Lula lamenta 'comportamento conservador' de arcebispo
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva lamentou, nesta sexta-feira, o que chamou de “comportamento conservador” do arcebispo de Recife e Olinda, d. José Cardoso Sobrinho, ao criticar o aborto de uma menina de 9 anos e anunciar a excomunhão de todos os
Publicado 06/03/2009 17:00
“Como cristão e como católico, lamento profundamente que um bispo da Igreja Católica tenha um comportamento, eu diria, conservador como esse. Não é possível permitir que uma menina estuprada (pelo) padrasto tenha esse filho, até porque a menina corria risco de vida. Eu acho que, neste aspecto, a medicina está mais correta que a Igreja”, afirmou o presidente, em entrevista coletiva concedida em Vitória (ES), após cerimônia de lançamento do programa Território de Paz .
“A medicina fez o que tinha que ser feito, salvar a vida de uma menina de 9 anos. (…) Agora o trabalho psicológico que vai ter que ser feito em cima dessa menina para recuperar a cabeça dela, possivelmente leve décadas para que essa menina volte à normalidade”, completou Lula.
O presidente já havia comentado o caso anteriormente e o classificado como um “processo de degradação da sociedade”. Ele disse ainda que “os pais têm que dar exemplo dentro de casa” e que a luta contra o problema da segurança pública deve “partir da nossa casa”.
Gravidez
A gravidez foi descoberta depois que a garota começou a reclamar de vômitos e dores de cabeça e no abdome. Ao ser levada pela mãe à Casa de Saúde São José, em Pesqueira, município próximo de Alagoinha, foi detectada a gravidez dos gêmeos, que estavam na 16ª semana.
O padrasto dela, acusado pelo estupro, foi preso na noite do último dia 26. Segundo a polícia, ele confessou o crime e afirmava que planejava fugir da cidade. O homem, de 23 anos, não pode ter o nome divulgado por orientação do Ministério Público de Pernambuco, já que o caso envolve uma menor de 18 anos.
Além da menina de 9 anos, o suspeito também teria confessado que abusou sexualmente da outra irmã, de 14 anos, portadora de deficiência mental. O rapaz vivia com a família desde 2005.
Risco de vida
Para o ginecologista e obstetra, Sérgio Cabral, a menina corria risco de vida caso a gestação prosseguisse. “Havia uma série de possibilidades. A garota poderia desenvolver eclâmpsia (hipertensão e a presença de proteína na urina), pré-eclâmpsia, entrar em trabalho de parto prematuramente e até haver uma ruptura uterina. “Uma gravidez gemelar numa mulher já se configura como de 'alto-risco', imagine em uma criança”, afirmou.
O ginecologista não quis comentar as declarações da Igreja, mas disse que em vinte anos de profissão nunca presenciou um caso de uma gravidez em alguém tão jovem. Ainda segundo ele, deve haver casos semelhantes na literatura médica, mas eram raríssimos e difíceis de prever as conseqüências.
O médico Rivaldo Albuquerque, que auxiliou no procedimento de aborto na menina de 9 anos, lamentou a postura do arcebispo. Esta é a segunda vez que ele entra em choque com a Igreja nessa questão. Quando participou da criação, no Recife, de um serviço de atenção às mulheres violentadas, que faz o aborto nos casos previstos por lei, ele foi excomungado pela primeira vez. Mesmo assim, o médico diz que não vai deixar de ir à missa.
“A minha tristeza se dá porque a Igreja poderia levar para um outro lado, o lado da fraternidade, mas leva para o lado do conflito. O povo quer uma igreja de perdão, amor e misericórdia, não essa igreja”, afirma o obstetra.
O caso causou comoção e revolta no Recife e pelo mundo. A repercussão foi ainda maior pela reação da Igreja ao aborto.
A equipe que fez o aborto vem recebendo e-mails de médicos do país inteiro – foram mais de 500 mensagens de apoio até agora. Para os especialistas, não havia e não há nenhuma dúvida de que interromper a gravidez foi a decisão correta e de que, sobre essa conduta, não cabe a intervenção da Igreja.
“Nós estávamos dentro de um princípio legal, uma criança vítima de estupro e que corria risco de morte se continuasse gestante”, encerra o médico.
Com informações do Terra