Aos camaradas, com pesar.
Sobre o PL 4791/2009 que considero um erro histórico do deputado e meu camarada Aldo. Este projeto me faz retomar um assunto que a duras penas, e com gosto amargo, evitei comentar de maneira publica, talvez em respeito ao camarada Aldo e aos demais cam
Publicado 31/03/2009 16:44 | Editado 04/03/2020 16:43
Há algum tempo, não muito, recebi por email, de um antropólogo atento, o projeto de lei nº 4791/2009 (http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=425192 ) encaminhado pelo excelentíssimo deputado federal por São Paulo, o comunista Aldo Rebelo, membro do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil, o PCdoB. Este projeto me faz retomar um assunto que a duras penas, e com gosto amargo, evitei comentar de maneira publica, talvez em respeito ao camarada Aldo e aos demais camaradas do meu partido o PCdoB. Porem neste momento não dá para deixar passar. Me refiro às posições do deputado sobre a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, no estado de Roraima, que se extende agora sobre todas as demarcações de Terras Indígenas no Brasil.
O projeto de lei em questão pretende modificar a constituição federal incluindo a obrigatoriedade de aprovação por parte do congresso nacional de qualquer demarcação de terras indígenas o país.
Refletindo sobre a questão
As sociedades indígenas no Brasil estão a tempo resistindo às imposições por parte da sociedade ocidental, e resistem de formas múltiplas, muitas vezes incorporando padrões ocidentais de consumo e trabalho dentro de suas lógicas especificas de entendimento da natureza e do cosmos. E resistindo, indo e vindo continuam ai, para desespero de muitos que há séculos tentam exterminá-los, inseri-los dentro da chamada sociedade nacional, torná-los iguais, ou melhor homogênos.
Uma questão surge deste ponto. Querem os índios ser igual as nós, os brancos? Aqueles que pretendem pela sua metamorfose em nós, se perguntam se este é o desejo deles, os índios?
Bem, ao que parece esta pergunta fica restrita aos círculos dos antropólogos, especialistas e militantes da defesa da diversidade cultural, dos movimentos sociais do campo e outros. Ou seja, me parece que esta pergunta não chega a tocar muitas pessoas fora do chamado campo da esquerda e intelectual. Antes de nós, e aqui estamos com nossas cidades, fábricas…, os chamados indígenas reinavam por aqui, nestas terras agora chamada Brasil, faziam guerra, faziam filhos, filosofavam, viviam suas vidas como bem queriam.
Hoje a realidade é outra, e ninguém em sã consciência pretendem que todos os brasileiros não índios (ver Viveiros de Casntro . No Brasil, todo mundo é índio, exceto quem não é. Porém, o fato de estarmos aqui, em nossas casas, roças, fábricas (acredito que nenhum dono de fábrica lerá este post) e mesmo na Câmara Federal e Senado não nós dá o direito de decidir o que o outro deve fazer, como deve viver, se vestir, trabalhar… O excelentíssimo deputado Aldo Rebelo, e seu companheiro do PMDB gaúcho Ibsen Pinheiro, afirmam que a demarcação dos Territórios Indígenas ameaça a soberania nacional. Querem os Índios se separar do Brasil? Alguma vez algum povo indígena entrou com um pedido à Corte Internacional de Justiça pedindo a separação de seu território do estado brasileiro?
Me parece que existe um certo romantismo nos argumentos do excelentíssimo Deputado Aldo, junto com um equivocado nacionalismo, assentado na eterna suspeita de que os olhos dos países capitalistas sempre miram a Amazônia e pretende usar dos inocentes indígenas (aqui o romantismo) para adentrar o território Amazônico e tomar todas as suas riquezas para o projeto continuista do poder do Tio San e da Tia Grega (a Europa).
A suspeita, da existência de interesses internacionais sobre a Amazônia, eu mesmo compartilho, mas sem a ilusão de que as sociedades amazônicas (indígenas) são inocentes, como, aliás, pretende passar o Estatuto do Índio, lei da época do presidente ditador Carrasco Azul Médice.
O excelentíssimo Deputado advoga a causa da democracia, chamando todo o poder ao congresso nacional, a casa do povo. Do povo? Quantos fazendeiros de soja (plantada principalmente nas ricas e férteis terras do Mato Grosso, estado que teve a vegetação natural destruída nos últimos 30 anos com o crescimento das fazendas de criação de boi e mais recentemente com as plantações de grãos. Leia-se soja, milho, sorgo.. vendido para a Ásia e Europa indo alimentar as vacas para que os europeus possam comer carne três vezes ao dia) e boi existem no congresso? Qual o tamanho da bancada ruralista? Da bancada conservadora das cidades grandes? Estes em geral representantes de famílias que biológicamente, ou em termos de representações sobre o mundo, tem um pezinho na Casa Grande.
A casa do povo em uma democracia burguesa é a casa dos interesses burgueses, e no Brasil estes andam junto com os interesses latifundistas, em detrimento, é lógico, da maior parte de nossa população, e aqui com certeza estão os povos indígenas.
O excelentíssimo Deputado Aldo poderia mobilizar suas bases, e ele como fundador da UJS a maior organização de jovens de esquerda do Brasil teria muito respaldo no PCdoB de todo o país, para aplicar a legislação existente garantindo que as comunidades indígenas afetas pela exploração de suas terras por multinacionais, como no caso do ES onde a empresa Aracruz Celulose se apropriou ilicitamente do território dos índios Tupiniquins e Guaranis, ou como no caso dos Mundurukus no Pará onde a multinacional Alcoa explora minério afetando tanto a vida dos índios como do ribeirinhos extrativistas, parecem de ser lesadas. E para tal já existem leis, basta cobrar para que as mesmas sejam aplicas, basta fiscalizar.
Um exemplo:
“Art. 231 da Constituição de 1988”.
§ 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.
§ 5º É vedada à remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ad referendum do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.
No argumento de defesa de seu projeto o excelentíssimo deputado afirma que o congresso está preocupado com a questão das demarcações das terras indígenas em Estados como Roraima e Mato Grosso, afirma que 46% das terras de Roraima já são demarcadas como indígenas. Este ponto me faz lembrar novamente de Viveiros de Castro que ironicamente contra-argumenta a este modo de pensar, lembrando que há apenas 40, 50 anos atrás quase 100% das terras de Roraima eram indígenas, só deixando de ser com a invasão de outros brasileiros, que derrubaram a floresta para plantar Arroz e outros gêneros. Existe algum problema em garantir a terrá a quem é de direito, tanto legal quanto histórico? Retirado do argumento de defesa do PL 4791/2009 este trecho ilustra o raciocínio apresentado pelo excelentíssimo deputado.
“A atuação do poder público no resguardo dos direitos das comunidades indígenas, entretanto, tem suscitado inúmeros problemas, dos quais o Congresso Nacional não hesitou em cuidar nos anos recentes. Diversas Comissões permanentes e temporárias, tanto da Câmara como do Senado Federal, examinaram as conseqüências da política indigenista nacional e constataram graves conflitos federativos que contrapõem Estados e Municípios à União, colocando os primeiros em risco de profundas intervenções em sua autonomia, quando não de pura e simples extinção. No Estado de Roraima, por exemplo, as terras indígenas já atingem 46% de seu território e comprometem seriamente a viabilidade econômica daquela unidade federada, onde o poder público já responde por 58% do PIB local, graças à debilidade do setor privado (grifos do autor deste artigo). No Mato Grosso do Sul, uma área de 10 milhões de hectares de terra fértil, que inclui as localidades de Dourados, Miranda, Naviraí, Rio Brilhante e Maracaju, está hoje sob as pretensões da FUNAI para demarcação. A região concentra parte substancial da produção rural de Mato Grosso do Sul, onde trabalham 30 mil agricultores, e responde por 60% da produção de grãos daquele Estado''.
Não vemos em nenhum pronunciamento do excelentíssimo deputado preocupações com a devastação do patrimônio genético do serrado, ou da Amazônia, provocado pelo avanço do agro-negócio da soja e do boi. Pelo contrário o documento afirma, bem ao tom, que o agro-négocio da soja é um excelente gerador de empregos ignorando por completo que estes trabalhadores hoje explorados pelo latifúndio eram há poucas décadas atrás os donos destas terras, no caso dos indígenas, ou mesmo no caso dos milhares de camponeses familiares que deixaram o campo (ou perderam suas terras utilizadas de modo tradicional e em geral sem documentos) expulsos pela implementação da lógica industrial na agricultura brasileira. Industria esta assentada no latifúndio, na monocultura, na destruição da diversidade biológica e no trabalho assalariado de baixa remuneração.
Outro trecho afirma a preocupação com as fronteiras nacionais.
“… em longas extensões de nossas fronteiras, passa-se a criar toda sorte de dificuldades à atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal, sob o fundamento de que constituem terras indígenas. Proprietários cujos títulos foram regularmente emitidos pelo governo brasileiro se vêem subitamente na condição de “invasores” de suas próprias terras, em clara violação aos princípios da segurança jurídica e da boa-fé, que regem a relação entre o Estado e seus administrados. Estudos antropológicos superficiais, conduzidos por profissionais sem a necessária isenção, fundamentam a demarcação de imensas áreas do território nacional, muitas vezes superiores à área de países inteiros, em ofensa aos princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade. As comunidades envolvidas, indígenas ou não, vêem-se mergulhadas em conflitos cada vez mais acirrados, muitas vezes resultando em mortes, num quadro de violência e insegurança que se agrava dia a dia.”
O excelentíssimo deputado parece ignorar expressões clássicas da história de nosso país, como a do grileiro, aquele que antigamente soltava grilos sobre os documentos para que as fezes do animal deixassem os papéis com a aparência de velho e os insetos roessem partes das folhas dando a impressão de corrosão pelo tempo. Figura esta que nos dias de hoje é entendida como àqueles que em geral, mas não somente, se apropriam de terras pertencentes ao Estado, tanto em áreas indígenas, unidades de conservação, ou terras devolutas porém enquadradas como de preversação. O Estudo Antropológico Circunstanciado serve justamente para averiguar (entre outras competências especificas da Antropologia, como compreensão da noção indígena de território, de tempo/espaço, de estrutura ou sistema de parentesco/ afinidades e etc..) se tais documentos regularmente emitidos por cartórios familiares, que tem a outorga do Estado para realizar registro de propriedades, são realmente legítimos, ou se tais documentos de propriedade obtidos por Requerimentos junto ao Estado são passiveis de anulação para os fins de demarcação de terras indígenas tal como prevê a lei. Que, alias, prevê o direito de resposta às pessoas, estados, municípios e demais interessados na questão.
“DECRETO Nº 1.775, DE 8 DE JANEIRO DE 1996
Art. 2º:
§ 8º Desde o início do procedimento demarcatório até noventa dias após a publicação de que trata o parágrafo anterior, poderão os Estados e municípios em que se localize a área sob demarcação e demais interessados manifestar-se, apresentando ao órgão federal de assistência ao índio razões instruídas com todas as provas pertinentes, tais como títulos dominiais, laudos periciais, pareceres, declarações de testemunhas, fotografias e mapas, para o fim de pleitear indenização ou para demonstrar vícios, totais ou parciais, do relatório de que trata o parágrafo anterior.”
Por fim o excelentíssimo deputado se preocupa com os crimes de biopirataria que podem ocorrer nas terras indígenas imensas, maiores que certos paises (e usando argumento da proporcionalidade e da razoabilidade para pensar o mundo – porque sou um internacionalista – poderíamos pensar em dividir o Brasil com o Uruguai tão pequeno) se esquecendo que são justamente os povos tradicionais do Brasil, e ai estão os índios, os que mais lutam contra a biopirataría, pois são justamente eles que guardam saberes milenares de relação com os recursos das florestas, e que, guiados por seus Caruanãs aprendem a criar remédios para a carne e para o espírito.
…à proliferação de crimes como biopirataria, contrabando e tráfico de drogas…
O argumento que as terras indígenas impedem a entrada do Exercito e da Polícia Federal não passa de retórica visando angariar apoio popular, utilizando a estratégia do gere medo e consiga poder para solucionar os motivos da histeria coletiva (bem ao modelo caça aos terroristas, clássica estratégia do governo Bush). Raposa Serra do Sol não é única terra indígena em área de fronteira já existem outras como a Cabeça de Cachorro (TI Alto Rio Negro) onde o exército está presente. As terras indígenas não pertencem aos índios, eles têm o usufruto das terras, estas de fato pertencem a união.
A grande questão em jogo nesta história toda é a questão fundiária, pois com a demarcação de Terras Indígenas, Terras de Quilombos, Reservas Extrativistas, Terras de Comunidades Tradicionais, milhares de hectares são retirados do mercado especulativo de terras, contribuindo para ruir com uma das instituições que mais garantem poder neste país: a concentração da propriedade da terra, ou seja, o latifúndio.
*Vitor Hugo Simon Machado é Cientista Social e Professor, Pós-Graduando em Ciências Sociais na UFES. Email: vitorhugosimon@yahoo.com.br
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