Mundial ou Intercontinental? Polêmica não tem fim
A mídia esportiva brasileira criou uma celeuma estéril e inútil nos últimos oito anos, ao insuflar paixões clubísticas e não dar os nomes aos devidos bois. Quando a Fifa resolveu criar o Campeonato Mundial de Clubes, em 1998, já existia uma competição
Publicado 18/12/2008 15:13
A idéia de uma disputa entre europeus e sul-americanos nasceu durante a copa do mundo de 1958, na Suécia. O francês Henry Delaunay, então presidente da União Européia de Futebol Associação (Uefa) foi quem sugeriu a competição, que se tornaria uma importante disputa entre clubes da América do Sul e da Europa.
Iniciada em 1960, a Copa Europa-América do Sul, como foi nomeada, era disputada pelos clubes campeões da Copa dos Campeões da Europa (Atual Liga dos Campeões) e Taça Libertadores da América (Atual Copa Libertadores da América). Os jogos eram disputados pelo sistema de duas partidas, uma em cada país. Caso houvesse dois empates ou cada clube vencesse um jogo, uma terceira partida seria realizada.
Clubes das federações da América do Norte, da América Central, da Ásia, África e Oceania não eram convidados a jogar.
A Copa foi assim disputada de 1960 a 1968, quando começaram a surgir alguns problemas. Os clubes europeus se queixavam da forma abrupta e muitas vezes violenta que os times sul-americanos — principalmente argentinos, como o Estudiantes e o Independiente — utilizavam quando jogavam em suas casas. Havia também a falta de segurança nos estádios.
Por várias vezes os campeões da Europa deixaram de participar da competição. O Ajax recusou-se a disputar a Copa em 1971 e 1973, contra equipes argentinas e uruguaias, sendo substituído pelos vices. Os alemães do Bayern de Munique também se recusaram, assim como os ingleses do Liverpool e do Nottingham Forest. A maioria desses casos deveu-se a falta de datas no calendário.
O torneio não foi disputado em 1975 e 1978. Falta de datas no calendário, violência de alguns times, insegurança nos estádios, falta de neutralidade de árbitros, filosofias divergentes de jogo eram apontadas como as razões do desprestígio da competição.
A situação mudou quando o futebol, assim como os demais esportes, começou a ser visto como uma ferramenta de marketing. Na Europa, os clubes já começavam a ostentar patrocínio nas camisas, em troca de boas quantias de dinheiro. Surgiu então o interesse de uma montadora japonesa, que pretendia abrir caminho para seus automóveis no mercado europeu e sul-americano, em patrocinar a Copa Europa-América do Sul. O capitalismo passava a explorar o esporte de modo mais intenso.
A partir de 1980 o torneio passa a ser denominado Copa Intercontinental-Copa Toyota, e o modo de decidi-lo muda de maneira a agradar e facilitar os dois lados envolvidos. Os dois campeões continentais disputariam apenas uma partida, que se terminasse empatada seria decidida nos pênaltis. Tem início assim a segunda fase do “Mundial Interclubes”, desta vez apenas no Japão e que é como a competição ficou conhecida no Brasil.
Os clubes brasileiros, eurocêntricos, desprezavam o torneio, embora tivessem vencido em duas ocasiões com o poderoso time do Santos, em 1962 e 1963, contra as equipes do Benfica e do Milan. Em 1976 o Cruzeiro de Belo Horizonte foi a Munique e perdeu por 2 a 0 para o Bayern, num jogo disputado sob neve. No jogo de volta, um empate em 0 a 0 deu a taça ao time alemão, que sequer comemorou, correndo de volta aos vestiários para não perder o vôo para a Alemanha.
Os clubes brasileiros começam a dar importância ao torneio depois das vitórias de Flamengo (81) e Grêmio (83). A mídia também passa a valorizar, de certo modo corretamente, o torneio como um título mundial.
O sucesso da fórmula e a cada vez maior corrente de dinheiro movida pelo futebol faz a Fifa começara a pensar em um torneio equivalente, de fato mundial. Em 1998 a entidade cria o Mundial e indica como sede o Brasil. As cidades de São Paulo e Rio de Janeiro são as escolhidas para o mundial que foi realizado em janeiro de 2000.
A Fifa, ao não aceitar os títulos anteriores da Copa Intercontinental como realmente mundiais, desata uma grande polêmica na mídia brasileira. Também movida pela paixão clubística, parte da mídia procurou minimizar o torneio criado pela Fifa, de modo semelhante ao que aconteceu com a Copa do Mundo de seleções no início do século 20.
No resto do mundo não houve polêmica tão intensa quanto no Brasil. Os grandes clubes europeus dão valor merecido à Intercontinental, mas hoje dão muito mais valor à atual competição, cujo prêmio financeiro é também mais lucrativo.
Algo parecido ocorreu com a Copa do Mundo de seleções. A competição mais importante do futebol mundial, até 1930, era a Olimpíada. Seus vencedores eram considerados os campeões mundiais e essa competição teve importância até o período que antecede a Segunda Guerra Mundial. Depois da guerra, a Copa do Mundo realizada pela Fifa, por várias razões, ganha destaque e enorme interesse, colocando a disputa olímpica em outro plano.
A mesma lógica pode ser aplicada a essas competições interclubes. A Fifa fracassou em realizar o segundo torneio, em 2001. Um dos motivos foi a falência da empresa que patrocinaria o torneio. Outro foi o desinteresse de algumas federações da Europa, que não queriam bancar financeiramente o torneio. A segunda edição foi adiada para 2003, daí foi cancelada. Isso é apontado como um fato que contribui para a mídia não aceitar ou valorizar o Campeonato Mundial de Clubes.
Em 2004 surge novamente o Japão, que não tinha deixado de promover a Intercontinental. Fifa e Toyota chegaram a um denominador comum em termos financeiros e ressurgiu assim o Mundial. A segunda edição foi realizada em 2005, quando o São Paulo bateu o Liverpool por 1 a 0 e venceu seu primeiro Campeonato Mundial de Clubes da Fifa. O clube já havia conquistado a Intercontinental em duas ocasiões, em 1992 e 1993.
Realizada até 2001 em Tóquio, a Copa Intercontinental passou a ser disputada em Yokohama, que também sedia a final do mundial desde 2005. A partir de 2009 e até 2011 o Campeonato Mundial de Clubes da Fifa será disputada em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, reunindo os clubes campeões de cada uma das federações e mais o clube campeão nacional do país sede.
Essa discussão estéril, se o Interclubes é mundial ou não, é insuflada pela mídia desde 2000 e é marcada pela paixão clubística. Não se pode negar que as vitórias obtidas antes do torneio com chancela da Fifa sejam importantes, mas também não se pode atribuir uma natureza “mundial” a um evento disputado por representantes de apenas duas das seis federações mundiais de futebol associadas à Fifa.
Mas o assunto não é racional, como lembram alguns jornalistas. Alguns argumentam que “não se deve guiar pelo que determina ou sugere uma entidade como a Fifa, e sim pela tradição que cada competição é — ou foi — capaz de construir. Talvez daqui a 20 anos o antigo formato do Mundial caia em desuso e só o atual conte pra valer, assim como o Campeonato Brasileiro”, argumenta esse jornalista, que não é da área esportiva.
Sugiro então a parte da mídia brasileira, para ser justa, que passe então a considerar o Uruguai tetracampeão mundial, visto que o país venceu as olimpíadas de 1924 e 1928 e a copa do mundo de 1930 e 1950. Assim como deveria considerar o Reino Unido tricampeão do mundo, pelas conquistas de 1900, 1908 e 1912. A Itália seria pentacampeã, pois venceu também a olimpíada de 1936. A Hungria teria um tricampeonato mundial (1952,1964,1968). E até o Canadá seria campeão do mundo, já que venceu a olimpíada de 1904.
No âmbito nacional, essa mídia deverá então considerar o Santos octacampeão brasileiro, além do octacampeonato do Palmeiras, do bicampeonato do Fluminense, do Bahia e do Cruzeiro, considerando dessa forma a conquista destes clubes na Taça Brasil, no Torneio Roberto Gomes Pedrosa, tidos como os campeonatos brasileiros da década de 1950 e 1960, além dos atuais títulos do campeonato brasileiro de futebol, iniciado em 1971.
Para mais informações sobre o Campeonato Mundial de Clubes, basta visitar o site da Fifa: http://www.fifa.com/clubworldcup/index.html. A Copa Europa América não tem site oficial, mas há alguma informação a respeito na Wikipedia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Campeonato_Mundial_de_Clubes.