Ana Esther Caceña: Yankies, go home!
O ataque a Sucumbíos – província equatoriana atacada pelo exército colombiano – em março de 2008 marcou o início de um novo ciclo dentro da estratégia estadunidense de controle de seu espaço vital: o continente americano.
Por Ana Esther Ceceña*, no Brasil de Fato
Publicado 14/08/2009 12:06
Era então o momento de criação de plataformas regionais de ataque, no contexto da guerra preventiva contra o terrorismo. Mas se na Palestina e no Oriente Médio já há o costume de receber as ofensivas do Pentágono, incrementadas com a ajuda de Israel, na América não havia ocorrido nenhum ataque unilateral “em defesa de sua segurança nacional”.
O ataque perfilou as primeiras linhas de uma política de Estado que não se modificou com a mudança de governo (de Bush para Obama), mas sim se adequou. Na época do ataque ao Equador, as queixas de Correa foram amplamente reiteradas pela maioria dos presidentes da região, reunidos logo após o ocorrido na Cúpula de Santo Domingo (março de 2008).
Prudentemente, deteve-se esta escalada militar, com a finalidade de diminuir as tensões, por conta do novo governo dos EUA. Mas a necessidade de deter o crescimento da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba) e a busca de caminhos seguros para intervir na região, sobretudo frente à Venezuela, Equador e Bolívia, levou novamente os Estados Unidos a envolverem-se em projetos desestabilizadores o diretamente militaristas.
O golpe de Estado em Honduras, um dos integrantes mais frágeis da Alba, foi conduzido por um militar hondurenho formado na Escola das Américas e tramado com cooperação da base de Palmerola (base estadunidense em Honduras). Também contou com anuência da Embaixada estadunidense e foi assumido pela oligarquia hondurenha – que existe devido ao auspício dos interesses estadunidenses, ocupando a posição de seus sócios locais. O golpe foi o primeiro operativo de relançamento dessa escalada.
Péssimo que um governante legítimo, derrocado por um golpe espúrio e que termina sendo acusado de violar a Constituição e por esse subterfúgio é equiparado com o governo golpista. Tão defensor como violador da Constituição é um e o outro no esquema de diálogo que foi imposto após o golpe.
Bom é um povo que se mobiliza pelo restabelecimento da constitucionalidade, contra um golpe e a militarização, que lembra situações de um passado próximo.
Entretanto, o golpe em Honduras simplesmente anuncia o que se vislumbra para esses governos que têm ousado desafiar ao império e que não cessam de ser acossados. Honduras acabou sendo atropelada em uma perseguição que tem outros países mais importantes na mira: Venezuela, Equador e Bolívia.
Enquanto os nebulosos acontecimento em Honduras “desviam” a atenção, voltaram as acusações de “cúmplices das Farc” – qualificada como grupo terrorista nas listas do Pentágono -, aos Presidentes da Venezuela e Equador. Ao mesmo tempo, é reativado um velho acordo entre Colômbia e Estados Unidos que outorga imunidade às tropas estadunidenses em solo colombiano e permite a instalação de 7 bases militares norte-americanas que se somam às seis já reconhecidas pelo Pentágono no relatório Base structure report, sancionado pelo Congresso dos EUA.
Honduras serviu como uma cortina de fumaça para permitir a reativação do projeto interrompido depois do ataque a Sucumbíos: o estabelecimento de uma sede regional da chamada guerra preventiva na América, logo ao lado do Canal de Panamá e na entrada da Amazônia, mas, o mais importante em termos estratégicos conjunturais, nas fronteiras dos processos incômodos para os grandes poderosos mundiais, liderados pelos Estados Unidos.
Está em curso um projeto de recolonização e disciplinamento do Continente. Com a anuência e até o entusiasmo das oligarquias locais, com a co-participação dos grupos de ultra-direita instalados em alguns governos da região, se construiu na América Latina muito mais que um novo Israel; o raio de ação deve se medir a partir das distâncias que os aviões de guerra e monitoramentos alcançam em um só voo, sem necessidade de reabastecer combustível, ou com os tempos de chegada aos objetivos bem reduzidos a partir das posições colombianas.
As bases possibilitam uma capacidade de resposta rápida diante das contingências nas cidades de Quito, Caracas e La Paz. Há ainda uma segurança econômica de estabelecer-se ao lado da faixa do Orinoco – rica em petróleo – equivalente às reservas da Arábia Saudita; ao lado do rio Amazonas, principal fonte superficial de água doce do Continente, ao lado das maiores reservas de biodiversidade do planeta. Ficarão ainda de frente ao Brasil. A Colômbia conta ainda com a cooperação do Peru, em relação a qualquer dos três países que na América do Sul ousem desafiar a hegemonia.
Se Honduras mostra claramente os limites da democracia dentro do capitalismo, o projeto de instalação de novas bases em Colômbia e a imunidade das tropas estadunidenses em solo colombiano, converteria esse país na sua totalidade em uma locação do exército dos Estados Unidos que põe em risco a capacidade soberana de autodeterminação dos povos e dos países da região.
As ações deste enclave militar na América do Sul se dirigirão aos Estados inimigos ou aos Estados “problemáticos”, que, de acordo com as novas normas impulsionadas pelos Estados Unidos, podem ser historicamente “problemáticos”, ou serem assim “por colapso”.
Qualquer contingência pode converter um país em um Estado “problemáticos”, e, por isso, suscetível de sofrer intervenção. E entre as contingências estão as relações de seus governantes com algum grupo qualificado como terrorista. É aí que se explica a insistência em acusar aos presidentes Chávez e Correa de manter vínculos de colaboração com as Farc.
Uma vez decretado que tal Estado é “problemáticos”, a intervenção pode realizar-se da Colômbia, que já estará equipada para avançar sobre seus vizinhos
Quinhentos anos depois, os habitantes da América Latina temos que seguir detendo o saqueio, a colonização e as imposições de todo tipo, mas se não paramos a militarização e o assentamento das tropas dos Estados Unidos na Colômbia, as lutas dos últimos 500 anos terão sido em vão. Novamente, como nos velhos tempos, ganha um sentido profundo a consígnia: yankies, go home!
* Ana Esther Ceceña é socióloga mexicana, pesquisadora do tema militarização e imperialismo, coordenadora dos livros La tecnología como instrumento de poder – Ed. El Caballito, México – e Producción estratégica y hegemonía mundial, Siglo XXI, México.