Histadrut: a federação do trabalho sionista, em Israel
A Histadrut — literalmente: “A Federação” — sempre foi uma estranha criatura. Em praticamente todos os países, o trabalhador filia-se a um sindicato, quase sempre filiado a uma federação nacional de trabalhadores. Em Israel é o contrário: primeiro a pe
Publicado 12/03/2009 13:05
Ainda menos conhecido é o fato de que a Histadrut – federação dos trabalhadores colonos judeus – foi a organização sionista responsável pelos primeiros passos da organização do Estado de Israel. É o que conta Golda Meir, ex-primeira-ministra de Israel: “Então [em 1928] fui posta no Comitê Executivo da Histadrut, num momento em que essa grande união de trabalhadores era apenas um órgão de organização de trabalhadores. Era uma grande agência de colonização.” [1] Pinhas Lavon, como secretário-geral da Histadrut, chegou ao ponto de descrever a organização, em 1960, como “uma organização geral, ampla, em essência. Não é união de trabalhadores, nem sindicato.” [2] O primeiro primeiro-ministro de Israel, David Ben-Gurion, declarou que “não sei se chegaríamos a ter um Estado, em Israel, sem a Histadrut”. [3]
Hoje, a Histadrut é uma sombra do que foi. No início, a Histadrut chegou a ser o segundo maior empregador do setor público em Israel, proprietária de 25% da indústria estatal israelense; nos anos 80-90 praticamente todas as indústrias da Histadrut foram privatizadas. O golpe final contra o poder da Histadrut foi a Lei Nacional de Saúde de 1995, que rompeu os laços que uniam a “Federação” e o Sistema Nacional de Saúde de Israel [Kupat Holim]. O número de trabalhadores filiados à Histadrut caiu, de 1,6 milhão em 1994, para 650 mil em 1996 – e os 150 mil árabes filiados cairam para menos de 50 mil. [4]
Politicamente, a Histadrut operava como um dos braços da política exterior de Israel e dos EUA. In 1958, criou-se, na Histadrut, o Instituto Internacional para Desenvolvimento, Cooperação e Estudos do Trabalho [International Institute for Development, Co-operation and Labor Studies], como meio para defender e divulgar os interesses ocidentais no Terceiro Mundo. Metade dos técnicos foram recrutados na África e 40% na Ásia. [5] E em 1960 a Histadrut criou o Instituto Afro-asiático para Estudos do Trabalho e Cooperação [Afro Asian Institute for Labor Studies and Cooperation], financiado pela CIA, através da AFL-CIO. Trabalhava para implementar interesses dos EUA em países africanos, dentre os quais Zaire e Quênia. [6]
Naquele momento, quando até os sindicatos de direita e social-democratas opunham-se ao apartheid, a Histadrut foi a única organização trabalhista que colaborou com o governo do apartheid na África do Sul. A Iskoor produtora de aço, controlada por 51% de votos das Indústrias Koor, da Histadrut; e 49% da South African Steel Corporation, produzia então o aço consumido pelas forças armadas da África do Sul do regime do apartheid. Parte desse aço era produzido em Israel e levado por mar para a África do Sul, o que baixava o custo a ser pago pelos governos do apartheid, que se livravam de pagar várias tarifas. [7]
Outras indústrias cujos trabalhadores constituíam a Histadrut – como a Tadiran & Soltam, por exemplo – também vendiam armas para a África do Sul. [8] A Histadrut também colaborou na construção da cerca eletrificada entre a África do Sul e a Namíbia e outros Estados africanos, usada para isolar os movimentos guerrilheiros. [9] Aí desenvolveram o know-how precursor, usado depois no muro do apartheid entre Israel e a Cisjordânia.
Contudo, à medida que diminuiu a importância econômica da Histadrut, aumentou sua importância política.
A Histadrut é reconhecida pela Confederação Internacional dos Sindicatos do Trabalho [International Confederation of Free Trade Unions] como representante de todos os operários e trabalhadores israelenses. Sempre foi considerada parte da 'esquerda' em Israel e favorável à reconciliação e à paz com os árabes; as delegações enviadas ao exterior sempre incluem pelo menos um delegado árabe.
Foi portanto um choque para muitos, quando, recentemente, a Histadrut manifestou seu apoio aos ataques contra Gaza: “Israel não teve escolha; foi obrigada a reagir aos repetidos ataques e agressões sofridos. A guerra de Gaza foi ato justificado de legítima defesa.” [10]
Antes de 1948
A Histadrut financiou o grupo Haganah, terroristas sionistas ativos em 1920, que são o núcleo do qual se formou depois o exército de Israel; o grupo Mapai, de onde nasceu o atual Partido Trabalhista [Labour], em 1930, partido anti-socialista cujo principal objetivo sempre foi a constituição de um Estado judeu. [11] David Ben-Gurion foi primeiro secretário-geral da Histadrut, tornou-se, em 1935, presidente da Agência Judaica, o governo sionista então em organização; e em 1948, quando da constituição oficial do Estado de Israel, assumiu o posto de primeiro-ministro.
A Histadrut foi constituída em 1920, como Confederação Geral do Trabalho Judeu, pela união dos dois principais partidos sionistas, o Hapoel Hatzair [Trabalhadores Jovens] e a Achdut Ha'Avodah [União Trabalhista]. Desde o início excluiu os trabalhadores árabes; nenhuma solidariedade operária, e muito exclusivismo nacionalista.
O objetivo principal da Histadrut nunca foi defender melhores salários e melhores condições de trabalho para operários. A Histadrut foi constituída como instrumento de colonização. Dado que nunca houve burguesia de judeus, a Histadrut assumiu esse papel. Como disse o falecido William Frankel, editor of The Jewish Chronicle (de Londres), a Histadrut foi um sindicato de trabalhadores capitalistas. [12]
Dentre as empresas cujos proprietários e trabalhadores se reuniram nessa federação de trabalhadores, estavam a Tnuva (de laticínios), a Solel Boneh (construções de estradas e empreendimentos imobiliários), a Koor (manufatura), a Hamashbir (cooperativa de alimentos) e o Banco Hapoalim. E criou-se uma empresa holding pública, Hevrat Ovdim, para administrar todas as demais empresas públicas; depois de 1966, a Histadrut passou a ser 100% constituída de empresas 100% de judeus.
Histadrut: o 'sindicato' do apartheid
Quando, nos anos 1920, o desemprego cresceu na economia sionista, a Histadrut lançou ampla campanha para promover o trabalho judeu (Avodat Ivrit) e os produtos das indústrias de judeus (Totzeret Haaretz), que implicou boicotar todos os produtos das indústias e do trabalho não-judeus. David HaCohen, ex-diretor gerente da empresa Solel Boneh [literalmente: “Pavimentação e Construções”**], lembra a ação dos sionistas, naquele momento:
“Tinha de enfrentar os meus amigos que defendiam o socialismo judeu, porque eu não aceitava a ideia de admitir árabes no meu sindicato, a Histadrut; eu defendia a campanha do meu sindicato, que dizia às donas de casa que não entrassem em lojas árabes; defendia que fizéssemos piquetes nas hortas e pomares dos árabes, para impedir que admitissem trabalhadores árabes; jogávamos querosene nas plantações de tomate dos árabes; atacávamos mulheres judias nos mercados árabes e quebrávamos os ovos que tivessem sido comprados lá. Podíamos comprar terra dos árabes, mas era terminantemente proibido vender aos árabes um palmo de terra de judeus; e tínhamos de implantar o nome de Rothschild como heroi do socialismo, nosso benfeitor. Nada disso foi fácil de fazer.” [13]
Em 1944, “o simples boato de que um café na área judaica de Telavive teria contratado empregados árabes provocava protestos que reuniam milhares de judeus. Todos os filiados da Federação Sionista de Sindicatos – a Histadruth (sic) – eram obrigados a pagar duas contribuições: (1) uma, “Pelo Trabalho Judeu” – para reunir fundos para organizar piquetes e manifestações contra quem empregasse trabalhadores árabes; a outra (2) “Pela Produção dos Judeus” – para financiar o boicote à produção dos árabes.” [14]
Foi a Histadrut que planejou os passos pelo qual o movimento sionista ocuparia e controlaria a Palestina. Os palestinos jamais foram considerados existentes; não foram considerados como atores da economia local e, depois, deixaram de ser considerados também como habitantes da região: eram vistos como inexistentes.
Pode-se dizer que a luta de classes, naquele momento, foi redefinida como luta contra o trabalho árabe, ou, como dizia Ben-Gurion nas manifestações anti-árabes, contra “o demônio do trabalho misto.” [15] Ben Gurion explicou, aos que tomassem por socialistas as bandeiras vermelhas da Histadrut, que “Nada mais distante dos planos pró trabalho judeu, que a ideia de inventar discussões sobre o que se ganha ou se perde combatendo o trabalho árabe. A tarefa suprema de nossa geração é reconstruir Israel e possibilitar a Aliyah [imigração de judeus para a Palestina]. (…) Essa tarefa torna-se sem sentido, se não houver trabalho para os judeus.” [16] Com típica condescendência de colonizador, Ben-Gurion dizia que os árabes só adquiriram “um verniz de cultura” se aprendessem com os trabalhadores judeus. [17]
À classe trabalhadora atribuía-se uma função nacionalmente importante, como construtora do Estado judeu; “o Socialismo jamais foi um objetivo em si; sempre foi uma ferramenta para alcançar objetivos nacionais.” [18] E foi Ben Gurion quem “cunhou o slogan 'da classe, para a nação'; os dois lados viam o trabalho como instrumento de construção sionista nacional.” [19]
O sionismo seguia, então, caminho já muitas vezes trilhado em outras empreitadas coloniais. A trilha dos Boer na África do Sul e a colonização da América começaram, ambas, como empreitada coletiva. O capital privado só pôde operar depois de afastada a ameaça dos levantes das populações indígenas.
Como explicou Arthur Ruppin, o pai da colonização da Palestina pelos judeus, e crente fervoroso das ciências raciais: “Posso afirmar com absoluta certeza: as empresas na Palestina que são mais lucrativas para os capitalistas são as que menos interessam ao esforço nacional dos judeus; por outro lado, muitas empresas menos lucrativas para os capitalistas têm alto valor na construção nacional do Estado judeu.” [20]
Nos casos em que o trabalho exclusivamente judeu era impossível – como em alguns serviços públicos – a Histadrut pregava, como também se viu na África do Sul, que os funcionários judeus recebessem maiores salários que os árabes. Embora os britânicos tenham rejeitado essa demanda da Histadrut, na prática implantaram-se dois salários diferentes para trabalhadores não qualificados, que se aplicavam para trabalhadores judeus ou árabes. [21] Ernest Bevin, líder do Sindicato Britânico dos Empregados em Empresas de Transporte e ex-secretário de Negócios Estrangeiros, foi enfático: “Não. Somos absolutamente contra os dois salários”. [22] Mas para Berl Katznelson, segundo homem na hierarquia do trabalhismo sionista no governo de Ben-Gurion, a igualdade de salários “é como um chicote usado para humilhar o conceito de trabalho judeu.” [23]
O Sindicato dos Trabalhadores do Transporte Ferroviário e de Serviços Postais e Telegráficos [Union of Railway, Postal and Telegraph Workers, URPTW] foi um bastião da esquerda política e reunia trabalhadores judeus e árabes. A Histadrut incorporou esse sindicato e criou um grupamento nacional à parte, ao qual relegou os trabalhadores árabes. [24] Os trabalhadores árabes desse grupamento sempre combateram o sionismo da Histadrut, tanto quanto as políticas dos judeus relacionadas ao trabalho.
Em congresso em Haifa, em 1924, um sindicalista militante, Elias Asad, protestou, em nome dos trabalhadores árabes, contra as palavras “Federação de Trabalhadores Judeus” que aparecia impressa na carteira de filiado “e que não se entende o que significariam, nem para que servem. Já pedi aos camaradas que removam a palavra “Judeus” e tenho certeza de que, se se remover essa palavra, criaremos laços mais solidários entre todos e mais árabes se filiarão ao sindicato. A mim também não interessa participar de um sindicato trabalhista nacionalista…” [25]
Quando, no final de 1923, os líderes do Clube de Trabalhadores dos Transportes Ferroviários requereram ao governo do Mandato britânico a constituição de uma organização de trabalhadores árabes palestinos [“Palestinian Arab Workers' Society (PAWS)]”, a Histadrut acionou todo o seu lobby contra o reconhecimento da PAWS, sob a alegação de que seria entidade separatista e de exclusão, contrária ao espírito de solidariedade operária! [26]
Em 1936, os trabalhadores árabes na Palestina declararam greve geral que durou seis meses e é até hoje uma das mais longas greves na história do movimento sindical. A Histadrut viu aí a oportunidade para trocar os grevistas árabes por trabalhadores judeus. Com o apoio das autoridades britânicas, a Jewish Agency*** e a Histadrut converteram Telavive em porto alternativo a Jaffa, que os grevistas haviam paralisado. A Histadrust jamais foi sindicato de trabalhadores. No máximo, foi federação-pelego.
Os líderes da Histadrut e do trabalhismo sionista sempre se apresentaram como vestais, idealistas, incorruptíveis. Mas Ben-Gurion e os demais líderes sempre viveram como ricos, com muitas viagens para o exterior e apartamentos luxuosos. Sempre receberam salários muito superiores aos dos demais trabalhadores e, além disso, sempre tiveram acesso fácil aos fundos da própria Histadrut, cujos registros contábeis foram silenciosamente destruídos em 1926. [27]
A Histadrut era dirigida por uma elite que se autoperpetuava no comando da organização e evitava eleições. Entre o primeiro e o segundo congresso da Histadrut passaram-se quatro anos; e seis, entre o terceiro e o quarto; e nove, entre o quarto e o quinto em 1942. Nas palavras de Zalman Aranne, membro do comitê executivo da Histadrut de 1936 a 1947 e depois ministro da Educação: “de nada nos adianta fazer eleições todos os anos; além disso, se se fazem eleições, não somos os únicos a votar. O próprio comitê vota o que é necessário votar.” [28] Mesmo hoje, no 17º congresso da Histadrut, menos de 10% dos delegados são eleitos em eleições diretas. Como observou Frankel, a indicação de delegados para as convenções da Histadrut é feita por listas; e os partidos sionistas dominam todas as eleições. Elegem os líderes e, “nas eleições nacionais, os eleitores não influem na escolha dos indivíduos eleitos para representá-los.” [29]
A Histadrut depois de 1948
Entre 1948 e 1966, os palestinos habitantes de Israel viveram sob governo militar. Dadas as íntimas ligações entre a Histadrut e os governos militares do Mapai, a Histadrut não era popular entre os trabalhadores árabes. Até hoje, os árabes filiados à Histadrut são vistos como oportunistas e colaboracionistas. [30]
Em 1959, a Convenção da Histadrut decidiu admitir árabes como filiados. Mas os árabes foram confinados num departamento (mais tarde, astutamente chamado de “Departamento de Integração”) chefiado por um judeu. Em 1966, a Histadrut mudou de nome, passando a chamar-se “Confederação Geral do Trabalho na Terra de Israel” [General Confederation of Labor in the Land of Israel]. “Terra de Israel” é eufemismo para designar a terra prometida na Bíblia, que inclui toda a Palestina histórica. Proposta do Rakah, o Partido Comunista Israelense, para que o nome fosse alterado para “Federação Geral do Trabalho em Israel” foi derrotada.
Os palestinos que vivem na Cisjordânia e na Faixa de Gaza não se podem filiar à Histadrut, filiação que só é permitida aos colonos judeus, mesmo que vivam em terra que os israelenses consideram “Terra de Israel”. [31] Apesar disso, muitos palestinos trabalham na Construtora Solel Boneh, propriedade da Histadrut, que constroi a maioria das novas colônias. [31] Trabalhadores migrantes das Filipinas e de outros lugares também não se podem filiar à Histadrut.
A luta de classes sempre foi assunto proibido para a Histadrut, tanto antes quanto depois da criação oficial do Estado de Israel. Na greve dos pescadores, em 1951, os grevistas foram punidos com alistamento obrigatório no Exército, com apoio da Histadrut. Como antes, nas brigadas de trabalhadores dos anos 1920s, alguns dos militantes mais ativos romperam com o sionismo. O grupo Gdud Avodah foi duramente atacado por Ben-Gurion, nos anos 1920, que conseguiu cooptá-lo. [33] Mas essa cooptação foi exceção. A greve dos pescadores foi a mais violenta de quantas houve em Israel, com barcos pesqueiros palestinos lançados em ataques contra os navios da frota israelense.
Em 1969, na greve dos trabalhadores do porto de Ashdod, a Histadrut acusou os grevistas judeus de agirem como aliados do Fatah, então a principal organização da Frente de Libertação da Palestina (OLP), e os processou sob acusação de “terrorismo e sabotagem”. Mas o julgamento dos militantes, num tribunal da Histadrut, foi suspenso antes de chegar a um veredito.
Em fevereiro de 1976, milhares de árabes da Galileia organizaram manifestações de defesa de seus direitos à terra e contra o confisco de propriedades. Em março de 1976, lideranças árabes convocaram greve geral de apoio àquelas manifestações. O Conselho da Histadrut em Haifa opôs-se à greve. Nos confrontos, morreram seis palestinos, sob tiros da polícia e do exército – evento que os palestinos relembram todos os anos, dia 30 de março, como o “Dia da Terra”.
Enquanto a Histadrut foi o principal empregador em Israel, não se contratavam árabes para as indústrias consideradas “de segurança” – de armamentos, do petróleo, de petroquímicos, produtos eletrônicos, aviação, navegação, transporte aéreo comercial, eletricidade, gás, telecomunicações – porque em todos esses casos o serviço militar era considerado requisito indispensável. Os árabes eram considerados “ameaça à segurança”. Essa discriminação racial sistêmica e oficial perdura até hoje em Israel. [34]
Os números mostram que apenas 0,8% dos empregados em empresas estatais são árabes; em 2004, apenas 5,5% dos funcionários públicos do Estado de Israel eram árabes; e 56% desses trabalhavam exclusivamente no ministério da Saúde. [35]
A exclusão dos trabalhadores árabes de todos os ramos da indústria israelense é claramente uma barreira racial. E a Histadrut deliberadamente jamais investiu em construir fábricas em cidades ou vilas árabes. Sem jamais atuar como sindicato de empregados, a Histadrut sempre foi uma das causas das altas taxas de desemprego e miséria entre os árabes, situação que permanece inalterada até hoje.
Segundo o National Insurance Institute, 52% dos cidadãos árabe-israelenses vivem abaixo da linha da miséria, para 16% dos judeus israelenses. [36] Quase metade dos árabes empregados trabalham nos setores de manufatura, construção e comércio varejista, sempre nos postos de salário mais baixo.
Em 1985, o Plano de Estabilização de Benjamin Netanyahu “flexibilizou” o mercado de trabalho e abriu caminho para a globalização, o que se materializou num acordo de livre comércio entre Israel e EUA. As Indústrias Koor, empresa holding que reunia centenas de empresas sob controle majoritário da Histadrut, foi privatizada em 1991, num plano para reduzir as dívidas da Histadrut. A eleição de Haim Ramon como secretário-geral em 1994 marcou o fim do domínio de Hevrat HaOvedim, outro conglomerado de empresas que pertencem à Histadrut. [37] Em 1994, a Histadrut foi refundado, sob a denominação de “Nova Histadrut” [New Histadrut].
A Histadrut jamais apoiou qualquer luta dos trabalhadores árabes contra a discriminação racial. Em 2000, como represália contra a Segunda Intifada, houve demissão em massa de trabalhadores árabes. A Histadrut também se posicionou contra os trabalhadores árabes em 2003, na disputa trabalhista entre empregados árabes e judeus contra o “Hotel Nirvana Mar Morto”, quando um gerente árabe foi assassinado por ter-se recusado a proibir que seus funcionários falassem árabe em presença de turistas – apesar de o árabe, nominalmente, ser também língua oficial em Israel.
Do mesmo modo, a Histadrust também não se opôs à decisão dos restaurantes McDonald, em 2004, de proibir que se falasse árabe em suas lanchonetes; tampouco a Histadrut reagiu em 2004, quando, para instalar uma lanchonete em área próxima do Parlamento, a empresa McDonald aceitou a imposição da segurança israelense e obrigou os funcionários árabes a usar chapéus marcados com um X vermelho, para facilitar sua identificação pelos atiradores de elite, no caso de ataque ao Parlamento. [38]
A ocupação, a Histadrut e os trabalhadores palestinos
A exploração dos trabalhadores palestinos dos territórios ocupados foi institucionalizada por uma decisão do Gabinete israelense em outubro de 1970. Por essa decisão, passava a caber aos comandos militares a supervisão das empresas que admitissem empregados árabes. O pagamento desses empregados passou a ser atribuição do National Employment Service. A Histadrut teve participação ativa nessa resolução. Até então, só se permitia a intervenção do Estado nas relações trabalhistas em três áreas: casos de acidentes do trabalho, de falência do empregador e para o auxílio-natalidade (caso em que o parto é gratuito, em hospital israelense). A partir de então, os trabalhadores palestinos passaram a sofrer desconto de 10% em todos os salários, para constituição de um fundo chamado “Fundo de Equalização”, que deveria contribuir para atender a população dos territórios ocupados, com serviços sociais e culturais. De fato, esse dinheiro sempre foi usado para financiar a ocupação. Os trabalhadores palestinos não têm direito a receber qualquer tipo de seguro-desemprego ou auxílio-doença, nem pensões ou aposentadorias, nem qualquer ajuda na educação ou formação profissional dos filhos.
Além desse desconto, cada trabalhador palestino paga 1% de seu salário como contribuição sindical obrigatória para a Histadrut. Os trabalhadores nada recebem em troca dessa contribuição; de fato, parte dos valores descontados é usada para pagar gastos de propaganda. Quando os serviços secretos da Shin Bet usava as licenças para trabalhar como meio para chatagear os palestinos e forçá-los a colaborar, os que se recusavam a fazê-lo eram postos numa lista negra e tinham canceladas todas as licenças para trabalhar. Em nenhum desses casos a Histadrut ofereceu qualquer apoio aos seus filiados árabes. [39]
Na última década têm surgido novas organizações trabalhistas em Israel, como Kav La'Oved (Hotline do Trabalhador), Commitment, Centro de Apoio ao Trabalhador Estrangeiro, Sawt el-Amel e o Centro de Aconselhamento para o Trabalhador. Daí se espera que nasçam as bases para um novo sindicalismo, acessível a todos, não discriminatório e sem qualquer conexão com o projeto israelense sionista.
NOTAS
[1] Uri Davies, Utopia Incorporated, Zed Press, p.142, apud Observer, 24/1/1971.
[2] Arie Bober (ed.), The Other Israel: The Radical Case Against Zionism, p.125, apud Moed, Histadrut Department of Culture and Education, 1963, p.3.
[3] Moshe Pearlman, Ben-Gurion Looks Back in Talks with Moshe Pearlman, Weidenfeld & Nicholson, 1965, p.51.
[4] Sawt el-Amel, “Separate and Unequal: The History of Arab Labour in pre-1948 Palestine and Israel,” December 2006, p.16.
[5] Benjamin Beit Hallahmi, The Israeli Connection, I B Tauris & Co. Ltd., p.39.
[6] Haim Hanegebi, Moshe Machover, Akiva Orr, “The Class Nature of Israeli Society,” New Left Review, January-February 1971, Pluto Press, p.11. Ver também Confidential US State Department Central Files, PALESTINE-ISRAEL, 1960-January 1963, INTERNAL AFFAIRS Decimal Numbers 784, 784A, 884, 884A, 984, and 984A e FOREIGN AFFAIRS Decimal Numbers 611.84, 611.84A, 684, e 684A Project Coordinator Robert E. Lester Guide Compiled by Blair D. Hydrick, accessado em 8/3/2009.
[7] Sunday Times Review 15/4/1984, James Adams, “The Unnatural Alliance, Quartet”. O Sunday Times publicou trechos do livro em várias edições.
[8] Jane Hunter, Israeli Foreign Policy, South End Press, 1987, p.62.
[9] Uri Davies, Israel: Utopia Incorporated, Zed Press, p.97.
[10] “Histadrut Statement on the Situation in Southern Israel and Gaza,” 13/1/2009.
[11] Zeev Sternhell, Founding Myths of Zionism, Princeton University Press, 1998, p.180.
[12] William Frankel, Israel Observed, Thames & Hudson, 1980, p.183-186.
[13] David Hirst, The Gun and the Olive Branch, Nation Books, 2003, 2ª ed., p.185, apud Haaretz, 15/11/1969.
[14] Nathan Weinstock, Zionism: False Messiah, Ink Links LTD, 1979, p.184.
[15] David Ben-Gurion, Rebirth and destiny of Israel, Philosophical Library, 1954, p.74.
[16] Ibid, p. 79.
[17] Ibid, p. 53.
[18] Zeev Sternhell, p.177.
[19] Noah Lucas, Modern History of Israel, Weidenfield & Nicholson, 1975, p.49-50.
[20] Walter Lacquer, A History of Zionism, Holt, Rinehart & Winston, p.151, apud Arthur Ruppin, Building Israel, Selected Essays, 1907-1935, Schocken Books, 1965, p.47-9.
[21] Gabriel Piterberg, The Returns of Zionism, Verso, 2008, p.77.
[22] Josef Gorni, The British Labour Movement & Zionism 1917-48, 1983, Frank Cass, p.95.
[23] Zeev Sternhell, p.157.
[24] Piterberg, p.72-73
[25] Zachary Lockman, Comrades and Enemies: Arab and Jewish Workers in Palestine, 1906-1948, University of California Press, 1996, Cap. 3: The Railway Workers of Palestine (I): The Struggle for Arab-Jewish Unity, 1919-1925 'Struggling for Unity', apud Sawt el-Amel, op. cit.
[26] Ibid.
[27] Sternhell, p.295-7, 295.
[28] Sternhell p.271, 273.
[29] Frankel, p.186.
[30] Sawt el-Amel, op. cit. p.19.
[31] Michael Shalev, “The Labor Movement in Israel: Ideology and Political Economy,” in The Social History of Labour in the Middle East, Ellis J. Goldberg (ed.), Westview, 1996, p.4: “Jamais se ofereceu filiação aos não-cidadãos [israelenses] residentes nos territórios ocupados, apesar de os trabalhadores palestinos serem maioria nos territórios, e empregados dentro das fronteiras israelenses de antes de 1967. Apesar disso, todos são obrigados de pagar mensalidade ao Histadrut. Ao mesmo tempo, o Histadrut mantêm não-trabalhadores como filiados. Pesquisa na população de judeus adultos sugerem que pelo menos metade dos trabalhadores autônomos são membros do Histadrut.”
[32] Jewish Chronicle, 7/1/1983.
[33] Sternhell p.198-216. Ver também “The Left” in the Gdud Ha'avodah [Brigada Trabalhista] and the Palestine Communist Party until 1928, Anita Shapira, Zionism Vol. 1. , Massada Publishing Co. Ltd., Tel-Aviv University, 1975, p.127-156.
[34] Emmanuel Farjoun, “Class Divisions in Israeli Society,” Khamsin, no. 10, 1983, p.31-35.
[35] Sikkuy, “Sikkuy Report 2004-2005”, apud Sawt el-Amel, op.cit.
[36] Sawt el-Amel, p.2.
[37] Jewish Virtual Library, “Hevrat Ha-Ovedim,” accessado 1/3/2009.
[38] Sawt el-Amel, p.21.
[39] B'Tselem, “Poalei Tzion: Violations of the Human Rights of Workers from the Territories in Israel and the Settlements,” 1999 (em hebraico).
Publicado em The Electronic Intifada
http://electronicintifada.net/v2/article10379.shtml
Tony Greenstein é sindicalista ativista, membro do UNISON, Brighton & Hove Trades Council e secretário do Centro Brighton & Hove para Trabalhadores Desempregados, do qual é conselheiro. Anima um blog socialista anti-sionista (www.azvsas.blogspot.com).
Traduzido por Caia Fittipaldi
Para dados históricos, do ponto de vista sionista, ver http://www.jewishvirtuallibrary.org/jsource/History/histadrut.html, onde se lê, entre os objetivos da organização quando foi fundada em dezembro de 1920: “São objetivos da Federação Unida de todos os operários e trabalhadores na Palestina que vivem do suor de seu rosto e sem explorar propriedade alheia, promover a colonização, envolvendo-se em todas as questões econômicas e culturais relacionadas ao trabalho na Palestina; e ali construir uma sociedade de trabalhadores e operários judeus.”
** Sobre a empresa, fundada nos anos 20, ver http://en.wikipedia.org/wiki/Solel_Boneh.
*** Para saber o que é, ver http://www.jewishagency.org/JewishAgency/English/Home/. Há no Brasil a Agência Judaica, cuja página está em http://www.agenciajudaica.com.br/inst_agencia.shtm.