Aneel autoriza reajuste médio de 11,25% no Ceará
A conta de energia fica mais cara, no dia 22, quando entra em vigor o reajuste médio de 11,25% autorizado ontem pela Aneel. O aumento é quase o dobro da inflação de 6,27% e vai para uma distribuidora que teve lucro 38,3% maior em 2008
Publicado 15/04/2009 09:16 | Editado 04/03/2020 16:35
Depois de dois anos com aumentos abaixo dos dois dígitos, um deles inclusive negativo, os 2,7 milhões de clientes da Companhia Energética do Ceará (Coelce) voltam a ter um reajuste de energia elétrica que vai pesar no bolso. Ontem, a diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou reajuste médio de 11,25% nas tarifas da distribuidora.
O aumento, o maior concedido às empresas do Nordeste até agora, está bem acima da inflação de 6,27%, medida pelo Índice Geral de Preços de Mercado (IGP-M). O peso no orçamento das famílias poderia ser bem maior se a agência tivesse acatado o reajuste tarifário médio de 19,16% solicitado pela Coelce. Em 2008, a concessionária cearense registrou um lucro líquido de R$ 338,523 milhões, um crescimento de 38,3% em relação ao ano anterior.
A Aneel explica que o reajuste tarifário não segue necessariamente a mesma variação da inflação. As despesas com os itens da parcela A, de despesas não totalmente gerenciáveis pela concessionária, são consequência da aplicação de legislações específicas e podem sofrer variações superiores à inflação medida no período analisado (abril de 2008 a março de 2009). Mas o que mais pesou para a alta nas tarifas da Coelce foi a compra de energia produzida por termelétricas, que é mais cara que a energia das hidrelétricas. A Aneel citou ainda os custos com encargos setoriais, como por exemplo, os subsídios rurais a irrigantes e aos consumidores de baixa renda, dentre outros.
O gerente de Regulação e Mercado da Coelce, José Caminha Araripe, disse que o reajuste reflete a variação dos custos que a companhia teve nos últimos 12 meses e cujas informações foram repassadas à Aneel. Destaca, porém, que dos 11,25% que serão percebidos pelo consumidor só 2,16% correspondem a aumento de receita para a empresa. Os outros 9,10% são de encargos, aumentos de outros custos.
“O custo da compra de energia e o referente aos subsídios de tarifas concedidas para consumidores residenciais, baixa renda e rural irrigante, contribuíram juntos com 7,84%”, diz, ressaltando que o reajuste será sentido pelo consumidor proporcionalmente e totalmente a partir de maio. Quem tiver o consumo medido no dia 22 de abril, por exemplo, pagará 21 dias com o valor da tarifa antiga e nove dias com a nova.
Classes
Dividido por classes o aumento médio de 11,25%, que entra em vigor no próximo dia 22 de abril, será de 10,89% para o consumidor de baixa tensão (residencial urbano e rural e pequenos comércios) e de 12,11%, em média, para os de alta tensão (industrial e comercial).
A Aneel explicou que várias distribuidoras do Nordeste tiveram que recorrer, no ano passado, aos leilões de energia provenientes de térmicas.
Isto porque terminou o contrato entre essas distribuidoras e a Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf) para a compra de energia hidrelétrica.
O diretor da Aneel Edivaldo Santana lembrou que a agência já tomou iniciativa de ampliar o fornecimento de energia hidrelétrica, com a realização, no ano passado, de leilões das hidrelétricas do Rio Madeira. Ponderou, no entanto, que essa energia só deve começar a ser distribuída em 2011.
O preço médio do megawatt de energia do Rio Madeira, estabelecido nos leilões de energia, foi de R$ 70, enquanto o megawatt de energia térmica custa cerca de R$ 140. De toda a energia distribuída pela Coelce, 41% vêm de termelétricas, sendo 30% da termétrica Fortaleza, da Endesa, que também administra a concessionária cearense.
Aumento poderá ser questionado
O questionamento judicial do aumento concedido a Coelce, ontem, não está descartado por entidades representativas e de defesa do consumidor. Além delas, lideranças políticas prometem também analisar a decisão da Aneel
Para o presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE), Hércules Amaral, em tempos de crise, o reajuste médio de 11,25% da Coelce não é uma boa notícia. Ele diz que esperava um aumento mais próximo da inflação do período, de 6,27%, e que a Aneel participasse do esforço coletivo dos governos para movimentar a economia. Adianta que amanhã o relatório da agência e todas as informações referentes ao aumento serão analisadas para ver a possibilidade de recorrer, judicialmente ou administrativamente, contra o aumento.
Amaral diz que pode haver erro. E lembra que a Aneel voltou atrás no repasse do Imposto sobre Circulação de Mercadorias se Serviços (ICMS), que havia sido autorizado em dezembro de 2008. “Depois que a Secretaria da Fazenda (Sefaz) deu amplo conhecimento sobre a cobrança a agência desistiu”, afirma, considerando que se há precedente é preciso observar o processo.
O presidente da Associação dos Consumidores de Energia Elétrica (Acel), Iran Ribeiro, informa que vai esperar o retorno de lideranças que foram a Brasília acompanhar a reunião da diretoria da Aneel para analisar a questão e ver que procedimentos serão adotados. “Não queremos aceitar passivamente esse reajuste acima de 11%, visto que o IGP-M não atingiu os 7%”. Ressaltou que não existe gás natural para as termelétricas funcionarem mas a térmica da Endesa já fornece bem mais de 30% da energia que o Ceará consome. “De onde vem essa energia?”, questiona.
Para ele, a Coelce não cumpre a promessa de perseguir a modicidade da tarifa (o preço mais baixo) que vem desde o início da privatização em 1998. “Se for comprar energia fora, a Coelce tem que obedecer a exigência de buscar a modicidade tarifária”, ressalta, acrescentando que não é comprando energia de termelétrica, que é mais cara, que a empresa vai atingir esse critério.
Monopólio
Ribeiro enfatiza que mais uma vez se coloca a força do monopólio da distribuidora de energia elétrica acima da lei. Para ele, esse aumento é contrário ao que está no contrato de concessão porque nós não estamos num momento de reposição tarifária. “Este é um ano de reajuste e como está no contrato é pelo IGP-M”, afirma, salientando que a energia do Ceará já vem se colocando entre as mais do Brasil. “Isso compromete a competitividade das empresas e os empregos”, conclui.
O presidente da Acel afirma que nas alegações da Aneel para justificar o aumento acima da inflação está a utilização das térmicas. “Mas ela não consegue explicar claramente quais as térmicas de Fortaleza que geram essa energia, visto que não temos gás natural suficiente para isso”, avalia. (Artumira Dutra)
EMAIS
– Em seu voto sobre o reajuste, a diretora da Aneel, Joísa Campanher Saraiva, afirma que “o reajuste tarifário não segue necessariamente a mesma variação da inflação. A fórmula paramétrica constante no Contrato de Concessão considera uma “Parcela A”, de despesas não totalmente gerenciáveis pela concessionária, e uma “Parcela B”, de custos gerenciáveis também pela empresa.
– As despesas integrantes da “Parcela B” são corrigidas na proporção do fator IGP-M – X, no período de referência abordado. Já as despesas constantes da “Parcela A” são conseqüência da aplicação de legislações específicas e podem sofrer variações superiores à inflação medida no período analisado. As taxas de crescimento dos encargos do item anterior foram superiores às do IGP-M”.
– De acordo com a diretora da Aneel, foi homologado um reajuste tarifário anual médio de 13,93%, a ser aplicado às tarifas da Coelce, que corresponde a um efeito médio a ser percebido pelos consumidores cativos de 11,25%.
Deputado vai pedir auditagem da Coelce
O preço da energia térmica é maior que o da energia hidráulica. A Companhia Energética do Ceará (Coelce) mantém cerca de 41% da oferta de energia gerada por fontes térmicas, segundo informou o deputado federal, Chico Lopes (PCdoB-CE), e confirmou o gerente de Regulação e Mercado da Coelce, José Caminha Araripe. No segundo leilão de energia nova de 2006, o megawatt/hora (MW.h) de energia hidráulica foi vendida por uma média de R$ 126,77, R$ 5,57 a menos que a mesma medida de energia térmica, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
O deputado se coloca contra o reajuste anual médio autorizado pela Aneel de 11,25% e faz críticas à planilha de custos apresenta pela distribuidora cearense. “Nós vamos pedir explicações à Aneel. Como pode ser feita uma planilha com energia gerada por gás se nós não temos gás? Vamos solicitar a presença do TCU (Tribunal de Contas de União) e sugerir que seja feita uma auditagem dos últimos cinco anos de reajuste da Coelce”, diz. E alfineta: “A Coelce não tem nenhuma preocupação porque está sempre acobertada pela agência reguladora”.
José Caminha Araripe explica que parte da energia elétrica gerada via térmica vem da Central Termelétrica Endesa Fortaleza (Termofortaleza), que tem potência para gerar cerca de 30% da demanda cearense. O restante, diz, é comprado de outras termelétricas. A Termofortaleza levou um investimento de US$ 250 milhões e começou a operar comercialmente no final de dezembro de 2003.
Um dos argumentos da Coelce para pedir o reajuste anual de 19,16% – foi autorizado 11,25% -, foi o peso da incidência de tributos sobre a energia.
Chico Lopes defende que isto é “coisa de quem não tem respeito pela economia brasileira”, já que a alegação da empresa atinge tributos como a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e o Programa de Integração Social (PIS), que, segundo ele, não se deve mexer.
Indústria diz ser ''exorbitante''
O reajuste da tarifa de energia elétrica para a indústria cearense ficou em 12,11% e foi recebido com desânimo. O presidente da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), Roberto Proença de Macêdo, através de nota, manifestou-se sobre o assunto.
“O aumento da tarifa de energia elétrica foi muito além da expectativa do setor empresarial, uma vez que parte dos fatores considerados na composição do índice autorizado pela Aneel – o IGPM (Índice Geral de Preço ao Mercado) – fechou o período em 6,27%”, diz.
Macêdo vai além: “Infelizmente, a indústria vai ter que arcar com essas variações exorbitantes, mesmo sabendo que para o cálculo foi considerado o volume de energia gerado por termelétrica, a preço inflacionado pelo petróleo, cujo barril chegou a US$ 140.”
A indústria sofrerá forte impacto, segundo o representante da Fiec. Para ele, o reajuste se refletirá com mais ênfase no setor têxtil, no qual a energia representa 25% dos custos, e fica atrás apenas dos gastos com matéria-prima.