José Cícero – Adeus, Zé Sozinho!
Com enorme pesar registro o falecimento do cearense de José Raimundo Cavalcante, conhecido sob a alcunha de ''Zé Sozinho'', ocorrido nesta terça-feira (27), em Juazeiro do Norte no Cariri. Assim de cara, poucos saberiam de quem se trata tal nota de faleci
Publicado 28/01/2009 11:22 | Editado 04/03/2020 16:35
Zé Sozinho, não poderia receber outro nome que não fosse este de uma sociedade excludente, míope, cruel e indiferente aos pequenos, sobretudo aqueles que fizeram a opção pela maioria (os pobres e miseráveis). Os que fizeram da sua vida um sacerdócio em favor do bem e de uma causa nobre, mesmo no anonimato da mídia e longe dos banquetes das elites, assim como dos holofotes de uma imprensa que só tem olhos para a mesmice e para castelos dos poderosos.
Zé Sozinho era tão humilde, consciente e espirituoso que logo absorveu com naturalidade e senso de humor este epíteto. Aliás, algo que lhe caíra como uma luva, em parte pelo fato de aumentar a sua ''fama'' entre alguns dos raros aparelhos midiáticos do Sul. O que não foi lá muita coisa, nem para o trabalho que fazia e, tampouco, para si mesmo. Era por assim dizer, um transgressor em potencial. Um homem de exceção como bem dissera certa feita o filósofo Nietzsche.
Oriundo da agricultura granjeou, contra tudo e contra todos, relativo sucesso ao popularizar a sétima arte entre os excluídos dos sertões. Tantas foram as cidadezinhas, muitas delas até hoje, nunca tinham conhecido de perto uma projeção cinematográfica, que Zé Sozinho, só ele e Deus, conseguiu realizar a troco de nada. Tudo em nome da paixão que mantinha pelo cinema.
Zé respirava cultura e sofria de diabetes. Doença que durante anos tentou curar por meio do amor e a determinação que dedicou às projeções pelas bibocas do nosso interior. Não teve jeito. Zé Sozinho não curou a diabetes, mas deu um grande exemplo de cidadania e solidariedade cultural para o Ceará e o Brasil: fez a sua parte da melhor forma possível como protagonista e diretor do filme maior que foi a sua vida. O cinema para ele, era uma arma para a feitura do bem. Um instrumento pelo qual se poderia mudar a face do país, assim como a cabeça e o coração das pessoas.
Era filho do Caririaçu. Rincão que ele carregava junto com o seu projetor, pesado, para onde quer que fosse. Seu apelido se deu em função desse seu ofício. Sozinho, no decurso de 36 anos, viveu da sua paixão pelo cinema. Qualquer lugar para ele, era ideal para uma projeção cinemática. No meio da praça, debaixo da ponte, na rua deserta, no tabuleiro da caatinga, no galpão abandonado, no adro da igreja, tudo era possível.
Ágio, disposto e inteligente, subia ele mesmo na árvore, montava o alto-falante. Debaixo dela instalava o seu velho projetor e logo a alegria estava garantida. Seus filmes eram a um só tem: entretenimento e lenitivo para quase todas as agruras e as dores daquele mundão esquecido de meu Deus.
Filmes antigos, às vezes emendados, mas bons, consagrados e fascinantes para uma gente que nunca na vida conhecera um cinema de verdade. Tudo ali era novo. Até Coração de Luto, o ébrio, imagens esportivas de Pelé, Garrinha do Flamengo antigo no canal 100, O dólar furado, Casa Blanca, Romeu e Julieta, Mazzaropi, Chaplin Oscarito e outras pérolas raras da Vera Cruz e Atlântida, a partir de Zé Sozinho, pareciam novinhas em folha não fosse o riscado e o preto e branco. Muitos até choravam durante suas projeções romanescas como nos velhos tempos.
Seu enterro acontece nesta quarta-feira (28) na sua Caririaçu, serra de São Pedro, onde certamente ficará mais perto de Deus, eternamente, assim como os filmes que apresentava pelos grotões adentro. Hollyood não sabe, mesmo assim me arisco a dizer que o cinema verdadeiro perdeu muito. Está de luto com o desencarne de Zé Sozinho. Mesmo aqui, neste canto escondido do Brasil.
Por absoluta força do acaso, tive o prazer de conhecê-lo, não de carne e osso, mas pela telinha mesmo estando tão próximos. Foi numa noite por meio do programa do Jô Soares da TV Globo, quando Zé Sozinho foi entrevistado. Estava radiante de felicidade. Falava dos filmes com se estivesse no estrelato, dentro deles. Achei bárbaro aquele homem simples, diferente e determinado. Depois do programa fiquei matutando: como eu, um pesquisador sempre atento às coisas do mundo, nunca ouvi falar daquela figura da cidadezinha vizinha de nós?! E disse para mim mesmo: – Algo está errado. Nossos talentos não merecem tanto desprezo. A quem podia interessar tanto ostracismo?! No fundo todos nós sabemos a resposta…
Zé Sozinho falava do Cariri e do seu Caririaçu com doçura. Era um abnegado, incompreendido pelos que se acham iluminados, mas que só enxergam os caminhos do poder. Os verdadeiros coitados e ignorantes porque a arte e a cultura não dependem e nem precisam deles.
Zé Sozinho foi um ''inteirado'' fazedor de sonhos, justamente para tantos que perderam a capacidade de sonhar. Por isso, agora Deus haverá de vê-lo lá em cima com bons olhos. Fellini, Mazzaropi e tantos outros amantes inveterados da sétima arte não o permitirão sequer que continue sendo chamado como entre nós. Porque no céu nosso Zé, nunca mais estará sozinho. Quem sabe os imortais passem a chamá-lo simplesmente de Zé do Povo.
Adeus grande Zé! Agora você nunca mais ficará Sozinho. Porque sozinhos ficamos nós, os sertanejos do Cariri e do Nordeste inteiro, sem as suas mirabolantes e sensacionais projeções de bondade, educação, saudade, cultura e alegria.
Por: José Cícero – Aurora/CE
Fonte: Blog do José Cícero