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Aos 32 anos, Maracatu Piaba de Ouro preserva tradição

O tradicional Maracatu Piaba de Ouro, fundado pelo Mestre Salustiano (falecido em 31 de agosto de 2008), comemora este ano os 32 anos de fundação. A data será comemorada com festa nesta sexta-feira (11), na sede do grupo, na Cidade Tabajara, em Olinda. O Piaba é referência para outros 104 grupos de maracatus que existem no estado de Pernambuco. É uma entidade sem fins lucrativos e desenvolve um trabalho cultural, voltado para a formação de cidadãos.

Maracatu Piaba de Ouro

Mais que um maracatu, o Piaba de Ouro é um projeto que envolve vários segmentos da cultura Popular, entre eles o cavalo-marinho, mamulengo, ciranda, forró de rabeca, caboclinho e o próprio maracatu de baque solto.

Mesmo depois de 32 anos e sem um de seus fundadores, a agremiação demonstra que está pronta e disposta para prosseguir por muitas outras décadas. O legado construído por Mestre Salu é mantido pelos 15 filhos e pela comunidade de mais de 250 maracatuzeiros e folgazões. Na sede do grupo, em frente ao Ilumiara Zumbi, na Cidade Tabajara, em Olinda, crianças e jovens seguem os passos dos mais velhos e aprendem com a tradição oral e o reforço de oficinas, como as de dança e bordados.

Para celebrar a data e demonstrar que a semente plantada por Salu brota e floresce a todo instante, o presidente do Piaba de Ouro, Manoelzinho Salustino, organizou uma grande festa. A programação vai reunir diferentes grupos de cultura popular. Entre eles estão o cavalo marinho Boi Pintado de Aliança, do mestre Grimário, o coco do Ponto de Cultura Estrela Brilhante de Igarassu e os Bacamarteiros Mandacaru de Abreu e Lima. O encontro será a partir das 14h, na sede do grupo, em frente ao Ilumiara Zumbi. A festa também vai marcar o lançamento do site e do segundo CD do Piaba de Ouro.

O Maracatu de Baque Solto Piaba de Ouro foi fundado em 11 de setembro de 1977, por Manuel Salustiano Soares (Mestre Salustiano), Augustinho Pires e Manoel Mauro de Souza. Nascidos na Zona da Mata pernambucana, criaram o ‘brinquedo’ para relembrar e manter as tradições e reafirmar na capital o valor cultural da região.

Sob o comando do Mestre Salu, o Piaba de Ouro ultrapassou fronteiras com apresentações em outros estados do Brasil. Chegou ao exterior, em países como Cuba, França e EUA. Além disso, conquistou, entre muitos títulos, o de campeão do carnaval pernambucano por sete anos consecutivos.

Manoelzinho Salustiano é um dos homens que contam a saga dos plantadores de açúcar da Zona da Mata Nordestina através da dança, da música e do teatro. Uma história de sofrimento, luta e resistência, nascida nos canaviais. E uma tradição passada de pai pra filho, hoje reconhecida como uma das mais genuínas expressões culturais de Pernambuco e do Brasil. Veja abaixo entrevista com ele:

Como nasceu o maracatu Piaba de Ouro?

O Piaba de Ouro foi criado em 1977 por três amigos com a liderança do meu pai, Mestre Salustiano, junto com Manoel Mauro de Souza e Augustinho Pires. Quase 80% dos maracatus de Pernambuco são conhecidos como “Leão”, por exemplo Leão da Mata, Leão de Ouro. E eles quiseram fazer algo diferente, e criaram um maracatu em homenagem a um rio chamado Piaba de Ouro, que é o Maracatu de Baque Solto Piaba de Ouro.

E como foi até o Piaba de Ouro tornar-se “Ponto de Cultura”?

Com o decorrer do tempo, foram juntando pessoas da Zona da Mata, que moravam na capital, e assim, começamos a concorrer no Carnaval Pernambucano. Nós ganhamos vários títulos e chegou uma época que não perdíamos mais pra ninguém. Até que nos anos 80, a organização do carnaval pediu para que o Piaba de Ouro não concorresse mais, por ganhar sempre todos os títulos, e que se apresentasse numa categoria especial.

Com isso, o Piaba de Ouro tornou-se “Ponto de Cultura”, que é um projeto do Ministério da Cultura, e hoje temos um trabalho com jovens de 8 até adultos de 80 anos. Nós fazemos oficinas de bordado, de música, de dança e nas vésperas do carnaval chegamos a hospedar mais de 200 pessoas em nossa sede que participam do grupo. Essas pessoas recebem o material para bordar as fantasias e nós ensinamos a bordar e cada um sempre quer confeccionar a sua fantasia mais bonita do que a do outro!

Como é o trabalho desenvolvido dentro da entidade para manter essa tradição?

Nós criamos uma relação de amigo com as crianças, e não de professor e aluno. Formamos folgazões que se tornam cidadãos [folgazões são os brincantes]. A nossa idéia é que as pessoas não deixem de gostar de maracatu. Então, incentivamos as crianças, que aprendem a gostar e com isso o maracatu vai crescendo. Na sede não tem só oficina de maracatu. Tem também de frevo, de cavalo marinho, maracatu de baque solto e de baque virado, de forró pé de serra, de coco, de ciranda, e esse é o trabalho o ano inteiro do Maracatu Piaba de Ouro.

Nos anos 80, o maracatu sofreu uma baixa terrível. Não tinha incentivo de nada e chegou um momento que só existiam em Pernambuco apenas onze maracatus em atividade. O meu pai, na época, foi um homem que acreditou no que ninguém acreditava. Ele criou a Associação de Maracatus de Baque Solto de Pernambuco, de onde hoje eu sou o atual presidente.

Atualmente, essa entidade tem 105 maracatus e atuamos em 23 cidades do estado de Pernambuco. No último encontro que fizemos estavam onze mil pessoas fantasiadas e dançando maracatu. Então hoje, a cultura do maracatu não corre nenhum risco.

O que difere o maracatu de baque solto do maracatu de baque virado?

No baque solto predomina o caboclo de lança e no baque virado predominam as alfaias. Então a orquestra de baque solto é composta por 5 instrumentos de percussão: gonguê, ganzá, bombinho, tarol e póica, conhecida pra vocês como cuíca. E 20 de sopro, que é o instrumento chamado de terno. E todos juntos formam um som solto. Já o baque virado é composto de gonguê, ganzá, alfaia e tarol. O baque solto usa um bombinho, enquanto o baque virado pode usar até cem alfaias se quiser. Eles podem ter até trinta percussionistas e nós podemos ter apenas cinco. E a pancada deles é virada.

E qual é a origem desses maracatus?

Nós somos de origem indígena, verdadeiramente pernambucana, porque o baque solto foi criado no final do século XIX e, depois da libertação, as brincadeiras saíram das senzalas de engenho e foram para as ruas. O baque virado nasceu das procissões, pelos negros africanos que eram proibidos de celebrarem suas manifestações que, então, faziam um cortejo religioso até as igrejas de Nossa Senhora do Rosário dos pretos, ou São Benedito dos pretos.

O que o maracatu representa na vida do pernambucano? Vocês o consideram como folclore?

O maracatu representa sua identidade, sua história de luta. Esses homens são guerreiros. Representa a história da cana, a história da escravidão, e do sofrimento do índio e do negro.Essa história de folclore é interessante. Nós não usamos muito essa palavra. A gente trata como movimento cultural e cultura popular porque é uma coisa do sangue, é uma coisa de família, que vem do bisavô pro avô, do avô pro pai e depois pro filho e pro neto. Maracatu não se aprende na escola. Maracatu é sangue. Maracatu é raiz, é resistência. O diploma do maracatu é o diploma da vida.

Seu pai foi o idealizador do Piaba de Ouro e hoje sua filha também participa. Como é passada essa tradição na família?

Na nossa família é assim, com seis meses de idade, se for homem a gente já veste com uma roupa de caboclo de lança e se for mulher já sai no carnaval no colo vestida de baiana, pra ir acostumando com o som para um dia ser um mestre, um caboclo, uma baiana.

Vocês já se apresentaram em 17 estados do Brasil e também em outros países, como Cuba, França e Estados Unidos. O que o Piaba de Ouro procura mostrar através do maracatu e como as pessoas recebem vocês?

Quando fazemos apresentações pelo país, nós só queremos mostrar que o Brasil é isso aqui, essa é a nossa história, e que as outras pessoas também fazem parte disso. E que a gente também é feliz, que lá a gente sabe brincar, e que o Nordeste não é só o sertão quando está na seca. O maracatu é de todo mundo. Quando a gente chega na Europa, o pessoal fica “besta” com a nossa cultura.

Nós queremos mostrar pro mundo que o Brasil não é só um país de terceiro mundo, mas que também tem cultura, preserva as tradições e que é forte.Tem lugares que as pessoas olham desconfiadas quando vêem as fantasias, mas depois reconhecem a beleza e a riqueza do nosso trabalho, dos bordados à linha, com calma, de um a um.

Você acha que hoje a mídia ajuda na divulgação do maracatu do nordeste para o resto do Brasil e do mundo?

A divulgação da cultura tem que acontecer de modo natural. A cultura não precisa de ir pra mídia e ser explorada porque você vê quantas pessoas aperecem com um cd novo, fazem sucesso e depois ninguém mais ouve falar. Então a cultura quando é verdadeira, é resistência de sangue e assim ela nunca morre.

Pra nós, para a cultura do maracatu acontecer só basta estarmos vivos. Dinheiro pra nós é conseqüência, não é prioridade. Se hoje eu não tenho nenhum dinheiro, eu pego o meu bombo e vou bater na porta da minha casa e quem gosta de maracatu vai dançar. Então a mídia tem que vir naturalmente, ela é importante pra nós, mas não pode explorar nossa cultura.

O que é maracatu pra você?

O maracatu representa a minha história. O maracatu é meu alimento. Nós dizemos em Pernambuco que o maracatu é a nossa nação. Por que a nossa nação? O negro é descriminado, o pobre é descriminado, mas dentro do maracatu a gente é rei, a gente é mestre, a gente é patrão, a gente é presidente. Então é nosso mundo, onde a autoridade somos nós. Ali dentro ninguém vai atrapalhar o nosso mundo. O maracatu é a nossa vida, só isso!

Da Redação,
Com informações de Livrevista e pe360graus