Projeto Nossa Horta gera debate sobre agricultura urbana e políticas sociais

Audiência pública realizada nesta quinta-feira (17), na Assembléia Legislativa, discutiu a situação do projeto “Nossa Horta”, do bairro Ribeiro de Abreu, em Belo Horizonte, desativado desde 2008 pela Secretaria de Estado da Educação

A princípio, quem ouviu, ou leu algo sobre o fim do projeto “Nossa Horta”, pôde ter a sensação de que o caso se trata somente de mais uma horta comunitária. Mas quem acompanhou a audiência pública realizada nessa manhã de quinta-feira (16), na Assembléia Legislativa, a pedido do deputado Carlin Moura (PCdoB), para discutir o despejo da horta das dependências da escola Estadual Bolívar Tinoco Mineiro, no bairro Ribeiro de Abreu, em Belo Horizonte, pôde compreender que a situação em que se encontra o projeto, fruto do trabalho do Conselho Comunitário Unidos pelo Ribeiro de Abreu (Comupra), é uma aula de humanidade e propostas para repensar as formas alternativas urbanas de melhoria de vida na comunidade.


 


Na horta, são produzidas hortaliças e ervas medicinais pelo processo orgânico, das quais 50% são destinadas às famílias envolvidas no programa e a outra metade pode ser comercializada com a comunidade. O ''Nossa Horta'', que existe desde 2003, integra o projeto Ribeiro de Abreu Social (Ribas), premiado pela Unicef em 2007, e é desenvolvido em parceria com os Correios, Secretaria Municipal de Abastecimento e Ministério das Comunicações.


 


Argumentações
O presidente do Conselho Comunitário Unidos pelo Ribeiro de Abreu (Comupra), Itamar de Paula Santos, esclareceu que a horta foi implantada desde 2003, com a aprovação da diretoria da escola da época. Para Itamar, o que precisa ser debatido é a função do Estado em programas de segurança alimentar e o papel que a horta tem cumprido no resgate à famílias em risco de vulnerabilidade social. Ele ressaltou que o que o Comupra precisa é da ajuda do Estado. “Não podemos ser tratados como ‘uns quaisquer’. Não é uma discussão de uma hortazinha qualquer. É uma articulação de pessoas. Projeto de uma coletividade e não do Comupra em si. Nós não vamos aceitar nenhum tipo de imposição”, afirmou.


 


A superintendente regional de Ensino da Secretaria de Estado de Educação, Elci Pimenta Santos, afirmou não haver, na Superintendência Metropolitana A, o registro da cessão do espaço da escola à associação comunitária do bairro Ribeiro de Abreu. Ela disse não ter nada contra a horta, mas destacou a necessidade de desocupação, principalmente da sala utilizada pelo programa para ampliar o atendimento aos alunos em caráter de reforço. Elci negou a falta de diálogo mencionada pelo presidente do Comupra. Segundo ela, foram realizadas diversas reuniões com a associação. “O foco da escola é aprendizado e precisa do espaço total da escola para práticas pedagógicas”, completou.


 


A diretora da Escola, Cleuza Lourencio Linhares, afirmou que não é contra a horta na escola. Para a diretora, o espaço que está sendo usado pela horta, principalmente no que diz respeito a sala utilizada, é necessária para o atendimento de 25 crianças que devem serem atendidas pela projeto escola integral. A diretora afirmou que a horta “da maneira que as coisas estão sendo feitas, não podem continuar”.


 


O procurador Valmir Peixoto Costa, que representou a Advocacia Geral do Estado, apenas afirmou a necessidade de que, para qualquer uso do espaço público por terceiros, deve ser regularizado. Ele afirmou que a horta ainda não teve uma ordem de despejo, mas uma notificação para deixar as dependências da escola. “Não estou aqui pelo bem, ou pelo mal, mas para dar o ponto jurídico”, disse. Após intervenção do procurador, o deputado Carlin Moura questionou se o gestor, que no caso é a Secretaria de Educação, quiser manter a horta, haveria apontamento legal para isso acontecer.


 


A resposta foi dada pela professora de direito agrário Delze dos Santos Laureano, que é procuradora da prefeitura de Belo Horizonte. Para ela, quando há uma vontade política é passado para a procuradoria somente a ordem para que se ache a solução jurídica. O procurador concordou com a professora.


 


A importância da agricultura urbana
A manutenção da horta no local foi defendida pelo secretário executivo do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional, Edmar Gadelha; pela professora de direito agrário Delze dos Santos Laureano; pelo representante da empresa Jota Desenvolvimento Sustentável, empresa de Consultoria em Agricultura Urbana Agroecológica e Metodologia, Marcos Luiz da Cunha Jota; pela representante da Rede de Intercâmbio de Tecnologias Alternativas, Ana Barros; e pelo vereador de Belo Horizonte Preto do Sacolão (PMDB). Alguns deles destacaram a importância da agricultura urbana para a segurança alimentar e a saúde da população.


 


Marcos Luiz da Cunha Jota fez uma explanação sobre o conceito de hortas e quintais e falou da importância das hortas, até mesmo no escoamento das águas das enchentes. Para o consultor é preciso repensar no novo conceito de agricultura urbana que está aumentando a cada dia.


 


Delze dos Santos Laureano salientou a importância da horta, principalmente nesse momento de crise financeira e ambiental, que segundo ela pode gerar uma catástrofe climática. Delze afirmou que não dá para ficar brigando por espaço, pois terra tem muito no país. “O que tem atrapalhado a vida e o desenvolvimento humano são as cercas. Cerca-se tudo, e as pessoas passam fome”, disse. Precisamos ver a horta como extensão da educação, como um projeto de interesse público, enquanto se despreza as hortas comunitárias, somos obrigados a comer rações e alimentos produzidos pelas multinacionais, sendo vítimas de venenos e do comércio”, destacou.


 


Para o secretário executivo do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional, Edmar Gadelha, o que falta no estado é uma política de educação alimentar. De acordo com o secretário, a lei de segurança alimentar propõe estímulo as hortas na escolas.


 


O deputado Carlin Moura salientou que a discussão deve girar por mais três pontos: em como a SEE tem enxergado a comunidade; na busca por uma gestão democrática do ensino e uma melhora da alimentação escolar.


 


Para o farmacêutico José Geraldo Martins, que presenciou a audiência, as hortas são uma ferramenta para acabar com a miséria e com a desnutrição. Para ele, somente a construção de salas de aula não é suficiente para melhorar a educação, mas ações de efetividade. Para o líder comunitário do bairro Parque Belmonte, Ricardo Souza, a horta serve também como um ambiente terapêutico, para ajudar dependentes químicos e pessoas doentes. A mesma opinião foi compartilhada pela a integrante do projeto Geralda Rodrigues, que após sofrer traumas com a doença e morte de seu pai, o trabalho na horta e a medicação natural ajudaram-na a superar seu problema de depressão. A gerente do Centro de Saúde do Ribeiro de Abreu, Rosana Tavares, que é parceiro desde o início do projeto, afirmou que não se pode mais fazer saúde de dentro dos consultórios. De acordo com a gerente, os agentes de saúde do Centro fizeram curso de agroecologia e sua aplicação.


 


Taís Ferreira, do projeto Manuelzão, que trata dos problemas da bacia do baixo Onça,  destacou a função social que a horta exerce. Para Taís a questão é até quando a sala de aula viabilizará a educação nas escolas. Para ela, o que deve haver é a multidisciplinaridade da educação, “é preciso ampliar a mente para um trabalho conjunto”. Taís cobrou uma solução urgente e eficaz na questão do projeto.


 


Antônio Gomes, o Toninho, da Rede Popular Solidária, alertou que a horta está em um lugar de muita vulnerabilidade, pois a população vive às margens do Onça (rio) e convive com o mal cheiro e os problemas que ele trás. Para Toninho, “a horta é um direito a vida”. “Eu amo aquela horta, ela é tudo pra mim e não pode acabar”, finalizou a moradora Geralda Rodrigues.


 


Encaminhamentos
O deputado Carlin Moura disse que a Comissão de Educação vai mediar a busca de um acordo entre a secretaria e o Comupra, para evitar a suspensão do “Nossa Horta”. Ele sugeriu que os dois lados elaborem minutas de um possível convênio para regularizar a situação do programa. “Temos de achar uma saída viável, uma saída plausível, que preserve o interesse público e o interesse da comunidade”, afirmou o deputado.


 


O deputado comprometeu-se ainda, a enviar um pedido à secretária de Educação, Vanessa Guimarães, para que ela suspenda, na Advocacia Geral do Estado, o pedido de desocupação do espaço até que todo o problema seja solucionado.


 


 


De Belo Horizonte,
Sheila Cristina


Com informações da ALMG
Foto: Ricardo Barbosa/ALMG