'Folha' tenta reescrever a história, diz historiadora
A historiadora Beatriz Kushnir é responsável por um resgate histórico de acontecimentos os quais boa parte da imprensa brasileira prefere ocultar. Em seu livro Cães de Guarda — Jornalistas e Censores, do AI-5 à Constituição de 1988, a autora p
Publicado 06/03/2009 18:13
Com a polêmica envolvendo o termo “ditabranda”, utilizado pelo jornal Folha de S.Paulo, muitos intelectuais e militantes perseguidos durante o regime trataram de relembrar o papel que o grupo empresarial que controla o periódico até hoje exerceu durante o regime.
O principal foco de colaboração ao regime, de acordo com o livro de Kushnir, estava justamente em um órgão da empresa Folha da Manhã, a extinta Folha da Tarde. Nesse veículo, atuaram jornalistas ligados a grupos de esquerda, até que o jornal passou a ser controlado diretamente por agentes da repressão, ficando conhecido como o “Diário Oficial da Operação Bandeirantes”. Notícias de mortes de presos políticos apareciam em primeira mão na FT, ainda que elas ainda nem tivessem acontecido, como no caso de Joaquim Alencar de Seixas.
Sobre a atual fase editorial do jornal Folha de S.Paulo, Beatriz Kushnir afirma que a imagem “democrática” que foi construída em torno do periódico é resultado de uma estratégia de marketing construída no período da campanha pelas Diretas. Veja trechos da entrevista abaixo.
Tendo em vista os acontecimentos recentes relacionados ao jornal Folha de S. Paulo, você identifica uma tentativa de reconstruir uma imagem mais branda da ditadura militar?
Eu acho que isso acontece há bastante tempo em diversos setores da sociedade brasileira. É curioso que, no aniversário de 30 anos do AI-5 , em 1998, o Jânio de Freitas publicou uma coluna na Folha de S.Paulo dizendo que os jornalistas que já atuavam naquela época, continuavam nas redações e escreviam histórias de si, de 30 anos atrás, que não correspondiam aos fatos. Ou seja, ele chamava atenção sobre essa reconstrução de memória que já acontecia naquele momento.
E isso vem ocorrendo em diversos setores da sociedade brasileira. Se você analisa um site de relacionamentos, como o Orkut, poderá ver várias comunidades relacionadas a esse tema em que os militantes reescrevem suas histórias de maneira muito diferente do o que realmente aconteceu naquele momento. São militantes de esquerda, mas que, em determinado momento, se vincularam às forças de direita e utilizam esse mecanismo para reescrever sua história.
Qual sua opinião sobre a resposta do periódico aos professores Fabio Konder Comparato e Maria Victoria Benevides?
Foram respostas inusitadas. O que surpreendeu a todos foi a violência da resposta. Por isso se mobilizou essa petição que recebeu tantos adeptos. Vale perguntar para a Folha o porquê disso ter acontecido. Não podemos esquecer que um jornal é uma empresa privada que vende serviço público, o leitor paga por essa informação ao comprar o jornal. Quando alguém se propõe a ter um jornal, por mais que seja uma enorme fonte de poder, está se vinculando informações, então é uma responsabilidade muito grande.
Os intelectuais Fabio Konder Comparato e Maria Victoria Benevides afirmam que a postura da Folha de S. Paulo faz parte de uma contra-ofensiva, dos setores conservadores, que visa desmoralizar o debate sobre os crimes da ditadura. Você também partilha desta opinião?
Eu acho que pode ter uma relação com essa contra-ofensiva também. Mas acho que está na hora da sociedade civil, principalmente dos meios acadêmicos, se posicionar sobre as medidas que o governo vem tomando em relação ao acesso à informação.
Sobre esse assunto, é preciso destacar uma nota do secretário especial de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, ressaltando a importância de se realizar uma expedição longa ao Araguaia para que se achem ossadas. Mas, antes disso, há que se rever a lei 11.111 de 2005 que fechou acesso aos documentos da ditadura. Ela foi criada ainda no governo Fernando Henrique, tornou-se uma medida provisória e depois uma lei, no governo Lula.
Com essa medida, a muitas coisas que eu vi para minha tese de doutorado entre 1996 e 2001, provavelmente eu não teria acesso agora. Muitas vezes essa questão do direito à informação tem passado a largo.