Alternativas à democratização da mídia marcam debate do PCdoB
No primeiro dia do Encontro de Comunicação do PCdoB, o fortalecimento de uma rede pública de comunicação deu o tom dos debates. Cerca de 80 pessoas de 18 estados participaram do evento, na sede do partido, em São Paulo. “Vivemos um momento de clara evoluç
Publicado 15/02/2009 12:58
Jornalista experiente no mundo político, Tereza fez uma radiografia do modelo brasileiro de televisão, copiado do estadunidense, que privilegia a iniciativa privada e as leis da publicidade em detrimento do Estado, uma das razões que contribuíram para o atraso das redes públicas de comunicação.
Ela lembrou que no período da ditadura militar, embora tenha havido a criação de instrumentos estatais de comunicação, a colaboração entre donos dos meios de comunicação e ditadores ajudou a estagnar tal processo e, em contrapartida, a fortalecer o sistema privado. “Com o passar do tempo, as redes de comunicação foram sendo sucateadas”, explicou, lembrando que hoje já existem iniciativas positivas de reconstrução das redes como a Educativa do Paraná e a Aperipê, de Sergipe.
Tereza também destacou falhas na lei que dificultam a democratização da comunicação. “Nossa Constituição começou mais progressista e terminou mais conservadora”, disse referindo-se especialmente ao capítulo V, que trata da Comunicação Social.
Embora reconheça que o governo Lula se atrasou na discussão, Tereza destacou a iniciativa da criação da EBC em 2007. “Se der certo, vamos poder quebrar a hegemonia exercida pelo poder privado”, colocou. E ressaltou: “Com a primeira Conferência Nacional de Comunicação, poderemos finalmente mexer no marco regulatório”. Ainda que a EBC seja pequena, disse, “já percebemos que há um incômodo dos empresários com a gente”. Para ela, “só uma tevê estatal é capaz de fazer uma rede que, de fato, faça a diferença” e democratize a comunicação no Brasil.
Empresa estatal com controle social, a EBC é sustentada por orçamento federal da ordem de 350 milhões de reais anuais e como parte da tarefa de incrementar as ações da empresa, trabalha pela regulamentação do uso de 10% do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel) e pela criação de uma rede ampla que envolva novos canais públicos e mesmo comunitários.
Atualmente, a EBC conta com uma rede ainda limitada que engloba a TVE do Rio de Janeiro, a TV Nacional de Brasília, a TVE do Maranhão e um novo canal em São Paulo. Outra proposta estudada é que voltem às mãos públicas canais privatizados na era FHC ou mesmo distribuídos e usados de maneira clientelista por políticos locais. “Ainda hoje os que querem fazer pagam pelos que roubam”, lamentou. Como principais metas para este ano, a diretora-presidente da EBC destacou: “queremos fazer um choque de qualidade na programação e ampliar nossa cobertura geográfica”.
Olhar sobre a América Latina
Defensor de primeira hora da integração entre os países latino-americanos, Beto Almeida, diretor da Telesul, tratou da importância de se trabalhar a unidade também no âmbito das comunicações. Inicialmente, ressaltou que “é essencial que os partidos políticos, como o PCdoB está fazendo, discutam e combatam a hegemonia privada na mídia. Devemos trabalhar duramente para assegurar que a comunicação seja um elemento civilizador que atue contra a brutalidade do capitalismo”.
Confiante na saída pela integração, Almeida destacou o papel da Telesul – canal multiestatal criado em 2005 e que envolve Argentina, Bolívia, Cuba, Equador, Nicarágua e Venezuela. “A situação da América Latina está mudando e a Telesul é prova disso. Não se faz transformações de fundo na comunicação se não houver um cenário propício e a revolução bolivariana tem sido essencial para se recuperar os espaços públicos midiáticos”.
Contra o que qualificou de “baixarias embrutecedoras da mídia capitalista”, Almeida defendeu que o investimento estatal em comunicação não deve ser um tabu e precisa ser encarado como a saída para se enfrentar em pé de igualdade a hegemonia privada. “Não é possível fazer qualquer processo de democratização real da mídia sem o fortalecimento da comunicação pública, com a ajuda estatal”. E para tanto, salientou, é necessário o protagonismo consciente do Estado. “O contradiscurso precisa do Estado ou corre-se o risco de o Estado ser engolido pelos conglomerados privados”.
Tratando especificamente da Telesul, Almeida lembrou que o canal “faz hoje a comunicação anti-hegemônica”. “Os povos da América Latina têm fortalecido as políticas públicas de combate ao neoliberalismo e a Telesul prova que esse processo tem levado à recuperação dos espaços públicos midiáticos”. Para ampliar a rede de comunicação entre os países latino-americanos, já se estuda hoje uma parceria entre a EBC e a Telesul.
Almeida criticou a “grande mídia” especialmente no que diz respeito ao tratamento jornalístico das iniciativas democratizantes dos governos latinoamericanos. Ele citou como exemplo a Operação Milagre, parceria entre Venezuela e Cuba que atendeu cerca de 500 mil pessoas que perderam a visão. “Isso, para eles, não é notícia, mas um perfume lançado na Europa é”, criticou. O mesmo tratamento teve o reconhecimento da Venezuela pela Unesco como território livre do analfabetismo, bem como o lançamento, pelo país, do satélite socialista, fato que foi até mesmo ridicularizado. “A verdade é que a mídia trabalha pela desintegração dos países da América Latina”, afirmou.
Radiodifusão brasileira
A apresentação feita por Laurindo Leal Filho, o Lalo, ouvidor da EBC, focou-se nos aspectos característicos da radiodifusão brasileira. “A idéia de Roquete Pinto, de levar a comunicação a todos os brasileiros, não pôde ir adiante e o sistema foi marcado, desde o início, pelas iniciativas privadas. Nosso povo passou a conceber tal modelo como o único possível”, recordou.
Ele assinalou que para além da participação estatal na comunicação, é preciso haver maior intervenção da sociedade. “Deve haver, por parte dos brasileiros, o sentimento de pertencimento das alternativas públicas de comunicação”. E afirmou: “travamos uma batalha política diária contra aqueles que repudiam essa idéia (de democratização da comunicação). Daí a necessidade de haver sustentação da sociedade e foi isso que fez, por exemplo, com que a BBC de Londres sobrevivesse à era de privatizações de (Margaret) Thatcher”.
Para sobreviver aos anos 80, o setor público de comunicação na Europa adotou alguns formatos que Lalo descreveu durante sua exposição. Entre eles o conselho suprapartidário (formado por pessoas de partidos diversos que tenham conseguido a confiança da população por não terem outros interesses se não do desenvolvimento da comunicação pública); a concepção da radiodifusão como palco de arena política (com representação dos partidos proporcional à sua participação parlamentar) e a intervenção estatal mais forte, como ocorreu na Itália e na Grécia. Tal alternativa, alertou Lalo, pode, no entanto, abrir espaço para que o controle absoluto da comunicação fique nas mãos do chefe de Estado, como acontece com Silvio Berlusconi.
Tratando das formas de controle e financiamento das empresas públicas de mídia, Laurindo Leal Filho destacou o controle governamental; público (sem interferência estatal); o apoio comercial limitado e o modelo de maior intervenção governamental nos setores público e privado.
Sobre o papel da tevê pública, Lalo colocou como princípios norteadores a universalidade geográfica; o apelo universal no conteúdo; universalidade de pagamento, ou seja, a não dependência exclusiva do governo; identidade nacional; atendimento às minorias; competição por melhores formatos e qualidade na produção de conteúdo e o estímulo às novas criações.
Experiência sergipana
A comunista Indira Amaral, presidente da TV Aperipê, de Sergipe, expôs o antes e o depois do canal desde que assumiu o posto. “A situação era esdrúxula. A estrutura estava totalmente sucateada”, lamentou.
O canal sofria pela falta de infra-estrutura que ia desde equipamentos obsoletos até o mau funcionamento de instrumentos básicos, como a antena retransmissora. “O povo tinha até um slogan para o canal: TV Aperipê, a tevê que ninguém vê”, brincou.
Depois de assumir em 2007 a Fundação Aperipê – que engloba ainda duas rádios, uma AM, outra FM –, Indira fez uma pequena revolução. “Agora, o povo sergipano de fato se vê na Aperipê. Ficamos 20 horas no ar e 80% da programação vem da TV Brasil e também ajudamos a TV Brasil com materiais locais. Já fizemos cerca de 140 matérias sobre o estado para ser veiculado pelo canal”, explicou. O restante da programação é feito no estado e privilegia as manifestações populares locais, o que criou uma forte identidade entre a população e a tevê.
Nesse sentido, também foi importante a aquisição, pela Aperipê, do direito de transmitir o campeonato estadual de futebol, briga ganha contra um peso-pesado: a rede Record. “E estamos dando outros passos importantes, mas isso depende muito da formação de uma rede e também da utilização de um canal digital”, explicou.
Finalizando a primeira parte dos debates, Renato Rabelo, presidente do PCdoB, que acompanhou a parte da manhã, disse que “o PCdoB colocou em seu programa político a democratização dos meios de comunicação como fator fundamental para uma mudança profunda de nossa sociedade”. Além disso, lembrou, “o partido defende a integração latinoamericana, o que tem sido feito de maneira consistente pela Telesul”.
Para Rabelo, o trabalho por uma nova forma de comunicação quebra o formato privado dos meios de comunicação, “responsáveis pela manutenção do status quo” e de reafirmação das desigualdades. “O PCdoB não é um partido atuante apenas nas eleições e no que diz respeito à democratização da mídia, tem provocado um debate permanente. Esse assunto entrou no fluxo da luta de ideias e é um dos pilares essenciais para se resolver os problemas de nosso povo”.
Políticas públicas de comunicação
O período da tarde foi marcado pelo debate sobre as políticas públicas de comunicação. Depois da explanação de Fábio Cesnick, advogado especializado em políticas públicas de cultura – que aprofundou os aspectos legais do assunto – foi a vez de João Brant, coordenador do Coletivo Intervozes, tratar de alguns aspectos que permeiam a adoção de tais políticas.
Brant destacou o papel do PCdoB nessa batalha. “O partido tem sido um importante parceiro do Intervozes. Temos muitas afinidades”, colocou. Ele lembrou que no Brasil “não há tradição de políticas públicas para a comunicação” e para viabilizá-las, é necessário, hoje, pensar numa economia política da comunicação.
A televisão, enfatizou, “tende naturalmente à concentração e à monopolização”, ou seja, “é preciso que haja a intervenção do Estado”. Conforme salientou, “precisamos ter acesso real à informação; hoje, o acesso é muito concentrado” em alguns setores sociais.
Ao tratar da informação, Brant colocou o ciclo que faz parte de sua realização: produção, empacotamento, distribuição e acesso ou consumo. “Se uma dessas etapas tiver barreiras ao seu pleno funcionamento, o sistema de comunicação não vinga”, alertou. Portanto, concluiu, “para fazer valer o direito humano à comunicação, é preciso pensar políticas que desobstruam os gargalos desse ciclo”.
Em seguida, Brant tratou das violações do direito à comunicação, advindas, segundo ele, especialmente de cinco pontos: a privatização do espaço público midiático com reflexo na divisão do espectro; concentração da propriedade dos meios de comunicação; asfixiamento da participação da sociedade nos meios de comunicação; ausência de sistema público de comunicação e restrições à comunicação comunitária.
Do ponto de vista das diretrizes para políticas públicas locais de comunicação, Brant apontou a redistribuição (garantir o acesso a condições mínimas para aquela parte da população desprovida de condições de acesso à comunicação); emancipação (impulsionar formas alternativas de comunicação) e desenvolvimento local (contribuir com processos de integração entre comunicação e outras áreas).
Trazendo o local para o âmbito de atuação nacional, o comunista Célio Turino, secretário de Projetos e Programas Culturais do Ministério da Cultura, falou da iniciativa dos Pontos de Cultura – cujo sucesso resultou também na criação dos Pontos de Mídia Livre, que contarão com cerca de 4,2 milhões em prêmios para iniciativas de comunicação compartilhada e participativa. Turino foi um dos responsáveis pela mudança de foco do MinC desde a chegada de Lula ao poder. Desde então, o ministério tem trabalhado em prol de ações que estimulem e valorizem a cultura popular e inclusiva.
Ao trabalhar sob esse prisma, Turino destacou: “a busca do bem comum também na comunicação – sem privilegiar o mercado, mas a sociedade – é uma forma de se resgatar os princípios comunistas”. No caso dos Pontos de Cultura, disse, “colocamos os meios de comunicação nas mãos dos produtores”.
Finalizando, refletiu: “o senso comum é a morte de qualquer política pública porque é conservador da ordem vigente”.
O Encontro Nacional de Comunicação do PCdoB termina neste domingo (15) com balanço e perspectivas da atuação do partido na área.
De São Paulo,
Priscila Lobregatte
Atualizada às 17h20