Sem categoria

Petróleo: O exemplo do fundo da Noruega

Pouco se sabe sobre as características, a operacionalização e os objetivos do que o governo tem chamado de “Novo Fundo Social”, um título de conotação claramente política, que seria constituído com as receitas geradas com a exploração econômica das áreas do pré-sal.

Por Maria Clara R. M. do Prado, no Valor Econômico

Não há nada de novo na ideia de apartar em uma conta específica o dinheiro da venda de abundantes recursos naturais. Os fundos — comumente conhecidos como soberanos — existem nos países árabes, no Alasca, no Estado de Alberta, no Canadá, e em alguns países africanos (aqui, geralmente vinculados à comercialização de outros minerais, como o ouro).

Mas vem da Noruega o exemplo melhor fundamentado de fundo criado com os recursos da venda de petróleo. Os objetivos são vários. Tem a finalidade de estabilizar a economia, evitando os impactos das altas e baixas dos preços do próprio petróleo. Tem a função de constituir uma reserva para benefício das gerações futuras. Tem o objetivo de aliviar a pressão cambial sobre a tendência de valorização da coroa norueguesa, na tentativa de dirimir os efeitos da “doença holandesa”, como ficou conhecido na Holanda o efeito da apreciação cambial de desestímulo ao setor industrial causado pelo aumento da receita com as exportações de gás.

Criado em 1990, o Fundo Governamental de Petróleo teve o nome mudado para Fundo de Pensão — Global do Governo da Noruega em 2006, muito embora não se assemelhe a um fundo de pensão.

A primeira transferência de recursos ocorreu em 1996, com o aporte do equivalente a US$ 400 milhões. Hoje, o fundo da Noruega tem em reserva cerca de US$ 500 bilhões, com a expectativa de dobrar de valor nos próximos dez anos. A soma de recursos é muito expressiva para o tamanho da economia norueguesa e poderia facilmente desarranjar a alocação de recursos com graves estragos.

A estrutura do fundo foi, portanto, imaginada para que a renda do petróleo não se transformasse em uma maldição para o país, com todos os cuidados de transparência e governança com que deve ser tratada a coisa pública. Para evitar transtornos no mercado financeiro doméstico, os recursos do fundo da Noruega são aplicados exclusivamente em ativos no exterior e apenas o retorno dessas aplicações é absorvido pela economia doméstica, sob a forma de transferências para complementar o orçamento público.

O fundo está sob a responsabilidade do Ministério da Fazenda, que define os mandatos dos administradores, monitora o funcionamento e avalia o desempenho dos investimentos. Mas o gerenciamento é do Banco da Noruega desde 1996, com o entendimento de que o Banco Central do país tinha a expertise da aplicação dos recursos, acumulada nos anos de administração das reservas internacionais do país.

O ponto importante é que o fundo norueguês foi montado de modo a estar casado com o orçamento do governo, sendo guiado pelas mesmas prioridades de gastos impostas às contas públicas. Funciona assim: a totalidade dos recursos originária das receitas com o petróleo é transferida para o fundo e apenas um montante de recursos correspondente ao valor do déficit do orçamento ordinário, sem considerar o petróleo, é repassada do fundo para o orçamento fiscal. Ou seja, os recursos do fundo são usados apenas para cobrir o déficit público, guardadas as devidas prioridades de gastos definidas pelo governo, de modo a que a acumulação de capital no fundo seja igual à poupança líquida financeira do governo. O mecanismo evita a expansão de passivos públicos.

Mas as transferências do fundo para o orçamento não ocorrem sem limites. Seria muito fácil e absolutamente inapropriado, além de inconcebível, se os recursos do fundo fossem usados para a cobertura indiscriminada dos déficits orçamentários. Não haveria recursos suficientes para tapar os buracos das orgias dos gastadores, principalmente quando se imagina tal mecanismo funcionando em países onde as despesas públicas, muitas de interesse privado, se multiplicam sem controle, como é infelizmente o caso do Brasil.

Os noruegueses, preocupados em evitar catástrofes fiscais, estipularam que a transferência de recursos do fundo para o orçamento fiscal deve corresponder a um esperado retorno real do fundo, fixado em 4% ao ano, imaginado como uma média anual em cenário de longo prazo. A flexibilidade, para mais ou para menos, permite que o fundo tenha função fiscal anticíclica. Quando a economia opera a plena capacidade, o uso de recursos do fundo pode ser inferior a 4% ao ano e vice-versa, podendo as transferências superar os 4% em caso de retração econômica.

O saldo do fundo mantém-se aplicado no exterior, acumulando divisas para atender às necessidades das gerações futuras, uma vez que o petróleo, como se sabe, é uma fonte esgotável de recursos. Além disso, a legislação proíbe que os seus recursos sejam usados para propósitos não definidos no orçamento.

O fundo soberano da Noruega é gerenciado por uma estrutura conhecida por NBIM (Norges Bank Investment Management) – Administração de Investimentos do Banco da Noruega). Trata-se de entidade criada dentro do Banco Central que também administra as reservas internacionais do país e o fundo de seguros do petróleo do governo. Com escritórios em Oslo, Nova York, Londres e Xangai, tem como alvo maximizar o retorno das aplicações com o mínimo de risco possível.

O portfólio do fundo norueguês é formado: 60% de ativos em renda variável – dos quais 35% estão aplicados em ativos no continente americano (pouco mais de 1% no Brasil), 50% na Europa e 15% na Ásia e Oceania – e 40% em renda fixa – sendo 35% em ativos no continente americano e na África, 60% na Europa e 5% na Ásia e Oceania. O Ministério da Fazenda vai destinar 5% do fundo para aplicações no mercado imobiliário. Tudo no exterior.

O presidente Lula e seu governo têm seguidamente indicado que pretendem seguir o modelo do fundo da Noruega como padrão para o fundo brasileiro do pré-sal. Esperemos que sim, destacando a importância da transparência e da prestação de contas para a sociedade, em bases regulares. Quem sabe não se daria assim início a uma significativa mudança na forma de tratar a coisa pública no país?

*Maria Clara R. M. do Prado, jornalista, é sócia diretora da Cin – Comunicação Inteligente e autora do livro “A Real História do Real”. Escreve quinzenalmente, às quintas-feiras. E-mail: [email protected]