Artigo: O Tesouro de Cuba

Cada vez mais, acredito que a maior riqueza de Cuba é o seu povo. Esta é uma terra de muitos heróis, como podemos comprovar em vários monumentos e nomes de locais.

José Martí é uma constante, seu nome é estampado para todos os lados, assim como seu busto enfeita praças e parques e até casas particulares. E podem ser citados Ernesto Che Guevara, Camilo Cienfuegos, Antonio Maceo… E há também líderes que desempenharam papéis importantes em outros países latinos, como Salvador Allende e Simón Bolívar.


 


As figuras mais interessantes, no entanto, estão vivas e caminham entre nós. No começo de nossa visita a Cuba, tivemos o primeiro contato com o grupo responsável pela manutenção da instituição que nos abriga, a OCLAE (Organização Continental Latinoamericana e Caribenha de Estudantes). Pessoas sempre muito acessíveis, prestativas e bem humoradas. Quando precisamos de alguma orientação, há disputa para definir quem ajudará os “brasileños”.


 


No segundo dia, passeando pela Praça da Revolução, nos deparamos com uma cena curiosa: mulheres, aproveitando o sinal fechado, chegavam perto dos carros e conversavam com os motoristas. Algumas entravam no veículo e seguiam nele; outras, voltavam ao passeio. Nossas mentes poluídas logo pensaram mal daquelas moças, até que observamos tratar-se de um fenômeno corriqueiro, inclusive com homens. Era apenas uma carona, algo impensável para cidades com níveis altos de violência. Em Cuba, além dos diversos meios pagos de transportes, como o Cocotaxi ou as bicicletas de três lugares (para o condutor e dois passageiros), há ainda sinais de solidariedade entre os compatriotas. Dentro dos táxis não-oficiais, aqueles carrões que só vemos em filmes americanos de época, o pessoal também se ajeita.


 


A forma mais tradicional de transporte, o ônibus, é um pouco complexa. O sistema de distribuição de linhas é bem abrangente e dá a população opções, mas o número de veículos em circulação parece inadequado, já que eles percorrem longas distâncias e estão invariavelmente cheios. O que não impede que os passageiros engatem animadas conversas entre eles ou que apenas apreciem as canções locais, tocadas em volume bem generoso. Clássicos como Julio Iglesias, José Feliciano ou Eros Ramazzotti são figurinhas fáceis e são acompanhados por cantores anônimos.


 


Cortar o cabelo em Cuba também se mostrou uma experiência interessante. Após darmos com a cara na porta do barbeiro que nos fora indicado, conseguimos outra orientação e a seguimos. Encontramos um profissional veterano que, além de ter uma fita K7 do Michael Jackson no som e referências a medalhões da música internacional na parede, tinha ainda uma pequena bandeira do Brasil em cima do espelho. Isso reafirma o carinho que já tínhamos percebido que muitos cubanos nos dispensam. Aristides, um vigia da OCLAE, quando não está escalado, volta e meia nos vê pela vizinhança e grita: “Ô de Brasil, como vão, cumpadres?”, com seu sotaque característico.


 


Uma cidadã duplamente orgulhosa, por ter nascido em Havana e por seu nome homenagear Guevara- ela se chama Chela- conta que, mesmo existindo grandes artistas cubanos, seu favorito é ninguém menos que o nosso rei Roberto Carlos. O marido de Chela, o mecânico Rodolfo, se empolga durante uma conversa e até arrisca umas frases em português, lembranças de seus tempos em Angola. O casal não se despede sem antes nos oferecer um delicioso peixe frito e de colocar seu carro à nossa disposição, caso precisássemos.


 


Além de admirarem nossa música, nossas novelas são igualmente traduzidas para o espanhol. Segundo Chela, os cubanos conhecem muito sobre a vida dos brasileiros através das novelas. A atualmente exibida aqui, Páginas da Vida, não agrada a estudante Dania, que julga a família mostrada “perfeita demais”. No geral, ela garante ser uma grande fã.


 


 


Por Marcelo Seabra
Direto de Havana