George Câmara: Somos todos jornalistas… e cozinheiros

Nestas linhas não pretendo estabelecer falsas polêmicas entre diferentes profissões ou ramos de atividade, ainda que, no universo do mundo do trabalho, existam variados graus de complexidade e particularidades a considerar.

Gilmar Mendes e os demais ministros do Supremo Tribunal Federal que o acompanharam na recente decisão acerca da necessidade ou não do diploma de curso universitário para o exercício da profissão de jornalista, evidentemente, não levaram em consideração a dignidade de cada profissão. Muito menos as diferenças entre o jornalismo e a culinária, atividades que, como as demais, exigem talento e bom gosto.


 


Ao comentar o assunto, logo em seguida, o Presidente do STF escolheu um comparativo que revela, por si só, o desdém e o grau de preconceito de uma elite ultrapassada ao tratar de um tema tão sério. Tema que atinge a vida e o futuro de milhares de profissionais. Além da forte repercussão e das consequências no plano democrático, por se tratar de uma seara que envolve formação de opinião e seus inevitáveis desdobramentos. Questão de elevado interesse público.


 


Considerada a responsabilidade que permeia essa matéria, foi uma decisão temerária. Considerando o jogo de interesses, a mais deslavada submissão às exigências das empresas de comunicação. Como em outros momentos de nossa conturbada história, subserviência que tem o cheiro do golpismo. A velha mídia, retrógrada, sempre beneficiária de um sistema de concessões absolutamente injusto, no Brasil, agradece o retrocesso. E festeja.


 


Levando em conta o ambiente político que a própria sociedade brasileira vem conquistando e protagonizando, nos últimos anos, decisão absolutamente desfocada, na contramão da nossa história. Até porque no Brasil as instituições caminham no sentido progressista, ainda que a duras penas. Mesmo enfrentando adversidades sem tamanho, como as desigualdades, a corrupção e a impunidade, o povo brasileiro avança. A recente convocação da I Conferência Nacional de Comunicação, ainda que tardia, não deixa de ser um marco importante nessa luta.


 


Decisão inaceitável para uma corte que deveria ser a guardiã maior do interesse público, um escudo institucional para toda a sociedade, diante da voracidade nada republicana daqueles que mandam no país e manipulam a opinião pública, ao bel prazer. Ou melhor, ao sabor de interesses pouco publicáveis. O STF, “mais realista que o rei”, se coloca de costas para a sociedade. Foi além do que muitos esperavam.


 


Tal atitude faz lembrar a frase de Tobias Barreto, em determinados  momentos da nossa história, quando perguntava: “Justiça: peituda e vendada, ou peitada e vendida?”. É o que acontece quando o mais elevado posto do Poder Judiciário, no Brasil, está nas mãos de alguém que, segundo seus próprios pares, “não consegue andar nas ruas”, junto às pessoas. Curiosamente, os paladinos da hipocrisia não falam que “isso é uma vergonha!”.


 


Jornalistas e cozinheiros não estão sozinhos. Junto com as demais categorias de trabalhadores, de mãos dadas, lutam pela dignidade e se somam a todos os setores comprometidos com um país justo, a partir de uma imprensa livre. Longe daquele modelo em que nove famílias mandam na mídia brasileira. Modelo singular, em todo o mundo, em que uma mesma empresa é, ao mesmo tempo, detentora de concessões públicas de rádio, televisão e jornal.


 


Ao invés dos privilégios dados às empresas de comunicação, o Brasil precisa é de uma Reforma na Mídia. E urgente. Talvez por isso os conservadores, em seu desespero, precisem tanto de uma tropa de choque de luxo, do nível de ministros do STF.


 


por George Câmara, petroleiro, advogado e vereador em Natal pelo PCdoB