'W.' de Oliver Stone flagra a ascensão e a queda de Bush Jr.
“W.”, a cinebiografia do ex-presidente George W. Bush dirigida por Oliver Stone, é um filme ao mesmo tempo precoce e tardio. Precoce pois realizado e lançado ainda no calor da hora do último ano do segundo mandato presidencial de Bush Jr., encerrado em
Publicado 30/04/2009 20:35
É curioso como “W.” destoa dos dois primeiros títulos da trilogia presidencial de Stone, “JFK” (1991) e “Nixon” (1995). Estes procuravam reescrever a história em filme, apresentando teorias próprias sobre o assassinato de Kennedy e o escândalo de Watergate. “W.” limita-se, no que tange aos negócios de Estado, a dramatizar principalmente a crônica em quatro volumes de Bob Woodward para os anos Bush, parcialmente publicada no Brasil.
Outra diferença capital: a ênfase aqui é psicológica e não política ou histórica. Já havia algo de psicodrama em “Nixon” mas jamais com a benevolência de “W.”. Oliver Stone, quem diria, pega leve em seu retrato de George W. Bush.
O Bush Jr. de Stone é um paspalho bem-intencionado, menosprezado pelos pais, reconciliado com Deus e amante devoto de beisebol. Mesmo com a guerra no Iraque no centro do filme, ele parece quase inimputável pelo mal que fez ao mundo e a seu próprio país, cercado por víboras como seu vice, Dick Cheney, e seu primeiro secretário de Estado, Donald Rumsfeld. É como se, numa produção sobre a presidência Fernando Collor, tudo não tivesse passado de um esquema de PC Farias.
Mas “W.“ não se preocupa muito com o grande quadro. Ao contrário de “JFK” e “Nixon”, em que tudo girava em torno de interesses públicos e privados conectados em torno do chamado complexo industrial-militar, num universo misterioso, inacessível, corporativo e violento, agora as razões se ligam a um mundo privado, familiar, freudiano, de violência intimista.
É surpreendente ainda como falta a “W.” a coerência estilística de cada filme da dupla anterior. “JFK” era um thriller clipado e hiperdinâmico. “Nixon”, um ensaio sombrio e claustrofóbico. “W.” oscila, muitas vezes na mesma cena, entre o drama psicológico e a farsa, variando de acordo com o estilo interpretativo de seus protagonistas. O naturalismo do Bush de Josh Brolin e do Cheney de Richard Dreyfuss se choca com as caricaturas do Rumsfeld de Scott Glenn e de Condoleezza Rice de Thandie Newton, para ficar nos exemplos mais eloqüentes.
Nada que busque a sátira escrachada à moda Tina Fey (Saturday Night Live), mas o bastante para desestabilizar a dominante linha realista à Aaron Sorkin (West Wing).
O suave Bush de Brolin nada tem da empáfia e da agressividade da persona pública do presidente recém-aposentado. Stone o alivia ainda de exibi-lo em três dos momentos definidores de sua presidência: a vitória tungada sobre Al Gore na primeira eleição, os ataques de 11 de setembro e a omissão vergonhosa diante da destruição de Nova Orleans pelo furacão Katrina.
Difícil compreender como o experiente cineasta julgou, assim, estar dando “ao personagem o benefício da dúvida” ou estar colaborando para “esclarecer, retratar a ignorância e explicar como aquele grupo de pessoas desqualificadas ocupou o poder nos EUA”, segundo se justificou no encontro virtual organizado na véspera da estreia pela “Folha”.
A explicação de como aquela turma chegou ao poder se encontra de forma muito mais adulta e menos complacente num telefilme da HBO que antecedeu em poucos meses “W.”, ganhou o Emmy e acaba de desembarcar em DVD por aqui. “Recontagem” (2008) é dirigido por Jay Roach, que traz no currículo não dramas políticos mas as comédias das séries Austin Powers e Fockers.
Roach reuniu um elenco que nada fica a dever em estrelato ao de Stone – Kevin Spacey, John Hurt, Laura Dern e Tom Wilkinson, entre outros – e que o bate longe em sintonia. Trata-se, claro, de uma dramatização dos 36 dias da luta de bastidores pela nova contagem dos votos na Flórida visando definir o vencedor das eleições presidenciais de 2000.
Nada de teorias conspiratórias, debates patrióticos ou monólogos edipianos. “Recontagem” mostra sem meias-tintas como a tropa republicana jogou pesado para assaltar o poder. Documentários à parte, é a melhor radiografia cinematográfica do mundo de Bush.