Patinhas é cidadão fortalezense

“Minha história de vida não teria sido a mesma se não fosse nossa querida Fortaleza”, disse emocionado o engenheiro Carlos Augusto Diógenes (Patinhas), presidente do Comitê Regional do PCdoB. Em uma noite de muito prestígio Patinhas recebeu o título de ci

Em seu discurso, Patinhas traçou um histórico de sua vida e de suas lutas quando começou a fazer parte dos movimentos sociais, fez relatos dos tempos de faculdade, ressaltou a participação de familiares e amigos em todos os momentos de sua vida e falou, com muita emoção, da tristeza que sentia nos 11 anos em que teve que passar longe da capital cearense, quando foi obrigado a se distanciar fisicamente de Fortaleza para sobreviver, não ser preso e nem torturado pelo regime militar, fazendo sua atuação política clandestinamente. Nestes anos Patinhas passou por vários estados: Bahia, Minas Gerais, São Paulo, Mato Grosso e, por fim, Rondônia. Até poder voltar para Fortaleza no fim da ditadura militar. Ao final de seu discurso, Patinhas fez agradecimentos pela homenagem e finalizou: “Eu apenas posso dizer. Fortaleza, mais uma vez, muito obrigado por tudo”.


 


A vereadora Eliana Gomes se mostrou honrada de ser a autora do Decreto Legislativo n° 311/2008, que concede o título de cidadão fortalezense a Patinhas. “Nesta noite é dada a mim a oportunidade e a honra de tornar realidade a proposição aprovada pelos meus pares e homenagear o jaguaribano que veio encontrar Fortaleza nos últimos anos da década de 50 do século passado”, disse. “Nada mais justo do que a Câmara, em nome do povo da cidade, conferir a este homem o título que sua vida, história e luta já conquistaram: o de cidadão de Fortaleza”, acrescentou.


 


A solenidade foi presidida pelo presidente da CMF, Salmito Filho. Fizeram parte da mesa, além do presidente Salmito, a vereadora Eliana Gomes, o vice-governador Francisco Pinheiro, o prefeito em exercício Tin Gomes, o senador Inácio Arruda, o deputado federal Chico Lopes, o deputado estadual Lula Morais, o reitor da Universidade Federal do Ceará Jesualdo Farias e o presidente da OAB-CE Hélio Leitão. A cerimônia também foi prestigiada por 11 vereadores da Casa.


 


Leia a seguir a íntegra do pronunciamento de Patinhas:


 


Sr./Sra. Presidente,
Srs vereadores / Sras. Vereadoras,
Autoridades e amigos aqui presentes,
 


Muito boa noite a todos!
 


Entre tantos momentos, em todos esses anos de militância política, esta é uma ocasião única para mim. Única e especial. Porque hoje tenho o prazer de receber, dos representantes do povo da cidade que adotei como minha, a confirmação de que também ela me adotou para ser, oficialmente, parte de sua vida, de sua realidade, de sua história. Graças à iniciativa de minha colega de partido, vereadora Eliana Gomes, endossada de forma unânime pelos nobres parlamentares que compõem esta Casa, hoje posso dizer que tenho a alegria de me tornar cidadão de Fortaleza.
 


Nestas breves palavras, quero principalmente agradecer aos srs. Vereadores e às sras. Vereadoras, e através de Vossas Excelências a toda a população, por essa homenagem, da qual, se não estou bem certo de ser merecedor, posso com toda certeza dizer que me traz muita, muita satisfação. Porque a minha história de vida – pessoal, profissional, afetiva, política – jamais seria a mesma, caso não se tivesse cruzado com os caminhos ensolarados e os braços sedutores de nossa amada Fortaleza.
 


Uma história que se inicia de forma comum a tantos meninos vindos do Interior do Estado, montados no sonho e no sacrifício de seus pais, para buscar na capital uma vida melhor, um passo mais largo, um horizonte mais amplo, através do estudo. Pois há exatos 50 anos eu começava a escrever a minha história, cumprindo esse caminho. E é por isso que estou aqui esta noite, agradecendo essa homenagem e compartilhando-a com vocês, refletindo acima de tudo sobre minha relação com essa cidade. Dedicando esse título de cidadão, desde já, aos familiares, aos amigos e a cada companheiro nessas tantas lutas travadas em nome de bandeiras, sonhos e convicções que o tempo não fez arrefecer.
 


Fortaleza me recebeu rapazote de 14 anos de idade, menino matuto chegando do Jaguaribe, vindo com todo o esforço de uma família sem  muitas posses, pela teimosia e pelo entusiasmo de meu pai e minha mãe, Carlos Pinheiro e Raimunda Diógenes, a quem rendo minhas homenagens e a quem devo muito da minha maneira de ser. Vim para cursar o 4º. Ginasial no Colégio 7 de Setembro, na Avenida Imperador. Já tinha visto meu irmão mais velho, Raimundo, hoje falecido, seguir esse mesmo caminho, entrando pro Exército, tomando o rumo do Rio de Janeiro. Já tinha carregado sua mala de viagem até a parada do ônibus. Também já tinha assistido à partida de um segundo irmão, Zezinho , para a capital. Chegara então a vez de fazer minha própria viagem.
 


Imaginem os senhores e as senhoras o que era, para um jovem adolescente, chegar a Fortaleza naquelas condições. Com uma grande responsabilidade sobre os ombros e, ao mesmo tempo, com olhos bem abertos para todas as possibilidades que vinham com a cidade grande.



Foi assim que investi firme nos estudos, morando na pensão de seu Elizeu Timóteo, na Major Facundo, No  54, na companhia de outros estudantes jaguaribanos, passando, pelo 7 de Setembro, pelo Cursinho do Coronel Carvalhedo. Tempo de colegas como Luciano Frota, Benedito Oliveira, Raimundo Rego, Cleire, Arides, Medina, entre tantos outros…
 


Da pensão para a casa do tio Afrodísio Diógenes, capitão do Exército, na rua Carlos Vasconcelos. Do colégio e do cursinho, para a Escola de Cadetes, na qual ingressei em 1960, para cumprir três anos de preparação, rumo à Academia Militar das Agulhas Negras, a AMAN. Época de muito aprendizado, disciplina, sistematização do estudo e amadurecimento de características que viriam a fazer parte da minha personalidade.
 


Ali veio também o primeiro grande choque político, quando, em 15 de agosto de 61, durante o hasteamento da bandeira, os cadetes foram comunicados que estariam de prontidão, em função da renúncia do presidente Jânio Quadros. Um momento de impacto, para quem até então associava a farda muito mais à elegância dos desfiles e aos assovios das meninas no Imaculada Conceição, nas tertúlias nos clubes Maguary e Comercial, na Praça do Ferreira. Onde já havia inclusive manifestações contrárias aos militares, com direito a deboche por parte de quem nos chamava “galinhas verdes”.
 


Mas a vida me guardou outro caminho. Em uma difícil decisão, minha trajetória se afastou da caserna para a universidade, onde segui o sonho de fazer Engenharia. Em 63, fiz parte do cursinho da SUDENE, que funcionava no anexo da Engenharia da UFC, onde hoje se localiza o Shopping Benfica. Em 64, o vestibular e o ingresso na universidade, na primeira grande turma que entrou no curso, em grande parte devido a esse cursinho. Quando a maioria das turmas tinha 20 alunos em média, a nossa teve nada menos de 106 alunos. E eu tive a felicidade de tirar a maior nota em matemática em todo o vestibular da UFC
 


Mas vieram os dias 31 de março e 1º. de abril de 64, e as contas passaram a não fechar de modo tão exato. Se os estudantes já desenvolviam todo um contexto de discussão sobre os profundos problemas sociais do Brasil e os caminhos que poderiam levar a mudanças em nosso País, a partir do novo regime os fatos se aceleram e o cenário assume novas e desafiadoras cores. O movimento estudantil sofre e luta para se manter vivo. Nessa conjuntura, fui eleito presidente do Diretório Acadêmico  Walter Bezerra Sá, em 66, mesmo ano em que passei a fazer parte do Partido Comunista do Brasil, o único em que militei, com todo o orgulho e toda a dedicação, ao longo desses mais de 42 anos , e que forjou  em mim a consciência de luta por uma sociedade justa e solidária .(PAUSA/APLAUSOS).
 


Entre assembléias e passeatas, nossa consciência política se forjou na marra e enfrentou duras provas. A falta de liberdade motivou protestos por parte dos estudantes. Com o endurecimento do regime militar,  a roda viva dessa história passa a girar ainda mais rapidamente. Eu, que já integrava o Conselho Universitário representando o Diretório Central dos Estudantes, passei para a linha de frente do Movimento Estudantil, como militante do PCdoB. Assim discutíamos o contexto político e social com a estudantada nas salas de aula. Assim levantamos a bandeira da luta dos estudantes ditos “excedentes”, em 68. Assim enfrentamos a suspensão de seis meses imposta pela Reitoria da UFC ao DCE, diante de um protesto contra uma aula inaugural proferida por um alto representante militar.
 


Enquanto isso, a resistência ao regime se articulava. E do Movimento Estudantil passamos a abraçar essa luta maior, de fundo, pela redemocratização do País. Assim concluí em 68 meu curso na Federal e segui para a Bahia, tanto na perspectiva de um emprego quanto da continuidade desse engajamento político, do qual não havia volta.
 


Em 69 assumi na cidade de Barreiras, na Bahia, o cargo de engenheiro na SUVALE, hoje CODEVASF, trabalhando em uma grande obra de irrigação, que viria a ser muito importante para o Estado. As perseguições políticas, no entanto, não tardariam a inviabilizar minha presença na empresa e a me colocar na concreta condição de clandestinidade, me forçando a uma mudança para Salvador, enquanto no Ceará vários processos já corriam em meu nome.
 


Foi assim, nessa ausência forçada da minha terra natal, que cresceu ainda mais a convicção do meu amor por Fortaleza e da falta que essa cidade me fazia. Foram nada menos do que 11 anos tendo de viver longe do Ceará, num difícil desligamento total dos pais, irmãos, dos parentes, dos amigos, dos companheiros, da profissão de engenheiro, que eu tanto amava. Tempos de resistência, incerteza, perigo e invenção de outras formas para sobreviver e seguir na luta, mudando de cidade ,de profissão e de identidade. E tudo isso com não mais que 25 anos.
 


Em 1971, minha situação em Salvador torna-se insustentável. E aí, eu e minha companheira, Noélia, na época com apenas 20 anos, no mesmo dia do nosso casamento, tivemos de pegar a estrada e ir viver como camponeses no Sul da Bahia. Para a família, dissemos que iríamos procurar emprego em São Paulo. Sabíamos, porém, que o que nos aguardava eram os desafios da mais rigorosa vida na clandestinidade. Vivíamos o período mais difícil dos anos de chumbo. (PAUSA)


 


Quando, em 75 , condenado em Salvador à revelia a 4 anos de prisão pela Justiça Militar , já tinha  morado no interior de Minas, em São Paulo , no interior de Mato Grosso e já estava trabalhando como topógrafo nas selvas de Rondônia , onde nos fixamos, compartilhando da vida dos camponeses, conhecendo de perto os dramas de um povo desbravador  cujo sofrimento escapava aos olhares da imprensa e destoava totalmente do discurso grandiloqüente do País “que ia pra frente”.
 


Ali posso dizer que aprofundamos ainda mais nossa consciência política e social e absorvemos os mais nobres valores de nossa gente simples. Enquanto o Araguaia atraía ainda mais as atenções da repressão para o PCdoB, fazíamos nossa parte, continuando a luta de tantos  companheiros heróicos e inesquecíveis. Sonhávamos com a transposição desses tempos tão difíceis. E sempre alimentávamos o desejo de retornar a Fortaleza.


 


Mas só depois desses 11 anos de “exílio”, característica que também parece personificar o cearense, pudemos ter a felicidade de voltar. Estava ainda vivendo literalmente no meio da mata quando veio a Anistia. Éramos de tal modo arraigados naquela realidade dos colonos de Rondônia que ainda levamos alguns meses para nos desligar daquela terra e tomar o caminho de casa .


 


Voltei a Fortaleza às vésperas do Natal de 79. E quando tive como primeira atitude ir matar as saudades da brisa na Praça do Ferreira, eu já não era o mesmo que daqui partira, mais de uma década antes. Mesmo entre dúvidas e inseguranças sobre que futuro a anistia nos reservava, iniciamos ali uma nova etapa, de desenvolvimento da nossa militância, de luta pela redemocratização do Brasil, pela legalidade do nosso partido, por dias melhores para nossa gente.
 


Posso dizer que ali chegava à fase mais madura de minha vida, com a luta pelas Diretas, a vitória de Tancredo no Colégio Eleitoral, a reconstrução do PCdoB no âmbito da legalidade, as históricas eleições estaduais de 86 e nacionais de 89. Momentos em que nosso partido iniciou sua atual etapa de caminhada rumo ao que é hoje, sendo reconhecido pela sociedade, fazendo política de forma ampla, dialogando com todas as alas ideológicas mas nunca perdendo de vista seu próprio norte.
 


Assim ganhamos espaços que dificilmente imaginaríamos, nos momentos mais acirrados de clandestinidade e perseguição. Hoje, posso me orgulhar de, no Ceará, ter integrado a luta que deu ao PCdoB seu primeiro senador, depois de Luís Carlos Prestes. O nosso senador do povo, da gente simples do Dias Macedo, de todo o Ceará, Inácio Arruda (PAUSA-APLAUSOS).


 


Hoje, posso celebrar o fato de termos uma liderança que se identifica como poucas com a nossa gente, com a espontaneidade e o carisma do deputado federal Chico Lopes (PAUSA). Hoje, posso compartilhar com todos vocês o fato de estarmos devidamente representados tanto na Assembléia Legislativa quanto aqui nesta Casa, com João Ananias, Lula Morais e Eliana Gomes (PAUSA).
 


Hoje nos consolidamos fazendo política de forma ampla, com prefeitos, vice-prefeitos, vereadores e outras lideranças, da juventude ao movimento comunitário, dos sindicatos ao movimento estudantil, espalhados por todo o Ceará. Nosso partido palmilha novas veredas, contempla possibilidades de ir mais longe, em sua missão de unir o povo para a construção, cada vez mais palpável no nosso Brasil, de uma nova sociedade, desenvolvida, justa e fraterna.
 


Enquanto isso, eu dirijo, desta tribuna, meu humilde agradecimento a todos vocês. Entendo a homenagem desta noite não somente como uma honraria pessoal, mas também como uma distinção coletiva a um representante do partido político mais antigo do Brasil, que com seus 87 anos de luta e resistência vem procurando dar sua contribuição prática pelo melhor do País e de nossa Fortaleza. Compreendo esta noite como uma ocasião para prestarmos tributo a cada militante de hoje e a todos os que, no calor da luta, tiveram suas histórias pessoais abreviadas, mas deram inestimáveis contribuições para que atualmente vivenciemos uma fase tão promissora.


 


Dirijo em especial ,o meu tributo aos jovens cearenses , Bérgson Gurjão ,Custodio Saraiva , Jana Barroso, Teodoro de Castro, que tombaram nas selvas do Araguaia e não puderam voltar a sentir a brisa da nossa Praça do Ferreira (PAUSA/APLAUSOS).
 


Recebo esse título como um sinal de reconhecimento aos profissionais da engenharia, que empregam seu talento na construção dessa cidade. Aos colegas da Escola de Cadetes, que para minha satisfação também se fazem presentes aqui esta noite. Aos tantos senhores feitos de hoje que, assim como eu, um dia já chegaram a essa cidade carregando nos olhos o brilho de meninos vindos do Interior.
 


Em todo esse tempo, esta cidade, porto para mais de três milhões de pessoas, me deu muito mais do que eu poderia pedir. Entre os maiores presentes que alguém poderia receber, estão os grandes ensinamentos: firmeza de propósitos, amadurecimento, desenvolvimento pessoal, político e profissional. Como se fosse pouco, hoje essa mesma cidade ainda me envaidece com mais esta alegria. Agora, oficialmente, como seu concidadão, agradecendo a presença de cada um de vocês e desejando uma ótima noite a todos, eu apenas posso dizer:
 


“Fortaleza, mais uma vez, muito obrigado por tudo”.
 
 
Carlos Augusto Diógenes, Patinhas
Novo cidadão de Fortaleza.


 


Fonte: Assessoria de Imprensa da vereadora Eliana Gomes (PCdoB)