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Keynes e as medidas ''placebo'' para o câncer

Enquanto os governos aplicam injeções estatais de liquidez e os bancos reduzem as taxas de juros a zero, os dados de todo o mundo mostram que a economia ainda está em situação muito pior que a que inicialmente se supunha. Os EUA – maior economia do pla

Mesmo com os EUA ameaçados de reavaliação – para baixo – de sua capacidade de endividamento – durante teleconferência organizada pela agência de avaliação de risco Standard & Poor''s os analistas reconheceram que os riscos que ameaçam a avaliação máxima (AAA) aumentaram -, ''o crescente custo de salvação dos bancos norte-americanos e das indústrias automobilísticas, em sintonia com o novo pacote de US$ 1 trilhão de Obama, resultarão em significativo agravamento do perfil fiscal dos EUA''.


 


Ao mesmo tempo, a desaceleração das exportações chinesas é preocupante, assim como é preocupante a derrocada das vendas de varejo nos EUA. Os fortes países-membros da Zona do Euro enfrentam, por sua vez, sérios problemas. E muito pior é a situação de suas economias débeis, que registram profundo mergulho de demanda doméstica mas não estão em condições de desvalorizar suas respectivas moedas para facilitar as readequações.


 


Devem apoiar-se sobre o resto do mundo – no caso específico, sobre os países superavitários da Europa – para tonificarem a demanda. Seus governos não têm outra opção a não ser o endividamento. Os ossos de Keynes, então, começam a ranger. Muito em breve, a crise financeira será sucedida pela fiscal.


 


''Cartão vermelho''


 


Isto é confirmado pelo ''cartão vermelho'' da Standard & Poor''s, que fez eclodir uma tormenta sobre a capacidade de endividamento de Espanha, Irlanda e Grécia, aumentando o temor sobre as perspectivas da Zona do Euro. Por enquanto, a guinada a Keynes é incompleta, pois mantém-se firme ao apoio dos bancos e não aos rendimentos, já que existem divergências entre os governos, tendo como ponta de lança os novos limites do Acordo de Estabilidade e Desenvolvimento na União Européia (UE).


 


Mesmo que isso seja feito durante o transcurso, a História mostra que a política keynesiana não pôde proporcionar solução à crise da estagflação de 1970, deixando o campo de ação livre para o monetarismo.


 


Keynes


 


Durante a Grande Depressão da década de 1930, o economista John Maynard Keynes refutou de maneira tenaz as percepções econômicas segundo as quais o mercado tinha capacidade de sair sozinho das recessões, enquanto – embriagada – a maioria dos economistas afirmava que ''o florescimento e a queda são fenômenos fisiológicos do capitalismo, a exemplo de como são a noite e o dia na vida. A recuperação é tão certa quanto o alvorecer''.


 


A experiência de 1930 pulverizou estas teorias. Além disso, teorizando a experiência da intervenção estatal de Roosevelt, presidente que assumiu o poder nos EUA em 1933 com a promessa de um ''novo acordo'' (New Deal) entre o governo e o povo norte-americano, Keynes receitou o seguinte remédio: quando o setor privado paralisa, os governos devem assumir a iniciativa a fim de cobrir o vazio que se cria, ampliando os déficits (aumento dos gastos) e a oferta de dinheiro.


 


O Estado como antídoto?


 


Tais ações não só apoiam a economia diretamente como transmitem uma forte mensagem ao setor privado, o de que o aumento da renda se tornará novamente positivo em algum momento no futuro, fato que melhora a psicologia e a disposição das unidades econômicas. É o que escreveu Keynes em seu famoso livro Teoria Geral da Ocupação, do Juro e do Dinheiro, publicado em 1936 no período da Grande Depressão.


 


Agora, obviamente em meio à crise, os mesmos que o anatematizavam tornaram-se partidários e acreditam agora que, dentro dos próximos meses, o mercado seguirá uma trajetória de várias oscilações. Mas apostam que se estabilizará ainda neste ano, ''quando já começarem a fazer efeito os remédios anti-recessivos que agora começaram a ser fornecidos por governos e autoridades'', escreveram recentemente os analistas do ING.


 


Mas quando o paciente sofre de insuficiência cardíaca, de que lhe servirão os remédios anti-recessivos? Em que as medidas placebo beneficiam contra o câncer? Neste estágio de busca dos Estados, os desafios são muito fortes. O capital dos ativos das empresas multinacionais são tão grandes que nenhum governo tem condições de cobri-los sem elevar – ao máximo – o risco da própria falência (mesmo que continue imprimindo dinheiro).


 


Círculo vicioso


 


Os governos, então, precisam endividar-se. Não podem simplesmente sacar todos os recursos dos orçamentos estatais. Iriam à falência. Assim, é preciso que saiam à busca de crédito no mercado internacional. Isto resultará em expansão dos déficits fiscais, que os governos serão obrigados a solucionar com o aumento da tributação ou a redução dos gastos públicos (em salários, aposentadorias e pensões, saúde, educação, transporte e onde mais puderem) ou, na pior das hipóteses, fazer ambos em conjunto.


 


Mas, quando todos os governos juntos fizerem o mesmo, a nova caça por endividamento terá consequências sobre o conjunto da economia mundial. Se países e governos começarem a sorver todos os capitais disponíveis, o endividamento das empresas ficará mais caro, eternizando a crise. Richard Wilson, administrador da Threadneed Asset Management, comenta que ''a normalização do mercado ainda está longe, pois os spreads dos bônus permanecem em alturas recorde, apesar da gradual redução das taxas interbancárias de juros do euro (Euribor) e do dólar (Libor)''.


 


Dilemas semelhantes surgem com as reduções das taxas de juros, mostrando que não funcionam. Isto, em teoria, poderá ajudar: derrubará as prestações dos empréstimos de consumo e das empresas. Mas, na prática, não há garantia de que os bancos repassarão estas vantagens aos tomadores de empréstimos ou às empresas às quais concederam empréstimos.


 


E sequer a maioria dos empresários aproveitará ''o empréstimo barato'', demitindo meio mundo, de uma ou de outra forma. Nos EUA, as taxas de juros despencaram de 5,25% em setembro do ano passado ao limite de zero. Entretanto, o desemprego não parou de aumentar, atingindo 7,2% (recorde de 16 anos). Só nos últimos 12 meses foram perdidos 2,5 milhões de postos de trabalho.


 


No Japão, a taxa de juros já estava zerada há anos, mas sua economia não escapou da inércia prolongada. Os investimentos desapareceram enquanto os desempenhos não se recuperavam. As reduções anunciadas trazem esperanças de curto prazo, mas muitos duvidam de sua eficácia a longo prazo, o que novamente leva à insegurança. A principal raiz do problema continuam sendo os fracos desempenhos empresariais.