José Cícero – D. Helder Câmara: 100 anos de nascimento, uma década de Saudade e Ostracismo

Neste dia 7 de fevereiro comemoramos (ou pelos menos deveríamos ter comemorado) o Centenário de nascimento do imortal homem do Bem – D. Helder Câmara. Decerto, a maior figura que o nosso Ceará já projetara para o Brasil e o mundo. Um homem singular. Um no

D. Helder teve o poder que o animava, mas nunca se fez um homem do poder. Foi padre e Bispo de Olinda-PE. Como um homem de Deus e de coragem não vacilou nem por um instante, naquilo que decidiu empreender em favor dos desfavorecidos da sorte e da guerra social. Ao seu modo, procurou dar a única arma que dispunha aos que precisam manter-se vivo diante da dura faina da sobrevivência – a fome de justiça e a consciência de que a conquista seriam imperativos dos que lutam e fazem com que as coisas e o bem aconteçam para todos. O crucifixo ao peito era seu escudo. Ao contrário de muitos, nunca compartilhou com a idéia e, tampouco com o discurso, de que a pobreza e o sofrimento existiam porque Deus os queria.  A riqueza material assim como a miséria absoluta eram produtos unicamente da esperteza dos homens. E por sua vez não constituíam realidades imutáveis. Seus assistidos compreenderam isso.



 
Por sua estreita dedicação aos pobres, fora certa feita, igualmente acusado de comunista. E a partir daquele momento, também sofreu na pele a perseguição e a covardia dos poderosos. Dos que, invés de Deus no coração mantinham o desejo de poder. Porém, nada disso o afastou dos oprimidos. Muito pelo contrário – juntou-se a eles. Ou mais, fez-se o tempo todo um deles…


 


Enquanto sacerdote de Roma conseguiu fazer da religião que o animava e professava, um verdadeiro instrumento de Deus, por meio do qual seria possível transformar a vida para melhor através da solidariedade, da justiça, da educação e da verdade. Desta maneira fizera cumprir como nunca, a assertiva cristã da divisão efetiva do pão e do amor com os que deles necessitavam, sobretudo os desgraçados dos sertões e os perseguidos do asfalto, por quem sobreviver apenas mais um dia no mundo-cão já era  um grande milagre.


 


Dom Helder foi um autêntico jardineiro do bem e da justiça social… Por isso é inconcebível que hoje, justamente na data do seu centenário, quase ninguém e quase nada seja visto à guisa de lembrança, no nosso meio, sobretudo nas igrejas, nos estratos do poder, nas escolas e, tampouco na imprensa. É como se o nosso conterrâneo ainda estivesse por algum motivo sendo perseguido, por esta que é seguramente, a pior forma de degredo e de exílio, que é o ostracismo e o esquecimento quase total.


 


Sabia que tínhamos memória curta, mas não tanto para esquecer D. Helder. Será que alguém se esquece tão rápido assim dos BBB's da vida, do tricampeonato, do Pelé, das novelas das oito, da musicazinha apelativa de sucesso, das bundas rebolantes, da Carla Perez, do livro fraquinho do Paulo Coelho?!  E por aí vai…


 


Mas, nosso irmão do bem é de fato inesquecível. Porque o seu exemplo de coragem, entrega, amor, desprendimento  e dedicação aos oprimidos não morre nunca. O futuro a partir de hoje, já começa a provar que D. Helder foi e será para o todo e sempre, um homem  póstumo. Nós é que ainda estamos atrasados rememorá-lo. Por isso viverá para sempre naqueles que nunca perderam a esperança, a ousadia e a capacidade de lutar pelo que consideram justo e necessário à concretização dos seus sonhos.


 


Arrisco-me a dizer que as nossas utopias mais gritantes daqui para frente terão a marca e o próprio nome do velho homem do bem: D. Helder Câmara. Graças a Deus! Uma maldade saber-se que na véspera do seu centenário um prédio público (TRT de Fortaleza) do nosso Ceará tenha quase retirado (seu nome) como antiga homenagem a D. Helder – um símbolo da luta contra a ditadura e uma vez até concorrente ao prêmio Nobel da Paz.


 


Mas, a memória de D. Helder permanecerá como uma rocha plantada no meio da caatinga do Ceará e do próprio Nordeste desafiando as inclemências do sol, assim como a sequidão das pessoas e a solidão do poder. Porque todo o resto, D. Helder estará lá de cima intercedendo por nós ao lado de Deus. Posto que suas palavras ainda ecoam  aos ouvidos dos que têm ouvidos para ouvir e dias para sonhar todas as utopias de viver.


 


Um pouco de D. Helder viverá para sempre em cada um de nós, que não desistimos de acreditar numa vida possível: mais fraterna, prazerosa, igualitária, harmoniosa, solidária e de justiça social para todos.


 


Mesmo sabendo que poucos são ainda ao que conseguem rebuscar no fundo da memória esta lembrança. Por que aqui no Brasil é assim. Existe uma verdadeira cultura que instiga e apregoa aquilo que  denominamos de “memória do esquecimento”. Somos por natureza psicológica, eternos e inveterados 'esquecedores'. Por isso, não é de todo errado a velha afirmação que diz que os “brasileiros têm memória curta”. Quem sabe pela nossa própria história de percalços e sofrimentos, a natureza impôs a genética do dom de esquecer rápido o nosso passado. Uma maneira de não continuarmos sofrendo permanentemente, a memória do passado por intermédio do presente e do futuro. Mas, digamos, isso é uma desculpa deveras espalhafatosa. Apenas mais uma no meio de tantas outras, dentre as quais a  própria falta de uma educação mais consistente e popular aos moldes dos mestres Paulo Freire, Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro.


 


Viva D. Helder! E que D. Helder viva para sempre em nós…



 
José Cícero é Professor, poeta e escritor