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Alternativas à democratização da mídia marcam debate do PCdoB

No primeiro dia do Encontro de Comunicação do PCdoB, o fortalecimento de uma rede pública de comunicação deu o tom dos debates. Cerca de 80 pessoas de 18 estados participaram do evento, na sede do partido, em São Paulo. “Vivemos um momento de clara evoluç

Jornalista experiente no mundo político, Tereza fez uma radiografia do modelo brasileiro de televisão, copiado do estadunidense, que privilegia a iniciativa privada e as leis da publicidade em detrimento do Estado, uma das razões que contribuíram para o atraso das redes públicas de comunicação.


 


Ela lembrou que no período da ditadura militar, embora tenha havido a criação de instrumentos estatais de comunicação, a colaboração entre donos dos meios de comunicação e ditadores ajudou a estagnar tal processo e, em contrapartida, a fortalecer o sistema privado. “Com o passar do tempo, as redes de comunicação foram sendo sucateadas”, explicou, lembrando que hoje já existem iniciativas positivas de reconstrução das redes como a Educativa do Paraná e a Aperipê, de Sergipe.


 


Tereza também destacou falhas na lei que dificultam a democratização da comunicação. “Nossa Constituição começou mais progressista e terminou mais conservadora”, disse referindo-se especialmente ao capítulo V, que trata da Comunicação Social. 


 


Embora reconheça que o governo Lula se atrasou na discussão, Tereza destacou a iniciativa da criação da EBC em 2007. “Se der certo, vamos poder quebrar a hegemonia exercida pelo poder privado”, colocou. E ressaltou: “Com a primeira Conferência Nacional de Comunicação, poderemos finalmente mexer no marco regulatório”. Ainda que a EBC seja pequena, disse, “já percebemos que há um incômodo dos empresários com a gente”. Para ela, “só uma tevê estatal é capaz de fazer uma rede que, de fato, faça a diferença” e democratize a comunicação no Brasil.


 


Empresa estatal com controle social, a EBC é sustentada por orçamento federal da ordem de 350 milhões de reais anuais e como parte da tarefa de incrementar as ações da empresa, trabalha pela regulamentação do uso de 10% do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel) e pela criação de uma rede ampla que envolva novos canais públicos e mesmo comunitários.


 


Atualmente, a EBC conta com uma rede ainda limitada que engloba a TVE do Rio de Janeiro, a TV Nacional de Brasília, a TVE do Maranhão e um novo canal em São Paulo. Outra proposta estudada é que voltem às mãos públicas canais privatizados na era FHC ou mesmo distribuídos e usados de maneira clientelista por políticos locais. “Ainda hoje os que querem fazer pagam pelos que roubam”, lamentou. Como principais metas para este ano, a diretora-presidente da EBC destacou: “queremos fazer um choque de qualidade na programação e ampliar nossa cobertura geográfica”.


 


Olhar sobre a América Latina


 


Defensor de primeira hora da integração entre os países latino-americanos, Beto Almeida, diretor da Telesul, tratou da importância de se trabalhar a unidade também no âmbito das comunicações. Inicialmente, ressaltou que “é essencial que os partidos políticos, como o PCdoB está fazendo, discutam e combatam a hegemonia privada na mídia. Devemos trabalhar duramente para assegurar que a comunicação seja um elemento civilizador que atue contra a brutalidade do capitalismo”.


 


Confiante na saída pela integração, Almeida destacou o papel da Telesul – canal multiestatal criado em 2005 e que envolve Argentina, Bolívia, Cuba, Equador, Nicarágua e Venezuela. “A situação da América Latina está mudando e a Telesul é prova disso. Não se faz transformações de fundo na comunicação se não houver um cenário propício e a revolução bolivariana tem sido essencial para se recuperar os espaços públicos midiáticos”.


 


Contra o que qualificou de “baixarias embrutecedoras da mídia capitalista”, Almeida defendeu que o investimento estatal em comunicação não deve ser um tabu e precisa ser encarado como a saída para se enfrentar em pé de igualdade a hegemonia privada. “Não é possível fazer qualquer processo de democratização real da mídia sem o fortalecimento da comunicação pública, com a ajuda estatal”. E para tanto, salientou, é necessário o protagonismo consciente do Estado. “O contradiscurso precisa do Estado ou corre-se o risco de o Estado ser engolido pelos conglomerados privados”.


 


Tratando especificamente da Telesul, Almeida lembrou que o canal “faz hoje a comunicação anti-hegemônica”. “Os povos da América Latina têm fortalecido as políticas públicas de combate ao neoliberalismo e a Telesul prova que esse processo tem levado à recuperação dos espaços públicos midiáticos”. Para ampliar a rede de comunicação entre os países latino-americanos, já se estuda hoje uma parceria entre a EBC e a Telesul.


 


Almeida criticou a “grande mídia” especialmente no que diz respeito ao tratamento jornalístico das iniciativas democratizantes dos governos latinoamericanos. Ele citou como exemplo a Operação Milagre, parceria entre Venezuela e Cuba que atendeu cerca de 500 mil pessoas que perderam a visão. “Isso, para eles, não é notícia, mas um perfume lançado na Europa é”, criticou. O mesmo tratamento teve o reconhecimento da Venezuela pela Unesco como território livre do analfabetismo, bem como o lançamento, pelo país, do satélite socialista, fato que foi até mesmo ridicularizado. “A verdade é que a mídia trabalha pela desintegração dos países da América Latina”, afirmou.


 


Radiodifusão brasileira


 


A apresentação feita por Laurindo Leal Filho, o Lalo, ouvidor da EBC, focou-se nos aspectos característicos da radiodifusão brasileira. “A idéia de Roquete Pinto, de levar a comunicação a todos os brasileiros, não pôde ir adiante e o sistema foi marcado, desde o início, pelas iniciativas privadas. Nosso povo passou a conceber tal modelo como o único possível”, recordou.


 


Ele assinalou que para além da participação estatal na comunicação, é preciso haver maior intervenção da sociedade. “Deve haver, por parte dos brasileiros, o sentimento de pertencimento das alternativas públicas de comunicação”. E afirmou: “travamos uma batalha política diária contra aqueles que repudiam essa idéia (de democratização da comunicação). Daí a necessidade de haver sustentação da sociedade e foi isso que fez, por exemplo, com que a BBC de Londres sobrevivesse à era de privatizações de (Margaret) Thatcher”.


 


Para sobreviver aos anos 80, o setor público de comunicação na Europa adotou alguns formatos que Lalo descreveu durante sua exposição. Entre eles o conselho suprapartidário (formado por pessoas de partidos diversos que tenham conseguido a confiança da população por não terem outros interesses se não do desenvolvimento da comunicação pública); a concepção da radiodifusão como palco de arena política (com representação dos partidos proporcional à sua participação parlamentar) e a intervenção estatal mais forte, como ocorreu na Itália e na Grécia. Tal alternativa, alertou Lalo, pode, no entanto, abrir espaço para que o controle absoluto da comunicação fique nas mãos do chefe de Estado, como acontece com Silvio Berlusconi.


 


Tratando das formas de controle e financiamento das empresas públicas de mídia, Laurindo Leal Filho destacou o controle governamental; público (sem interferência estatal); o apoio comercial limitado e o modelo de maior intervenção governamental nos setores público e privado.


 


Sobre o papel da tevê pública, Lalo colocou como princípios norteadores a universalidade geográfica; o apelo universal no conteúdo; universalidade de pagamento, ou seja, a não dependência exclusiva do governo; identidade nacional; atendimento às minorias; competição por melhores formatos e qualidade na produção de conteúdo e o estímulo às novas criações.


 



Experiência sergipana


 


A comunista Indira Amaral, presidente da TV Aperipê, de Sergipe, expôs o antes e o depois do canal desde que assumiu o posto. “A situação era esdrúxula. A estrutura estava totalmente sucateada”, lamentou.


 


O canal sofria pela falta de infra-estrutura que ia desde equipamentos obsoletos até o mau funcionamento de instrumentos básicos, como a antena retransmissora. “O povo tinha até um slogan para o canal: TV Aperipê, a tevê que ninguém vê”, brincou.


 


Depois de assumir em 2007 a Fundação Aperipê – que engloba ainda duas rádios, uma AM, outra FM –, Indira fez uma pequena revolução. “Agora, o povo sergipano de fato se vê na Aperipê. Ficamos 20 horas no ar e 80% da programação vem da TV Brasil e também ajudamos a TV Brasil com materiais locais. Já fizemos cerca de 140 matérias sobre o estado para ser veiculado pelo canal”, explicou. O restante da programação é feito no estado e privilegia as manifestações populares locais, o que criou uma forte identidade entre a população e a tevê.


 


Nesse sentido, também foi importante a aquisição, pela Aperipê, do direito de transmitir o campeonato estadual de futebol, briga ganha contra um peso-pesado: a rede Record. “E estamos dando outros passos importantes, mas isso depende muito da formação de uma rede e também da utilização de um canal digital”, explicou.


 


Finalizando a primeira parte dos debates, Renato Rabelo, presidente do PCdoB, que acompanhou a parte da manhã, disse que “o PCdoB colocou em seu programa político a democratização dos meios de comunicação como fator fundamental para uma mudança profunda de nossa sociedade”. Além disso, lembrou, “o partido defende a integração latinoamericana, o que tem sido feito de maneira consistente pela Telesul”.


 


Para Rabelo, o trabalho por uma nova forma de comunicação quebra o formato privado dos meios de comunicação, “responsáveis pela manutenção do status quo” e de reafirmação das desigualdades. “O PCdoB não é um partido atuante apenas nas eleições e no que diz respeito à democratização da mídia, tem provocado um debate permanente. Esse assunto entrou no fluxo da luta de ideias e é um dos pilares essenciais para se resolver os problemas de nosso povo”.


 


Políticas públicas de comunicação


 


O período da tarde foi marcado pelo debate sobre as políticas públicas de comunicação. Depois da explanação de Fábio Cesnick, advogado especializado em políticas públicas de cultura – que aprofundou os aspectos legais do assunto – foi a vez de João Brant, coordenador do Coletivo Intervozes, tratar de alguns aspectos que permeiam a adoção de tais políticas.


 


Brant destacou o papel do PCdoB nessa batalha. “O partido tem sido um importante parceiro do Intervozes. Temos muitas afinidades”, colocou. Ele lembrou que no Brasil “não há tradição de políticas públicas para a comunicação” e para viabilizá-las, é necessário, hoje, pensar numa economia política da comunicação.


 


A televisão, enfatizou, “tende naturalmente à concentração e à monopolização”, ou seja, “é preciso que haja a intervenção do Estado”. Conforme salientou, “precisamos ter acesso real à informação; hoje, o acesso é muito concentrado” em alguns setores sociais.


 


Ao tratar da informação, Brant colocou o ciclo que faz parte de sua realização: produção, empacotamento, distribuição e acesso ou consumo. “Se uma dessas etapas tiver barreiras ao seu pleno funcionamento, o sistema de comunicação não vinga”, alertou. Portanto, concluiu, “para fazer valer o direito humano à comunicação, é preciso pensar políticas que desobstruam os gargalos desse ciclo”.


 


Em seguida, Brant tratou das violações do direito à comunicação, advindas, segundo ele, especialmente de cinco pontos: a privatização do espaço público midiático com reflexo na divisão do espectro; concentração da propriedade dos meios de comunicação; asfixiamento da participação da sociedade nos meios de comunicação; ausência de sistema público de comunicação e restrições à comunicação comunitária.


 


Do ponto de vista das diretrizes para políticas públicas locais de comunicação, Brant apontou a redistribuição (garantir o acesso a condições mínimas para aquela parte da população desprovida de condições de acesso à comunicação); emancipação (impulsionar formas alternativas de comunicação) e desenvolvimento local (contribuir com processos de integração entre comunicação e outras áreas).


 


Trazendo o local para o âmbito de atuação nacional, o comunista Célio Turino, secretário de Projetos e Programas Culturais do Ministério da Cultura, falou da iniciativa dos Pontos de Cultura – cujo sucesso resultou também na criação dos Pontos de Mídia Livre, que contarão com cerca de 4,2 milhões em prêmios para iniciativas de comunicação compartilhada e participativa. Turino foi um dos responsáveis pela mudança de foco do MinC desde a chegada de Lula ao poder. Desde então, o ministério tem trabalhado em prol de ações que estimulem e valorizem a cultura popular e inclusiva.


 


Ao trabalhar sob esse prisma, Turino destacou: “a busca do bem comum também na comunicação – sem privilegiar o mercado, mas a sociedade – é uma forma de se resgatar os princípios comunistas”. No caso dos Pontos de Cultura, disse, “colocamos os meios de comunicação nas mãos dos produtores”.


 


Finalizando, refletiu: “o senso comum é a morte de qualquer política pública porque é conservador da ordem vigente”.


 


O Encontro Nacional de Comunicação do PCdoB termina neste domingo (15) com balanço e perspectivas da atuação do partido na área.


 


De São Paulo,
Priscila Lobregatte


 


 


Atualizada às 17h20