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'Folha' precisa tirar os esqueletos do armário, diz Azenha

A Folha de S.Paulo tem uma dívida com seus leitores. Se cobra tanta transparência de qualquer instância governamental, o jornal da família Frias precisa então acertar as contas com sua própria história, tirar os esqueletos do armário e admitir

Filho de um ex-militante do PCB que foi preso e perseguido pela ditadura, Azenha fala com conhecimento de causa e espírito de luta. Não à toa, o experiente jornalista, com mais de 35 anos de atuação, foi uma das primeiras personalidades a rechaçar o termo “ditabranda” — usado pela Folha, em editorial de 17 de fevereiro, para qualificar os governos dos generais-presidentes.


 


Tampouco foi por acaso que o blog de Azenha, o Vi o Mundo, fez a melhor cobertura do ato em protesto contra a tese da “ditabranda”, no último sábado, em frente à sede do jornal paulista. “Um grande número de pessoas se deu conta de que nós precisamos acertar as contas com o que aconteceu em 1964 no Brasil”, declara Azenha. “A Folha de S.Paulo, como empresa jornalística, tem esqueletos no armário para tirar.”


 


Confira abaixo trechos de sua entrevista ao Vermelho.


 


Por que o Vi o Mundo optou em dar uma cobertura tão ampla a um ato que foi ignorado pela grande mídia?
É justamente por isso. Meu trabalho como jornalista é todo voltado para furar o bloqueio e colocar no site o que não sai na imprensa. Quero mostrar aos leitores do Vi o Mundo que o que a grande mídia divulga é apenas um recorte da realidade de acordo com seus interesses políticos e econômicos.


 


O ato não vai sair na Globo — não sei nem se vai sair na Record. Não sei se vai sair ou não em alguma emissora, nos jornais. Mas sei que tem muita gente na internet querendo saber disso, ver as fotos daqui, ver as entrevistas. Essa é a estratégia.


 


Não foi a primeira vez — nem a segunda, nem a terceira — que a Folha relativizou a ditadura militar. O que fez com que o editorial de 17 de fevereiro rendesse mais protestos que o normal? Será que o uso do termo “ditabranda” foi o que ajudou a tornar realmente clara a posição da Folha e a canalizar essa reação?
Eu acho que é isso — mas não é só isso, não. Um grande número de pessoas se deu conta de que nós precisamos acertar as contas com o que aconteceu em 1964 no Brasil. A Folha de S.Paulo, como empresa jornalística, tem esqueletos no armário para tirar.


 


Vi recentemente um jornal americano, no interior da Carolina do Norte ou do Alabama — não me recordo o estado —, que fez um mea-culpa sobre a cobertura que havia feito dos direitos civis nos Estados Unidos nos anos 60. Ao admitir que havia arquivado matérias e deixado de publicar fotos, o jornal fez um acerto de contas com seu público. É uma posição de respeito com o leitor.


 


Como é que a Folha — um jornal que cobra transparência do governo federal, do governo estadual, governo municipal, dos órgãos públicos — não é transparente com o seu passado? Porque é seriíssima essa acusação de que a Folha emprestou um jornal e automóveis para agentes da ditadura. Isso é apoio material à tortura.


 


Como disse o Egmar (José de Oliveira, membro da Comissão Anistia do Ministério da Justiça), tudo isso vai virar público. A Folha podia ser o primeiro jornal a lidar com o seu próprio passado. Essas acusações contra ela estão em livro — está tudo documentado.


 


Eu entrevistei o (jornalista e ex-preso político) Ivan Seixas. Ele viu o carro da Folha da Tarde a serviço da Oban (Operação Bandeirantes). É uma acusação seriíssima para um jornal que se diz compromissado com o seu público. Quando é que eles vão lidar com isso? Como é que eles podem cobrar transparência de quem quer que seja?


 


A Folha acabou de publicar também um artigo do historiador Marco Antônio Villa em defesa da ditadura…
Mas olha: isso é apenas uma questão de opinião. Ele, se quiser, pode falar que a melhor coisa do mundo é se jogar do 15º andar — e lidar com isso é problema da Folha. Só acho que a preocupação realmente mesmo é o revisionismo histórico. Pode ser uma tentativa de esconder a gravidade que foi o comprometimento do jornal como instituição com um regime ilegal que torturou, matou, reprimiu, censurou.


 


Meu blog está fazendo uma matéria sobre a epidemia de meningite dos anos 70. Quantas pessoas não morreram por causa daquela epidemia? São vítimas também da ditadura, porque ela censurou informações de saúde pública. Isso dá uma dimensão do que foi aquele regime. Não dá para fazer revisionismo.


 


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