Helena Lutescia – A morte de Antonio Teodoro de Castro
Agora sabemos como morreu Teodoro, ou melhor, como foi matado, morto, trucidado. Nenhuma dessas palavras tem a força da brutalidade acontecida. Nenhuma traz o horror, a injustiça, o barbarismo perpretado por forças do exército brasileiro na Amazônia de 1972 a 1974 (revista Veja 01/07/09). Mortes decretadas, determinadas pelos superiores… “não deixem nenhum vivo” …
Publicado 25/09/2009 13:09 | Editado 04/03/2020 16:34
O que haveria entre a prisão e a morte caberia à sanha, às taras, à ignomínia dos perseguidores. Antonio Teodoro de Castro, dentre outros cearenses presentes na guerrilha, era estudante da UFC; cursava Farmácia, participava do movimento estudantil e era membro do Partido Comunista do Brasil. Como outros jovens à época, Teó (assim o chamavam carinhosamente os amigos) acreditava que a única maneira de vencer a ditadura militar e acabar com a injustiça social no Brasil era pela luta armada. A vitoriosa história recente de Cuba enchia de esperança o coração dessas pessoas.
Para quem o conheceu, é difícil imaginar o Teodoro soldado guerrilheiro, de arma na mão. Magro, alto, óculos fundo de garrafa, tinha apenas um pulmão, pois perdera o outro com tuberculose, doença que grassava por aqui naquele tempo. Amigo, solidário, divertido, tinha um temperamento doce e conciliador.
Fora me visitar em Ribeirão Preto quando eu estava iniciando a pós- graduação. Disse-me que o partido estava organizando uma ação revolucionária no campo e que os voluntários deveriam ir em duplas, como casais, para se estabelecerem na região sem dar na vista; ele viera em missão, me convidar. Quando lhe disse que não acreditava mais no sucesso dessa luta e que decidira enfiar minha cabeça na ciência, Teó falou, compreensivo mas solene, “tem nada não Maguinha, o Brasil novo vai precisar de cientistas revolucionários como você”… sorri, triste.
Dias depois fui despedir-me dele em São Paulo; na rodoviária do Tietê pediu à namorada e a mim que não olhássemos qual o destino do ônibus que ele iria pegar, deu um abraço emocionado e partiu. Foi a última vez que nos vimos.
Agora, diante das evidências do que fizeram ao Teodoro ele e aos outros guerrilheiros do Araguaia eu me pergunto: que povo somos nós para deixar impunes crimes como esses? Que sociedade é a nossa para admitir que as suas forças armadas, ainda que fosse em pleno exercício de defesa do Brasil contra a subversão interna como justificam, perpretasse crimes contra a humanidade, desrespeitasse as convenções internacionais de defesa dos direitos humanos, fechasse os olhos para que militares exercessem o sadismo contra prisioneiros, deixassem insepultos seus corpos, e por fim ficasse por tantos anos ocultando das famílias e do Brasil o destino desses jovens? …
A nossa história é cheia de escabrosos pactos com o diabo, feitos sempre em nome da não beligerância, evitar conflitos, buscar uma paz duradoura, manter a governabilidade, construir o futuro, olhar para a frente… mas não podemos sair por aí carregando pedaços de corpos insepultos, famílias que choram por seus filhos, a história soterrada em quintais e covas na mata. Nada se aprende virando uma página que não foi lida.
Helena Lutescia L. Coelho é Professora Titular UFC