frota
Uma série de críticas e o repúdio enfático da América do Sul à reinstalação da “imperial” 4ª Frota americana deram a tônica do painel “Desmilitarização e Soberania Regional”, realizado em Salvador (BA), neste domingo (14), penúltimo dia da Cúpula dos Povo
Publicado 15/12/2008 16:15
Também participaram do debate a brasileira Socorro Gomes, do Conselho Mundial da Paz e do Cebrapaz (Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz); a uruguaia Ana Juanche, da Separj – América Latina; e o equatoriano Wilton Guaranda, da rede internacional Nobases.
“Antes de tudo, precisamos pensar: por que, 60 depois de desmontar a 4ª Frota, os Estados Unidos pretendem reativá-la?”, questionou Socorro Gomes. Segundo ela, os Estados Unidos instalaram mais de 750 bases pelo mundo, para exercer o controle dos mercados e dos recursos naturais. Hoje em dia, no entanto, a América Latina é uma das regiões com menos interferência americana.
“No século 20, uma sucessão de ditaduras levou nossos povos ao calvário, e em todas elas havia as impressões digitais estadunidenses, que tinham total controle sobre a região. Ainda ficamos frágeis com a década neoliberal, mas a situação mudou”, explica Socorro. “O cenário, agora, é favorável aos países latino-americanos. Praticamente não há mais governantes aqui que sigam os Estados Unidos a ferro e fogo. A única exceção de peso é a Colômbia.”
“Neste momento de soberania de nosso continente, deter a 4ª Frota é impedir que os Estados Unidos encerrem de vez o controle do globo”, pontuou a dirigente brasileira, assinalando a importância estratégica que a América Latina passou a ter. Socorro também lembrou que os Estados Unidos “perderam o discurso de Dom Quixote. Nos anos 50 e 60, eles chegaram até a ser conhecidos como um país que defendia o meio ambiente”.
Já Ana Juanche frisou que a dominação dos Estados Unidos sobre o continente sul-americano “é, de alguma forma, um fenômeno muito particular e multidimensional”. Na opinião dela, os ataques à região não se restringem apenas a propostas como o Plano Colômbia ou a Alca. “A denominação pode ocorrer, entre outras formas, pelas tentativas de monopolização do mercado, pela usurpação das riquezas de um povo, pela exploração de recursos naturais alheios, como água, minerais e florestas”, explicou Ana. “Eles de tal modo impõem sua força – e também sua cultura – que procuram suplantar os valores locais.”
“Doutoras e enfermeiras lindas”
Em seu discurso, Juan Roque deu ênfase à “maior autonomia dos governos em relação aos Estados Unidos” – algo que, segundo ele, “é, historicamente, um acontecimento maravilhoso”. O argentino ainda salientou que as últimas conferências de ministros da Defesa da América do Sul consideraram o subcontinente como uma “região de paz” – a parte do globo que menos gasta com Defesa.
“É por isso que, ao divulgar a 4ª Frota, os Estados Unidos dissimulam – prometem médicos e remédios, mostram fotos de doutoras e enfermeiras lindas, ou de comandantes distribuindo almoços e brindes às criancinhas”, diz Roque. “Se a 4ª Frota fosse só de doutoras e enfermeiras, o comandante seria um médico – e não esses comandos treinados para matar.”
Wilton Guaranda aproveitou o painel para registrar que seu país, o Equador, tomou uma audaciosa decisão em outubro, ao não renovar convênio com a base aérea americana de Manta. “O Equador atravessou muitas crises econômicas e políticas. Nessas horas, os Estados Unidos vinham a nós oferecendo ajuda humanitária – uma estratégia de Madre Tereza de Calcutá.”
Segundo Guaranda, “enquanto os países da região estão revisando suas constituições e avançando no rumo da soberania, os Estados Unidos despertaram e tentam recuperar terreno”. Para o equatoriano, a herança da influência americana deixa um ensinamento: “a integração deve ser política e econômica, mas deve preservar também a soberania supranacional”.
De Salvador,
André Cintra